Capítulo 04.pdf - PUC Rio
Capítulo 04.pdf - PUC Rio
Capítulo 04.pdf - PUC Rio
You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
301<br />
dilemas de uma filosofia cuja maior ambição era encontrar o justo meio entre o<br />
empirismo e a metafísica. Entre Werner e Bocage, o autor brasileiro sabia ser<br />
impossível um recuo até uma espiritualidade cristalina após o dissecamento moral e<br />
orgânico patrocinado pelas luzes. Por isto, fez com que uma das personagens de Noite<br />
na taverna elevasse sua voz e destruísse os argumentos em defesa da imortalidade da<br />
alma:<br />
– Aechibald! Deveras, que é um sonho tudo isso! No outro tempo o sonho da minha<br />
cabeceira era o espírito puro ajoelhado no seu manto argênteo, num oceano de aromas e<br />
luzes! Ilusões! A realidade é a febre do libertino, a taça na mão, a lascívia nos lábios, e a<br />
mulher semi-nua trêmula e palpitante sobre os joelhos. 267<br />
Como já dito anteriormente, no conto O magnetizador, de Hoffmann, havia uma<br />
introdução bem parecida com esta escrita por Álvares de Azevedo, na qual quatro<br />
pessoas também discutiam temas de interesse científico-filosófico. Aqui, ao invés de<br />
uma taverna obscurecida pelos vapores do charuto e do álcool, uma sala burguesa servia<br />
para que cavalheiros discutissem de forma civilizada os mistérios a respeito do lado<br />
noturno da humanidade. “Os sonhos são espuma”, começava o barão, ao tempo que<br />
tocava a campainha para chamar o criado da casa. Em seguida, obteve a resposta<br />
pausada de seu filho:<br />
– Oh, meu bom pai! – respondeu Ottmar –, e que sonho há que não seja extraordinário?<br />
Não obstante, só aqueles que nos revelam alguma circunstância maravilhosa, os<br />
espíritos precursores dos grandes destinos, segundo as palavras de Schiller; aqueles que<br />
nos transladam com rápido vôo a estas sombrias e misteriosas regiões, a que nossos<br />
débeis olhos se atrevem a lançar tímidas miradas; só aqueles nos causam uma impressão<br />
profunda, cuja força nada pode dissimular.<br />
– Os sonhos são espuma – repetiu o barão com voz surda.<br />
– Esse é um ditado dos materialistas, aqueles que acham muito naturais os fenômenos<br />
mais maravilhosos, ao turno que o mais natural lhes parece prodigioso e inconcebível.<br />
Mas até neste caso vejo eu uma certeira alegoria – continuou Ottmar. 268<br />
Hoffmann escreveu o conto na época em que o assunto estava em voga na<br />
Alemanha. Um ano após a publicação de O magnetizador veio a lume o livro de<br />
G.H.Schubert, O simbolismo dos sonhos, embalado pela inquietação suscitada no<br />
momento em que se exigia uma resposta definitiva para as imagens desprendidas,<br />
267 AZEVEDO, op. cit., p. 90.<br />
268 HOFFMANN, E.T.A. Vampirismo seguido de El Magnitizador y La Aventura de La Noche de San<br />
Silvestre. Barcelona: Biblioteca de Cuentos Maravillosos, 1988, p. 32.