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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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306<br />

uma autobiografia tocante, onde acompanhamos suas andanças por uma Londres<br />

soturna antes de sermos entregues ao mundo de castelos evanescentes de suas noites sob<br />

o efeito da droga oriental. No capítulo introdutor dos pesadelos mostrou-se envolvido<br />

com os estudos de metafísica alemã, descrevendo volumes de Kant, Fichte, Schelling,<br />

sobre a escrivaninha do quarto estudantil, talvez para potencializar as imagens que<br />

viriam em seguida. Segundo João Almeida Flor:<br />

A originalidade de De Quincey provém do fato de, em tempo pré-freudiano, considerar<br />

que a interpretação de sonhos e devaneios constitui uma das chaves de inteligibilidade<br />

da vida. Deste modo, Confessions procede a uma análise de dois planos distintos,<br />

embora complementares. Por um lado, a tentativa de descortinar os nexos, porventura<br />

tênues, existentes entre os fatos da experiência individual, arquivados no parlimpsesto<br />

da memória, e as ficções do mundo onírico que se constituem em Fantasmagoria. Por<br />

outro lado, o propósito de entender as associações de imagens e idéias entre si,<br />

expressas através dos fenômenos de metaforização e simbolização que transpõem as<br />

seqüências do espetáculo interior, sem perder de vista a polissemia de que os sonhos se<br />

revestem. Como nota o crítico F. Moreaux, coube a De Quincey a função de descobrir<br />

que os sonhos são um teatro onde o sujeito é, simultaneamente, a cena, os atores, o<br />

drama, a crítica e o público. 279<br />

De uma certa forma, ao se comprometer em narrar fielmente o conteúdo de suas<br />

imagens insanas, De Quincey procurava dar estatuto de linguagem ao que, a princípio,<br />

deveria se manifestar através de um caos inenarrável. “Por diversas razões, não fui<br />

capaz de compor as notas desta parte da minha narrativa de uma maneira regular e<br />

concatenada”, avisava o escritor logo que seu relato deixava as reminscências da<br />

juventude e se embrenhava na luminiscências sem significado aparente retiradas de seus<br />

delírios noturnos 280 . Na história da literatura, já tivemos oportunidade de dizê-lo em<br />

outro momento, nem todos os sonhos possuíam a prerrogativa das palavras. Somente os<br />

chamados “verdadeiros” – as profecias, os avisos – mereciam a calma apaziguadora de<br />

um discurso e, possivelmente, uma confissão deste nível, caso fosse escrita em tempos<br />

muito remotos, não teria credibilidade suficiente para que algum escriba perdesse o seu<br />

tempo transcrevendo, mantendo vivas as palavras em renovados papiros, códices, até o<br />

advento da imprensa. Este movimento intensivo de formatação estilístico-científica do<br />

irracional encontrou sua gramática e poética e, portanto, seu valor literário, somente no<br />

século XIX, no contexto de emergência da fantasmagoria.<br />

279 FLOR, João Almeida. “Thomas De Quincey e a Fantasmagoria romântica”. In BUESCU, Helena<br />

Carvalhão (Org.) Corpo e paisagem românticos. Lisboa: Edições Colibri, 2003, p. 49.<br />

280 QUINCEY, op. cit., p.77.

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