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A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

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expressa operações sectárias 43 . A consequência desse enunciado<br />

político relativo ao Estado-Nação no campo estritamente cultural ou<br />

da cultura estrita é clara. Por certo, seria um despropósito promover a<br />

erradicação daquilo a que, sem que isso seja jamais assim <strong>def</strong>inido e<br />

anunciado, se chama de cultura arcaica e é entendido tradicionalmente<br />

como vetor da identidade cultural. Toda tentativa, porém, de ancorar<br />

aí a identidade cultural que, como até a Agenda 21 reconhece, é<br />

dinâmica, não passa de manifestação profundamente anacrônica ou,<br />

como diz Negri, reacionária e sectária. Esse anacronismo é patente ainda<br />

numa outra proposta com que nos deparamos aqui mesmo no Brasil,<br />

no início de 2003, quando a secretaria de comunicações do governo<br />

federal (não se tratava sequer do próprio ministério da cultura) quis<br />

determinar que as operações de incentivação cultural feitas pelas<br />

empresas ditas estatais ou de economia mista fossem feitas<br />

prioritariamente em manifestações da “cultura popular”, não de cultura<br />

dita erudita, normalmente aquela cultura que é crítica. Tampouco dessa<br />

vez, como em outras no passado, o sentido do que poderia ser<br />

entendido como “cultura popular” foi explicitado; sua enunciação é feita<br />

como se seu conteúdo fosse claro e seu entendimento, pacífico. Cultura<br />

realmente popular hoje, início do século 21, é a televisão e, de modo<br />

mais amplo, o audiovisual. Certamente não era a isso que se referia a<br />

mencionada portaria secretarial, cujo horizonte, não há como ver de<br />

outro modo, remetia à ideia de uma cultura nacional que por ser<br />

nacional deveria ser popular e que, sendo popular, seria nacional, uma<br />

e outra portadores da identidade cultural que se busca preservar e que<br />

vem pre<strong>def</strong>inida pelo aparelho do Estado. O que se tem neste caso é<br />

mais uma manifestação do Estado contra a sociedade, isto é, do Estado<br />

centralizador e unificador contra uma sociedade hoje de cultura fluida<br />

e flutuante. O Estado que assim procede não acredita que a identidade<br />

de todo indivíduo seja dinâmica,nem que deva poder reunir as condições<br />

para assim ser. O Estado não pode acreditar que a identidade de todo<br />

indivíduo seja dinâmica. Esse Estado não quer que a identidade de<br />

seus súditos seja dinâmica. Para o Estado, a unidade é a norma. Como<br />

diz Clastres, o Estado é o Um, o Estado é o Uno, o Estado é o triunfo do<br />

Uno ao passo que a sociedade civil é cada vez mais múltipla, cada vez<br />

mais diversa — como reconhece, aliás, um membro da própria sociedade<br />

política como a Unesco, voz cultural da ONU. Como diz um personagem<br />

de Godard, o indivíduo quer sempre ser dois, o Estado quer sempre<br />

estar sozinho, ser Um, ser o Um. Não adiantará muito lembrar que para<br />

alguma sociedade dita primitiva, como a guarani, o Um é o Mal, em<br />

43 Negri, op. cit., p. 35.<br />

78 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>

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