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forte de luta ideológica ou, em todo caso social, correspondeu aquilo<br />
cuja existência alguns insistem em negar: o choque de culturas ou<br />
civilizações, embora envolto quando não provocado pelos conflitos de<br />
interesse econômico, do qual o ataque terrorista aos EUA no primeiro<br />
ano do século 21 foi um emblema mas que já ganhava forças antes<br />
disso e que existia também, ainda anteriormente aos surpreendentes<br />
mas não imprevisíveis acontecimentos de 2001, no interior mesmo dos<br />
grandes blocos culturais.<br />
Toda essa armação ou armadura cultural derivou, no ocidente, do<br />
papel cada vez mais reforçado que a cultura passou a ter na dinâmica<br />
da vida e do mundo em virtude do esmaecimento, em muitas latitudes<br />
e longitudes, dos dois grandes vetores sociais que antes haviam<br />
mantido as sociedades unidas ao redor de si mesmas e afastadas umas<br />
das outras: a religião e a ideologia (pelo menos, a ideologia alternativa<br />
de esquerda). A religião, em todo caso no chamado Ocidente, passou<br />
por crescente corrosão, interna e externamente, em sua qualidade de<br />
esquema interpretativo da vida e do mundo e também em sua função<br />
moral, política e social (apesar das recentes revisões históricas que<br />
insistem no papel subsistente da religião como alavanca para o<br />
desenvolvimento dos diferentes nacionalismos na Europa e nos<br />
próprios EUA numa época, século 19, quando supostamente seu<br />
enfraquecimento já seria perceptível). E a ideologia passa por análogo<br />
processo, magnificado simbolicamente com o naufrágio do império<br />
soviético em 1989 mas já em lento e crescente desmoronamento<br />
(embora assim não considerado à época) desde as invasões militares<br />
da Hungria em 1956 e da Tchecoslováquia em 1968 pelas forças do<br />
bloco liderado pela extinta URSS — e desde, ainda, a evidência cada vez<br />
maior da involução democrática em Cuba, para dizê-lo em termos<br />
eufêmicos quando haveria espaço para destacar aqui também, e<br />
simplesmente, o brutal e nítido fim de outra ilusão. Ao lado dessas<br />
duas forças, religião e ideologia, não se pode minimizar, claro, o papel<br />
da economia como fator de união nacional. Mas a economia não gera<br />
a paixão social requerida pela vida comum. A economia pode fomentar<br />
o ódio, mas não as paixões aglutinadoras. Na verdade, e tanto quanto<br />
a religião e a ideologia, a economia antes separa do que aproxima —<br />
embora aquelas pelo menos aproximem os fiéis de mesma orientação,<br />
enquanto esta nem isso faz com os que pertencem supostamente a<br />
um mesmo grupo, salvo em situações de grave crise social. Dito de<br />
outro, religião, ideologia e economia aproximam os que já estão<br />
próximos (os iguais) e distanciam os que estão afastados (os diferentes).<br />
E, como já se torna frequente dizer, quando nada mais funciona como<br />
O OUTRO LADO DA <strong>CULTURA</strong> - E A ARTE 9