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Capítulo 04.pdf - PUC Rio

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289<br />

fala irrequieta o circunlóquio sobre a imagem do filho morto, sempre recorrente, um<br />

fragmento descolado da cadeia de associações lineares da memória e trazido até o<br />

presente pelo remorso. Uma notação de que o processo dado pela natural disposição do<br />

pensamento, ao contrário da formatação rígida entre um exterior e um interior bem<br />

delimitados, forcejava conexões imprevisíveis, produzia realidades e as fundia com o<br />

dado físico. 242 As tortuosas expressões do livre pensar davam credibilidade aos<br />

experimentos literários do autor de Os dois amores, já que a comunicabilidade de uma<br />

cognição associativa nutria páginas e mais páginas de especulações filosóficas a<br />

respeito da manifestação das idéias puramente mentais levantadas pela cultura eclética<br />

no Brasil.<br />

Na década de 1840, conforme já mostramos anteriormente, os debates na<br />

imprensa sobre o fenômeno da percepção demonstravam um avançado grau de<br />

maturidade na absorção dos conceitos alinhados à subjetivação do “realismo filosófico”<br />

e algumas afirmações publicadas no período falam por si quanto à incisão com que os<br />

poderes do espírito humano se manifestavam, exigindo um apuro maior nos estudos<br />

capazes de pôr em alinho sua linguagem aparentemente aleatória. O pernambucano<br />

Antônio Pedro de Figueiredo, em seu ensaio A verdade humana, de 1850, abriu a<br />

década questionando o próprio estatuto da realidade “exterior”, observando que, para<br />

consciência indivisa e inevitavelmente única, há uma infinidade de consciências humanas empíricas. Do<br />

ponto de vista da ‘consciência em geral’, essa multiplicidade de consciências é casual e, por assim dizer,<br />

supérflua. Tudo o que nelas é essencial e verdadeiro faz parte do contexto único da ‘consciência geral’ e<br />

carece de individualidade. O mesmo que é individual, que distingue uma consciência de outra e de outras<br />

consciências, é cognitivamente secundário e pertence ao campo da organização psíquica e das limitações<br />

da pessoa humana. Do ponto de vista da verdade não há consciências individuais. O único princípio de<br />

individuação cognitiva que o idealismo conhece é o erro. Ao indivíduo não se fixa qualquer juízo<br />

verdadeiro; este se basta a um certo contexto sistêmico-monológico uno. Só o erro individualiza. Todo o<br />

verdadeiro se enquadra nos limites de uma consciência e se não se enquadra, isso ocorre de fato apenas<br />

por razões fortuitas e estranhas à própria verdade. No ideal, uma consciência e uma boca são totalmente<br />

suficientes para toda a plenitude do conhecimento: não há necessidade uma multiplicidade de<br />

consciências nem há base para ela”. BAKHTIN, op. cit., p. 80.<br />

242 Interessante mostrar aqui a maneira como Macedo descreveu a evolução da nostalgia, patologia da<br />

alma estudada por ele em sua dissertação de mestrado. Conforme suas palavras, o nostágico primeiro era<br />

acometido por profunda tristeza, a pirexia: “atormentado pelo desejo o mais vivo e tenaz de tornar à terra<br />

natal que lhe faz recordar seus dias belos e pela idéia acerba de não mais vê-la, o infeliz se vê abatido e<br />

melancólico. As faculdades mentais se alteram, as vidas de relação conseqüente e sucessivamente<br />

apresentam o mesmo fenômeno. O cérebro concentra todas as suas forças em uma só ordem de idéias: a<br />

alma só tem um pensamento que a ocupa toda, que é o seu ídolo e o seu martírio. Como envergonhado de<br />

seu padecer, julgando qualquer consolação inútil, infrutífera e, pode ser, insultosa para sua dor, querendo<br />

ocultá-la a todos os olhos, o nostálgico busca lugares solitários, embrenha-se nos bosques, e a sós com<br />

seu tormento, no lugar em que por causa dele se refugiara, vai mais que nunca derramá-lo em tristes<br />

gemidos. Aberrações de espírito se notam às vezes: ora são lindos panoramas, encantadores quadros que<br />

ele apercebe lá longe – na terra das sadades; ora seus parentes o apertam em seus braços, seus amigos o<br />

saúdam e dão-lhe os emboras da boa vinda, e amada esposa o acarinha e os filhinhos lhe abraçam as<br />

pernas e saltam alegres e brincões ao redor dele. Dormindo, o nome da pátria é em sonhos murmurado<br />

com ternura”. MACEDO, Considerações sobre a nostalgia, op. cit., p. 78.

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