Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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repouso, uma mera negação, mas sim uma maneira de ser positiva e tão essencialmente<br />
ativa como a vigília. 276<br />
Demorando-se um pouco sobre estes dilemas em torno do sono, a tarefa<br />
posterior ficará muito mais segura e contextualizada. Chegaremos até Noite na taverna<br />
munidos de referências indiretas importantes para a compreensão de uma das facetas da<br />
obra, pois Álvares de Azevedo, dentro dos estudos literários, foi reconhecido como um<br />
dos introdutores do “culto do sonho”, como apontou Eugênio Gomes, reproduzindo no<br />
Brasil “a aventura estética e desvairada de um Gerard de Nerval”. 277 Culto, diga-se de<br />
passagem, que unia um vasto campo de interesses em torno da valorização da fantasia,<br />
da imaginação, para a composição artística e para o diagnóstico de doenças nas quais os<br />
simulacros produzidos pela mente assombravam, levando à melancolia, à monomania,<br />
ou simplesmente fazendo com que os homens sonhassem acordados, sonâmbulos,<br />
inscrevendo em sua prosa entrecortada a perdição do próprio pensamento.<br />
Um artifício bastante proveitoso para a sucessão de fantasmas imaginários<br />
obteve do escritor brasileiro uma atenção especial. A atmosfera onírica construída por<br />
Álvares de Azevedo, sua condução desleixada a ponto de fazer com que as imagens<br />
trouxessem para a vigília as acomodações de um ininterrupto pesadelo, configurava-se<br />
nas mentes de personagens narcotizados pelo álcool e pelo fumo. Interessante resgatar<br />
aqui a grande empatia das bebidas “espirituosas” com a produção espontânea de<br />
fantasmagorias – no conto mesmo de Hoffmann, O magnetizador, comparou-se os<br />
sonhos a espumas borbulhantes soltas pelo champagne. Certamente esta relação<br />
inquietante de substâncias psicotrópicas com cérebros susceptíveis gerou um catálogo<br />
de obras emblemáticas como Confissões de um comedor de ópio, de Thomas de<br />
Quincey, um pouco anteriores à compilação de contos fantásticos. 278 Disposto a<br />
conduzir os leitores nas delícias e nos terrores do láudano, o escritor inglês produziu<br />
276 LUZ, Antônio Dias Ferraz da. “Considerações gerais sobre o sono”. Tese apresentada a faculdade de<br />
medicina do <strong>Rio</strong> de Janeiro e sustentada em 9 de dezembro de 1843.<br />
277 FARIAS, op. cit., p. 92. A comparação com Nerval vale por ter sido o escritor francês aquele que<br />
levou mais longe as inquietações com o lado noturno da natureza humana. Em seu romance Aurélia vai<br />
dizer: “o sonho é uma segunda vida. Eu não pude transpor essas portas de cornucópia ou marfim que nos<br />
separam do mundo invisível sem deixar de estremecer. Os primeiros instantes do sono são a imagem da<br />
morte; um entorpecimento nebuloso apodera-se de nosso pensamento e não podemos determinar o<br />
instante preciso em que o Eu, sob uma outra forma, prossegue a obra da existência. Um vago subterrâneo<br />
ilumina-se aos poucos, e da sombra e da noite desprendem-se as pálidas figuras gravemente imóveis que<br />
habitam a morada dos limbos. Depois o quadro se forma, uma nova claridade ilumina essas aparições<br />
extraordinárias, animando-as: o mundo dos espíritos se abre para nós”. NERVAL, Gerard de. Aurélia.<br />
São Paulo: Iluminuras, 1991, p. 35.<br />
278 QUINCEY, Thomas De. Confissões de um comedor de ópio. Porto Alegre: L&PM Pocket, 2001.