Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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de alguns deles. Descartes, Locke, Leibniz, Condillac, Maleblanche, os cânones<br />
fundamentais da teoria do conhecimento moderna integravam a cartilha do padre<br />
franciscano e, conseqüentemente, compunham os planos de aula do Seminário São José.<br />
Fantasmagorias ecoavam projetadas na voz sonora do franciscano, fascinando jovens<br />
como Gonçalves de Magalhães, que mais tarde dariam forma aos contos e romances<br />
inaugurais da literatura brasileira.<br />
4.2-Teoria do conhecimento e fantasmagoria literária<br />
De que maneira os conteúdos das aulas de Monte Alverne contribuíram para que<br />
a ficção em prosa brasileira ganhasse as figuras e os encaixes de um acabamento<br />
artístico tipicamente fantasmagórico? Ainda que tenha levado o discurso até as regiões<br />
manifestas do eu, os objetivos do padre mestre passaram ao largo do frívolo<br />
abastecimento da prosa com as imagens de uma realidade inquietante ou comprometida<br />
com a sustentação da verossimilhança ficcional. O juízo com relação às expressões<br />
literárias deste nível ficou esclarecido em sua correspondência com o Conselheiro<br />
Antônio Feliciano de Castilho: “o romance, meu caro, meu sábio amigo, que substituiu<br />
as obras profundas do século XVIII, estragou a literatura, da mesma forma que a<br />
eloqüência deliberativa e judiciária matou a eloqüência sagrada”. 47 Mas nem sempre<br />
posturas críticas tão severas produziram barreiras suficientemente fortes para conter os<br />
desmanches da escrita sagrada. E, se a distração momentânea permitiu que a filosofia<br />
sensualista adentrasse o espaço da metafísica montealverniana, o passo primordial para<br />
que a fantástica psicológica assumisse as rédeas da narrativa também fora dado e só<br />
restava observar a ampliação de sua influência sobre a escrita.<br />
Posto a intensa correspondência notada entre os conceitos nascidos com o<br />
advento do empirismo científico e as discussões de natureza estética que levaram à<br />
47 ALVERNE, “Trabalhos oratórios e literários”, p. 31. O comentário pejorativo de Monte Alverne com<br />
relação ao romance não foi algo isolado ou um juízo antiquado para o tempo em que viveu. O gênero<br />
manteve-se ausente tanto das antologias como dos manuais de eloqüência até o final do século XIX. Na<br />
verdade, a ausência correspondeu a reservas muito antigas em enquadrar as ficções em prosa na família<br />
das Belas Letras. Apesar de seu sucesso entre o público leitor mais amplo, é certo que o romance ainda<br />
não era, mesmo nos países europeus, um gênero cuja dignidade literária se assemelhava a da poesia e do<br />
teatro. No caso da França, berço de romancistas muito apreciados como Victor Hugo, Alexandre Dumas,<br />
Eugène Sue, entre outros, o cânone escolar em fins do século XIX firmava-se ainda sobre os<br />
representantes do classicismo, como Bossuet, Fénelon, La Bruyère, Corneille, Racine, Molière, La<br />
Fontaine e Boileau, não havendo a inclusão de um romancista sequer, apesar de a nação “exportar”<br />
inúmeros exemplares do gênero, dos mais diversos autores.