Capítulo 04.pdf - PUC Rio
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Também não foi nada desprezível a participação dos frades na polêmica<br />
imprensa do período de independência, publicando folhetos e jornais que repercutiam às<br />
vezes bombasticamente sobre os acontecimentos históricos, forçando-os inclusive ao<br />
exílio. Aparentemente, a discrição com que Monte Alverne passeou por entre a febre de<br />
seus contemporâneos conferiu a seus sermões uma temperatura menor do que realmente<br />
obtivera, pois, mormente o uso de sua eloqüência patriótica não ultrapassar o decoro,<br />
seu papel como educador elevou-o a uma estatura entre os jovens não encontrada em<br />
nenhum dos frades polemistas do período. Expunha uma fé inabalável na capacidade<br />
transformadora do conhecimento, chegando a curvar os poderes da eloqüência ante a<br />
passagem da filosofia, sem a qual as palavras cairiam numa insustentável<br />
exibicionismo, como deixou claro numa carta escrita ao Excelentíssimo Conselheiro<br />
Antônio Feliciano de Castilho, em 4 de dezembro de 1855:<br />
Convenho, mais que nunca, com Cícero, a despeito das observações de Marmontel, que<br />
a eloqüência, que a arte difícil de compor ou escrever aprende-se antes nos passeios da<br />
academia que nos bancos dos retóricos; a prova está em que os maiores oradores da<br />
Grécia e Roma foram instruídos por filósofos: estaria mesmo em Sócrates que julgava<br />
inúteis os estudos de Retórica. 26<br />
Para Antônio Cândido, Monte Alverne fascinava literariamente os primeiros<br />
românticos por soprar nos corações a devoção religiosa, mas com um condoído sentido<br />
de estado de alma que acenava, sobretudo, para a sensibilidade íntima própria à<br />
sublimação estética e filosófica do movimento. 27 Deslocava sutilmente a dogmática<br />
católica até o sentimento de religiosidade, dado nas dissoluções da alma diante da<br />
magnitude do universo e dos abismos da consciência. O crítico, possivelmente em<br />
resposta às observações de Sílvio Romero em sua Filosofia no Brasil, interpretou<br />
aspectos da personalidade auto-afirmativa do franciscano como produto de seu<br />
engajamento a determinadas noções de individualidade, do culto do eu, absorvidas em<br />
leituras como O gênio do cristianismo, de Chateaubriand, que em vários momentos<br />
valorizou tanto o sentimento de pequenez humana frente ao infinito quanto os<br />
26 ALVERNE, Trabalhos oratórios e literários, op. cit., p.31.<br />
27 “Em Borges de Barros reponta o gosto dos estados indefiníveis, que favorecem a melancolia e não<br />
deixam de aparentar-se à nova modalidade de sentimento religioso, a religiosidade, em cujas regiões<br />
penetramos em Monte Alverne. É o tipo de emoção que Chateaubriand denominou muito bem de “vagueà-l’âme”,<br />
no livro em que se compendiaram os fundamentos do primeiro Romantismo: ‘ (...)estado de<br />
alma que (...) precede o desenvolvimento das paixões, quando nossas faculdades, nascentes, ativas, mas<br />
reconcentradas, só se aplicaram sobre elas próprias, sem alvo nem objetivo. Quanto mais os povos se<br />
adiantam na civilização, mais aumenta este estado vago das paixões’”. CÂNDIDO, Antônio. Formação<br />
da Literatura Brasileira(Vol. 1). Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2000, p.267.