Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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simulacros semoventes da experiência interior. 269 Uma das grandes marcas do<br />
romantismo fora a procura de uma ciência e de uma estética capazes de explicar e de<br />
narrar o encadeamento imagético tanto entre o sonho e a vigília, quanto as ligaduras<br />
íntimas de uma arquitetura de base predominantemente onírica. Como dissemos em<br />
capítulos anteriores, tratava-se de estabelecer os princípios de uma linguagem<br />
conformada aos caprichos de uma mente entregue aos próprios devaneios, integrar as<br />
figuras remanescentes dentro de um circuito aberto, fragmentado, absorvente. Em<br />
muitos momentos desta busca sintagmática, os filósofos e artistas simpáticos à estética<br />
romântica aproximaram-se de uma região arquetípica, mitológica, sujeita a todo tipo de<br />
influência esotérica muito mais próxima da alegoria do que da fantasmagoria – no caso<br />
da literatura alemã, principalmente. 270 Com o ecletismo espiritualista disseminado pela<br />
França, a tendência fora de sentir a atuação de um organismo sangüíneo junto ao fluxo<br />
incessante de quadros impalpáveis, nos quais a intermediação da mente constituía a base<br />
do movimento, processo ao qual Álvares de Azevedo aproximou-se para dar vida aos<br />
estranhamentos de suas histórias curtas.<br />
Estudos metafísicos e pesquisas empíricas, na medida em que se adentrava o<br />
século XIX, preocupavam-se cada vez mais com o estado físico e psicológico do ser em<br />
estado de sono, o que dava aos experimentos estéticos do autor uma marcante aura<br />
médico-filosófica. Indagações científicas sobre o dormir poderiam ser encontradas em<br />
literatura de todas as vertentes de pensamento, inclusive em língua portuguesa. Não foi<br />
por outro motivo que o sonambulismo passou a ser recriado artificialmente em<br />
consultórios médicos, nem que tenha motivado ficcionistas a absorverem a dissolvência<br />
de uma visão colocada entre os mundos diurnos e noturnos. Para minorar as crises de<br />
269 “Enquanto a alma fala esta linguagem, suas idéias se submetem a uma lei distinta da ordinária, e é<br />
inegável que esta associação de idéias se estabeleça de uma maneira muito mais rápida, misteriosa e breve<br />
que no estado de vigília no qual nosso pensamento recorre mais às palavras. Com um pequeno número de<br />
imagens misteriosas curiosamente dispostas, que concebemos de maneira rápida, e sucessivamente, ou<br />
bem simultaneamente e em um momento único, expressamos nesta linguagem, em breve tempo, mais<br />
coisas do que poderíamos expor com a ajuda de palavras durante horas inteiras”. SCHUBERT, G.H. O<br />
simbolismo do sonho. Barcelona: Aurum, s/d, p. 37.<br />
270 “Se agora examinarmos as concepções de inconsciente produzidas no século XIX, antes da obra<br />
freudiana, chama a atenção o contraste marcante entre a versão romântica do inconsciente, sobretudo pelo<br />
trabalho do romantismo alemão, no início do século, e a perspectiva que se encontra no seu final,<br />
notadamente na França. Enquanto um tende a equiparar o inconsciente com o Absoluto, e assim<br />
aproximar-se muito do que seriam as origens divinas desta instância, o outro crê lidar com um lastro mais<br />
propriamente corporal quando aborda a questão do inconsciente. Assim, para o romantismo alemão, o<br />
inconsciente é o ‘santuário do nosso diálogo sagrado com a realidade suprema’, ao passo que os circuitos<br />
médicos franceses tendiam a compreendê-lo como o rumor obscuro das funções viscerais. Entre o mais<br />
espiritual e o mais carnal oscilaram, ao que parece, as hipóteses oitocentistas sobre o tema”. CAZETO,<br />
Sidnei José. A constituição do inconsciente em práticas clínicas na França do século XIX. São Paulo:<br />
Escuta/Fapesp, 2001, p. 31.