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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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294<br />

a mudança contínua de ocupações incertas, a existência errante e precária produziram,<br />

sem dúvida, o seu efeito sobre um espírito particularmente suscetível de exaltação e<br />

desânimo, e tornaram ainda mais volúvel um caráter já demasiado inconstante.<br />

Hoffmann mantinha assim o ardor do seu gênio por meio de libações freqüentes; e seu<br />

cachimbo, companheiro fiel, envolvia-o numa atmosfera de vapores. Sua própria<br />

aparência indicava a irritação nervosa. Era de baixa estatura, e seu olhar fixo e<br />

selvagem, que atravessava uma espessa cabeleira negra, traia essa espécie de desordem<br />

mental que ele próprio parecia sentir ao escrever em seu diário este memorandum que<br />

não podemos ler sem um movimento de pavor. 251<br />

Tais colocações de ordem patológico-frenética nunca foram estranhas ao autor<br />

de Noite na taverna. A fortuna crítica e biográfica de Álvares de Azevedo, seja<br />

simpática ou antipática aos devaneios do jovem poeta, seguiu apontando estes mesmos<br />

cortes irreconciliáveis entre uma imaginação deveras susceptível e uma realidade bruta,<br />

perdendo-o num gozo de escapismo interior não encontrado em nenhum dos<br />

contemporâneos brasileiros. Considerado excêntrico, inquietou profundamente todos os<br />

seus primeiros biógrafos, talvez por seu legado resistente a uma pitoresca nacional e<br />

encerrado numa paisagem evasiva, tornando-se um autor para o qual as análises<br />

médicas e psicológicas obtiveram grande destaque nas especulações em torno da sua<br />

personalidade literária. Segundo Joaquim Norberto, no ano de 1872, em sessão do<br />

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro comemorando os vinte anos da morte do<br />

poeta:<br />

Na sua cabeça turbilhonava um mundo de idéias, desembrionava-se uma literatura<br />

inteira. Seu cérebro parecia enfermo, sempre inflamado e ardente com a febre que o<br />

devorava, como essas noites de verão descritas por ele em que a lua avermelhada não<br />

lança luz no céu escuro, nem a brisa bafeja o ar com os seus hálitos. Era Torquato Tasso<br />

com as epopéias, ou Lope de Vega e Calderón com as suas numerosas comédias a lhe<br />

bulharem a mente. 252<br />

Esta tendência de fechar a obra de Álvares de Azevedo no espaço amplificado de<br />

uma imaginação enfermiça, quase autista, não fosse a fina ironia com que notou sua<br />

própria condição desajustada, continuou – e continua – inspirando os estudiosos a<br />

construir miragens muitas vezes severas para com as aberturas de um imaginário<br />

auraient rendu son esprit susceptible de dépression et proche du dérangement mental”. ALAMÁN, Ana<br />

Palano. “Walter Scott et la perception négative du fantastique dans l’oeuvre d’E.T.A. Hoffmann”.<br />

Séminaire d’Histoire littéraire: La naissance du fantastique em Europe – Histoire et Théorie, 2004.<br />

251<br />

SCOTT, Walter. “Sobre Hoffmann e as composições fantásticas”. In HOFFMANN, E.T.A. O pequeno<br />

Zacarias, op. cit., p. XII.<br />

252<br />

MIRANDA, J.A., MOREIRA M.E. & SOUZA, R.A. (Org) Joaquim Norberto de Sousa Silva – crítica<br />

reunida (1850-1892). Porto Alegre: Nova Prova, 2005, p.134

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