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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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311<br />

frente, quando o narrador da história saía para a rua após uma orgia e reiniciava suas<br />

perambulações sonambúlicas por Roma:<br />

Quando dei acordo de mim estava num lugar escuro: as estrelas passavam seus raios<br />

brancos entre as vidraças de um templo. As luzes de quatro círios batiam num caixão<br />

entreaberto. Abri-o: era o de uma moça. Aquele branco da mortalha, as grinaldas da<br />

morte na fronte dela, naquela tez lívida e embaçada, o vidrento dos olhos mal<br />

apertados... Era uma defunta! ... e aqueles traços todos me lembraram uma idéia<br />

perdida... – Era o anjo do cemitério? Cerrei as portas da igreja, que, ignoro porque, eu<br />

achara abertas. Tomei o cadáver nos meus braços para fora do caixão. Pesava como<br />

chumbo. 286<br />

Tudo aqui transcorreu mediante uma atenção elípitica (“quando dei por mim<br />

estava num lugar escuro”), uma percepção alienada, fluida, (“e aqueles traços todos me<br />

lembraram uma idéia perdida”) ou ações realizadas sem a presença da vontade (“cerrei<br />

as portas da igreja, que, ignoro porque, eu achara abertas”), numa contextualização<br />

próxima ao estado de frouxidão perceptiva capaz de puxar os sonhos para o solo dos<br />

homens. A técnica desenvolvida por Álvares de Azevedo pecava por uma excessiva<br />

tonalidade carregada, pestilencial, distanciando-a de um fluxo de pensamento<br />

simplesmente sentido e transcrito sem as inquietações de um lado noturno deveras<br />

satânico, mas, dentre os contemporâneos, o jovem autor destacou-se pelo modo franco<br />

com que encarou os fantasmas soltos da própria imaginação e pelas soluções formais<br />

encontradas para absorvê-los artisticamente. Certamente suas experimentações<br />

metafóricas e sintagmáticas aperfeiçoaram o sentido de uma fantasmagoria literária e,<br />

no meu entender, levaram os procedimentos estilísticos intentados anteriormente ao<br />

limite expressional, abrindo várias brechas para que composições com um nível de<br />

consciência mais objetivo sobre as imagens desviantes, desapropriadas da linearidade<br />

clássica, comunicassem posteriormente os lapsos de um cérebro levado por delírios,<br />

sonhos e lembranças de forma bem mais “realista”.<br />

Parte do sucesso obtido pela aventura literária de Álvares de Azevedo,<br />

descontando sua particular afeição aos espectros, decorria de um ambiente intelectual<br />

amadurecido por décadas de incursões científicas ao reino dos sonhos e o conseqüente<br />

catálogo abismado de uma outra linguagem, que fugia a uma seqüenciação linear. Na<br />

década de 1850 amadureceu a filosofia brasileira com a publicação de várias obras<br />

bastante expressivas do grau de absorção das tópicas básicas em teoria do<br />

286 AZEVEDO, op. cit., p. 96.

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