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A <strong>CULTURA</strong><br />
NOTARIAL<br />
querem crer que podem e devem, então, controlar o cultural, como<br />
derradeira instância sobre a qual pensam ser capazes de exercer algum<br />
poder, um poder com o qual talvez inconscientemente, quem sabe<br />
magicamente, esperam reverter a situação geral 42 . O resultado mais<br />
palpável dessa tendência é no entanto, em primeiro lugar, a exibição<br />
de uma esquizofrenia medular uma vez que as sociedades políticas<br />
que assim agem não costumam acreditar na centralidade social e<br />
política da cultura, vendo-a apenas insistente e reiteradamente como<br />
fenômeno de superestrutura dependente daquilo que “realmente<br />
importa”, o econômico. Talvez o político. A tentativa de controle do<br />
cultural torna-se então ritual social desprovido de qualquer mito (nem<br />
manifestação de um eventual pensamento mágico ou selvagem é) que<br />
não seja o da tentativa imediatista e oportunista de controle do<br />
pensamento e da expressão e o da afirmação de um poder. Nessa lógica<br />
obscura, e obscurantista, encaixam-se tanto o recente projeto de lei do<br />
deputado federal brasileiro Aldo Rebelo proibindo o recurso a palavras<br />
de origem “estrangeira” (quer dizer, de origem estranha, sem levar em<br />
conta que para o ser humano do século 21 não apenas nada é estranho<br />
como nada é estrangeiro) quanto a criação, no Ministério da Cultura,<br />
de uma Secretaria da Identidade (e da Diversidade Cultural, em<br />
substituição a uma anterior, desta mesma atual gestão, intitulada<br />
Secretaria de Apoio à Preservação da Identidade Cultural). Um título<br />
que provoca calafrios. A cultura contemporânea, mais do que híbrida<br />
(o que pressupõe alguma cultura que eventualmente não o é, uma<br />
cultura pura inicial), é flutuante, e tanto uma providência quanto outra<br />
carecem hoje de sentido. Mesmo um documento como a Agenda 21 da<br />
Cultura cuja origem, apesar de distantes aparências em contrário, está<br />
ainda suficientemente vinculada à sociedade política e decorre da<br />
tentativa de implementação de outros documentos que são também<br />
da sociedade política, como a Carta do Direitos Humanos e a Declaração<br />
Universal da Unesco sobre a diversidade cultural, reconheceu, em 8 de<br />
maio de 2004, no seu artigo 13, algo que a antropologia cultural mais<br />
aberta já sabe há algum tempo, isto é, que “a identidade cultural de<br />
40 Em agosto de 2004, o governo do Brasil tentou duas investidas nesse campo. De um lado,<br />
propôs criar um conselho que vigiasse a prática do jornalismo e punisse os autores de<br />
reportagens ou editorias que esse mesmo conselho considerasse inadequadas, em<br />
típico procedimento que o governo militar dos anos 64-84 teria aplaudido. De outro,<br />
quis criar uma Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual que, no artigo 43 de seu<br />
anteprojeto, conferia a esse outro conselho o poder de “dispor sobre a responsabilidade<br />
editorial e as atividades de seleção e direção da programação” das TVs. O desejo de<br />
intervir, controlar, impedir de dizer e forçar a dizer é claro. Alterações em ambos<br />
projetos que possam vir a ocorrer, ou mesmo o abandono de um deles, não apaga o fato<br />
central: a vontade estatal de controlar o que se diz e se representa.<br />
76 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>