Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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No sentimento da minha alma eu não descubro algum mecanismo. Este sentimento é<br />
uma modificação, uma maneira de ser da minha alma, que não tem alguma semelhança<br />
com o efeito da matéria. Minha alma parece receber a impressão que se faz na<br />
extremidade anterior do nervo ótico; mas é a maneira de uma substância imaterial: ela<br />
experimenta um sentimento, não recebe um choque. 42<br />
O ecletismo espiritualista nasceu em contraposição ao empirismo radical<br />
disseminado pelos filósofos ilustrados anteriores à Revolução Francesa, cujos estudos<br />
sobre a natureza humana desprezavam as abordagens especulativas sobre a alma e todas<br />
as análises para as quais a apreensão física do mundo não constituía a base para a<br />
interpretação dos fenômenos naturais. Se a fama de “sensualistas” na época fugia aos<br />
rótulos de trabalhos hoje conhecidos como pornográficos, as proximidades excessivas a<br />
uma máquina sensível, para a qual a dor ou o prazer motivava ou retraía os membros<br />
diante de objetos cortantes ou macios, deu o ensejo para a realização de um corpo<br />
passivo ao dado mundano. A fisiologia humana incrustava-se num composto inerte e, ao<br />
mesmo tempo, intumescido por uma seiva silenciosa, dando vida a fetiches de mármore.<br />
Certamente a incidência do mito de Pigmalião sobre a imaginação clássica realizou-se<br />
por este contexto de automatização do organismo:<br />
LA STATUE<br />
Que vois-je? Où suis-je?<br />
Et qu’est-ce que je pense?<br />
D’où me viennent ces mouvements?<br />
PIGMALION<br />
Ô ciel!<br />
LA STATUE<br />
Que dois-je croire?<br />
Et par quelle puissance<br />
Puis-je exprimer mes sentiments? 43<br />
Em 1748, o músico Jean-Philippe Rameau, a partir do libreto de Ballot de<br />
Sauvot, revisitaria o mito que mais adiante serviria às intenções teóricas de Condillac,<br />
em seu Tratado das sensações. 44 Para ilustrar sua visão de corpo de base sensualista, o<br />
filósofo francês solicitou os préstimos de uma estátua na qual foi aos poucos inserindo<br />
os órgãos e as sensações correspondentes. Começou limitando o sentido de seu boneco<br />
ao olfato, à audição, à visão e ao tato, isolando cada uma das funções de aprendizado na<br />
42 ALVERNE, Compêndio de filosofia, p. 92.<br />
43 SAUVOT, Ballot de. “Pigmalion” [libreto]. Paris: Virgin Veritas, 1999, p. 15.<br />
44 CONDILLAC, Étienne de. Tratado das sensações. São Paulo: Editora Unicamp, 1993.