Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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e o narrador em lugares bem delimitados se rompiam e, de uma hora para outra, o que<br />
era personagem de um personagem interferia no andamento da trama e encerrava o<br />
livro, transformando-se num protagonista indispensável.<br />
Aberturas amplas para a interpenetração ficcional das dimensões oníricas com a<br />
descrição do mundo real existiram tanto nas pequenas narrativas distribuídas pelos<br />
capítulos de Noite na taverna quanto na junção, no organismo como um todo, dando ao<br />
conjunto uma atmosfera homogênia de pesadelo. Com certeza Álvares de Azevedo<br />
poderia retirar tais estratagemas narrativos das próprias ficções a que tinha acesso – o<br />
nome de Hoffmann novamente impõe-se com força por sua empatia com o mundo dos<br />
sonhos. Porém bastava abrir alguns dos inúmeros livros científicos do período para<br />
perceber que a poética fantasmagórica, as regras reestruturativas dadas pelos encaixes<br />
do sonho na distensão da prosa, criava-se pela convergência de indagações de toda<br />
origem sobre o funcionamento de uma mente vegetativa, flutuante, capaz de associar as<br />
imagens mais díspares se imersa nos espaçoes limítrofes entre o sono e a vigília.<br />
Eduardo Ferreira França, por exemplo, refez com grande riqueza de detalhes o itinerário<br />
aleatório do pensamento em estado de sono, chegando através da teoria psicológica a<br />
uma funcionalidade perceptiva muito próxima daquela realizada pelos escritores<br />
preocupados em transpô-la literariamente. Segundo o filósofo:<br />
É entre a vigília e o sono que os sonhos se manifestam mais freqüentes, e no estado<br />
involuntário que os produtos da atividade cerebral são multiplicados, que as imagens<br />
fantásticas assaltam o espírito com mais freqüência e mais força.(...) Parece, é verdade,<br />
que o exercício involuntário das faculdades é o mais ordinário, porque é neste exercício<br />
involuntário que a consciência é menos clara, mais vaga, e a distinção menor; que as<br />
percepções e as idéias se confundem mais facilmente; que tomamos os objetos das<br />
representações mentais como realmente existentes, o que não acontece quando as<br />
faculdades estão sob a direção da vontade. 285<br />
Inúmeros trechos retirados de Noite na taverna poderiam ilustrar de forma<br />
exemplar as palavras de Eduardo Ferreira França, transpondo esteticamente o estado<br />
descrito pelo filósofo baiano para o campo da literatura fantástica. Por exemplo, no<br />
conto Solfieri, no qual um rapaz perdido na noite romana apaixonava-se por uma<br />
espécie de visão em forma de mulher, branca, diáfana, surgida na sacada de um palácio,<br />
convinha perfeitamente aos objetivos enevoados de uma mente atuando na<br />
espacialidade obtusa estudada em Investigações de psicologia. Álvares de Azevedo,<br />
após descrever a aparição feminina, fez com que a ação transcorresse alguns dias para<br />
285 FRANÇA, op. cit., p. 324.