Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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Porém, isto não quis dizer que a elite intelectual recebera informações deste
nível impassivelmente. Um ano depois do baiano Eduardo Ferreira França escrever a
frase acima, em um dos livros-símbolos do espiritualismo eclético brasileiro,
Investigações em psicologia, o próprio Joaquim Manuel de Macedo introduzia sua mais
nova ficção com irônica crítica aos princípios de afirmação do Eu. No ápice da recepção
do ecletismo, o escritor começou a experimentar uma nostalgia das alegorias satíricas e,
motivado por suas pretensões políticas e pelos exageros de uma cultura ostensiva do
indivíduo, escreveu O sobrinho de meu tio, em 1855, iniciando-o com uma longa
argumentação contra o liberalismo existente atrás da defesa dos princípios básicos da
subjetividade:
Eu...
Bravo!Bem começado! Com razão se diz que – pelo dedo se conhece o gigante! –
Principiei tratando logo da minha pessoa: e o mais é que dei no vinte; porque a regra da
época ensina que – e cada um trate de si antes de tudo e de todos. 245
Independente de qualquer coisa, o autor de A moreninha nunca abrira mão de
seu inveterado sentido moral, mesmo no momento de seus gozosos exercícios
românticos anteriores a suas pretensões político-alegóricas. Lendo seu folhetim mais
exaltado até o fim, Os dois amores, chegava-se a um espaço de reconciliação familiar
após as imagens infanticidas descritas por ocasião dos remorsos de Mariana. Numa
guinada brusca em direção à felicidade final, a matricida descobria que era mãe de
Cândido, e Salustiano, o chantageador, que era irmão do mancebo. Um somatório de
genes cujo resultado final anulou como por encanto as impurezas do sangue.
No pronome Eu se resume atualmente toda a política e roda a moral: é certo que estes
conselhos devem ser praticados, mas não confessados; bem sei, se isso é assim: a
hipocrisia é um pedaço de véu furtado a uma virgem para cobrir a cara de uma mulher
devassa: tudo isso é assim; mas o que querem?... ainda não sou um espírito forte, ainda
me não pude corrigir do estúpido vício da franqueza. 246
Nestas palavras de evidente cinismo, Macedo expôs toda a contradição inerente
ao percurso da cultura do sujeito no Brasil. O sobrinho de meu tio abria mão da
individualidade redentora de seu próprio nome para, apoiado num parentesco qualquer,
iniciar-se na carreira política da corte. Sua narração bipartida entre uma rejeição
245 SALES, Germana Maria Araújo. “Palavra e sedução – uma leitura dos prefácios oitocentistas (1826-
1881)”. Tese apresentada ao Departamento de Teoria Literária, do Instituto de Estudos da Linguagem da
Universidade Estadual de Campinas, como requisito para obtenção do título Doutor em Teoria e História,
2003, p.284.
246 SALES, op.cit., p.284.