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queira admitir, é a diluição (virtual que seja — mas a imaginação é<br />
tudo...) da própria noção física de território. Um restaurante argentino<br />
no interior da Espanha, assim como um restaurante japonês no coração<br />
de São Paulo ou Paris, não é um simulacro do espaço originário<br />
argentino ou japonês, como acaso foi possível dizer há uma década ou<br />
duas, mas um fragmento concreto daquele território de origem que<br />
agora se desgarrou de seu leito original e flutua entre espaços criando<br />
seus próprios nichos de sentido. O mundo não mais é governado por<br />
sistemas políticos tradicionais de Estado mas por uma estrutura amorfa<br />
(para não dizer aberta) de poder, econômico e cultural, que não tem mais<br />
analogia significativa com o Estado-Nação: é um sistema apolítico<br />
descentralizado e desterritorializado, como diz Negri, sem mais nenhuma<br />
referência necessária a tradições e valores etniconacionais. Sua substância<br />
política, se ainda for possível recorrer a essa expressão, não é nem<br />
mesmo o internacionalismo que se mencionava nas primeiras décadas do<br />
século 20 porém o universalismo ou globalismo cosmopolita que Negri<br />
prefere denominar de cosmopolítico. E esse quadro exterior rebate-se na<br />
dimensão interior, que já não o é tanto: nas sociedades feitas de migrantes<br />
de todo tipo, locais e de fora, tradições e valores etniconacionais são<br />
cada vez mais uma ficção, inútil e perigosa, como o demonstram os<br />
fundamentalismos de variada natureza.<br />
Se de um lado é verdade que o mundo é agora governado por<br />
uma lógica de poder aberto sem analogia com a figura do Estado-<br />
Nação 40 , de algum modo, embora um modo paradoxal, também os<br />
países periféricos participam desse governo e o integram. Diz-se, por<br />
vezes, que esse poder não tem centro. Na prática, alguns Estados ainda<br />
são mais centrais que outros, mais iguais que outros. Sabendo disso,<br />
os Estados ainda periféricos insistem em entender que um último<br />
campo de ação lhes está reservado, como consolo: o cultural. Não<br />
podem decidir sobre sua vida econômica (ou participam da vida<br />
econômica tal como essa lhes é imposta ou sugerida desde esse lugar<br />
nenhum central) e não têm nenhum poder militar, nem sobre o que<br />
acontece fora deles, nem sobre o que acontece dentro deles 41 ; assim,<br />
40 Com, ainda, uma única real exceção: os EUA.<br />
41 No final de junho de 2004, um tribunal brasileiro julgou um processo de reintegração de<br />
posse movido por um banco que teve suas terras invadidas pelo Movimento dos Sem<br />
Terra. O tribunal deu razão ao banco mas em vez de determinar que as forças públicas<br />
da polícia militar garantissem o cumprimento da ordem judicial, a sentença do juiz<br />
estabelecia que, não sendo possível ao estado atender a todas as necessidades e em<br />
vista de assuntos mais urgentes e de interesse mais coletivo dos quais a polícia tinha de<br />
cuidar, o interessado deveria recorrer à segurança privada para fazer valer seus direitos<br />
reconhecidos pela lei. Se isso não for o sinal mais claro da total falência do Estado naquele<br />
ponto que lhe é mais essencial, a ordem pública, nada mais o será.<br />
UMA <strong>CULTURA</strong> PARA O SÉCULO 75<br />
O CONTROLE<br />
DO <strong>CULTURA</strong>L