Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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304<br />
Em 1838, o filósofo português Silvestre Pinheiro já tentava desmistificar a<br />
crença em aparições de fantasmas ao explicá-la através da justaposição brusca, sem<br />
transição, do sonho com a realidade, fazendo que as imagens nascidas na imaginação<br />
pendessem por um instante diante dos olhos sonâmbulos antes de sumirem na fixação<br />
da vigília. 274 Ratificou o esforço intelectual realizado por Schopenhauer, que no Ensaio<br />
sobre a aparição de espírito tentou enquadrar o fenômeno dentro de uma perspectiva<br />
“idealista”, ou seja, explicar fatos aparentemente sobrenaturais a partir da atuação do<br />
próprio organismo sobre a percepção dos viventes. Para que a coloratura, a forma e a<br />
organização das imagens saídas do interior do cérebro remetessem a uma natural<br />
disposição do corpo, recorreu ao estado em que todos os sãos compartilhavam por<br />
algumas horas sua porção de loucura delirante. Boa parte de sua dissertação retirou do<br />
mundo onírico as provas de um orgão tão receptivo às impressões externas quanto<br />
nutritivo de criações espontâneas, cuja semelhança com o dado físico confundia<br />
momentaneamente o julgamento racional. Para ele, a função da mente consistia:<br />
primeiramente em projetar imagens no espaço; o espaço tem três dimensões, sendo a<br />
forma de intuição própria ao cérebro; consiste logo em fazer mover estas imagens no<br />
tempo e segundo o fio de causalidade igualmente nas funções da atividade que lhe são<br />
próprias. O cérebro, em todo momento, só deve falar sua própria linguagem; traduzirá<br />
logo nesta linguagem também as impressões débeis que lhe chegam do interior durante<br />
seu sonho, da mesma forma que tratou as impressões fortes e bem distintas que lhe<br />
chegaram de fora, no estado de vigília, pela via regular. 275<br />
As questões, sobretudo orgânicas, presentes no estado do sono atraíram a<br />
atenção dos estudantes brasileiros, futuros clínicos da Corte Imperial. Na Faculdade de<br />
Medicina do <strong>Rio</strong> de Janeiro, na década de 1840, teses médicas como o Considerações<br />
gerais sobre o sono, de Antônio Dias Ferraz da Luz, defendiam que<br />
dormir não é mais receber impressões externas, não é mais mover-se pela influência da<br />
vontade, é viver por si e dentro de si, é restaurar perdidas forças; a individualidade<br />
desaparece, a vida animal se funde com a vida orgânica; e todavia o sono não é um<br />
274<br />
“Suponhamos ter eu um sonho tal, que se me representam, na fantasia, os objetos que me rodeiam no<br />
mesmo quarto em que estou dormindo, e que, ao mesmo tempo, se me afigura ver um amigo meu, que se<br />
despede de mim e desaparece. Eu acordo imediatamente, não a pouco e pouco, mas de repente e tão<br />
completamente, como se antes não estivesse dormindo. Vendo pois em torno de mim os mesmos objetos<br />
que via durante o sonho, e não tendo experimentado a transição que de ordinário se experimenta ao passar<br />
do sono para a vigília, e a que se chama acordar, é natural parecer-me que estava acordado, quando vi o<br />
meu amigo”. PINHEIRO, op. cit., p. 59.<br />
275<br />
SCHOPENHAUER, Arthur. Ensayo sobre las apariciones de espíritus. Madrid: M.Aguiar, 1928,<br />
p.108.