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A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

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se opunha ao governo militar. Por vezes e sob certos aspectos, havia<br />

razão para que assim fosse. A famigerada fórmula “manifestação cívica”,<br />

e outras da mesma família com esse qualificativo final, sempre quiseram<br />

dizer uma única coisa neste país: manifestação de sentimentos militares,<br />

manifestação organizada pelos militares, manifestação do culto militar,<br />

como aqueles desfiles do Dia da Pátria e as cerimônias de hasteamento<br />

da bandeira nacional no começo do dia escolar e que agora,<br />

perversamente, nestes anos de 2002 e 2003 que marcam o início de um<br />

governo que se queria e se pensava histórico, se tenta ou tentou<br />

ressuscitar por desejo presidencial 36 . No limite, “manifestações cívicas”<br />

como essas eram de fato “manifestações políticas”, numa corrupção<br />

total da ideia mesma do que seja civil. O que talvez tenha ficado claro<br />

quando a ditadura encaminhou-se para seu final e, mais ainda, no pósfinal,<br />

foi que “sociedade civil” é na verdade uma expressão que se formula<br />

em oposição, não a um regime militar eventual, mas à sociedade política<br />

como um todo, da qual o sistema militar é parte. De um lado está a<br />

sociedade política, com o Estado e seus instrumentos, corporações e<br />

aparelhos, entre eles os partidos políticos (que deveriam talvez ser<br />

instrumentos da sociedade civil mas que rapidamente se transformaram<br />

em instrumentos do Estado). De outro, a sociedade civil. Essa é a ideia<br />

central da sociedade civil: a sociedade que se distingue da sociedade<br />

política, que não pode ser resumida a esta, com a qual esta não se pode<br />

identificar e que a esta se opõe sempre e cada vez mais, o que pressupõe<br />

uma sociedade que cada vez mais se confronta com o Estado se a ele<br />

não se opõe, para voltar à questão do título deste estudo. A sociedade<br />

civil ergue-se também acessoriamente contra o mercado mas está fora<br />

de dúvida que sua primeira motivação de existência é a oposição ao<br />

Estado, tal como fez o primeiro Greenpeace em 1971. E isso, quer porque<br />

o Estado se omite ou se mostra incapaz de levar adiante suas tarefas<br />

básicas, quer porque procura meter-se em excesso ali onde ainda pode<br />

enfiar-se. Por certo havia interesses industriais por trás da corrida<br />

armamentista estatal que levou aquele ousado grupo a lançar-se ao<br />

mar numa incerta embarcação — e não poderia ter sido mais<br />

emblemática a imagem de uma sociedade civil vogando em mar imenso<br />

numa casca de noz para fazer frente ao mais poderoso instrumento de<br />

36 Também no Japão, neste ano de 2004, o governo procura tornar obrigatória a execução do<br />

hino nacional toda manhã, ao iniciarem-se as aulas. Vários professores que se recusam<br />

a cantá-lo, por terem viva a memória do frenético populismo nacionalista da época da<br />

segunda guerra mundial, estão enfrentando ameaças de demissão, algumas consumadas.<br />

Um pouco por toda parte, aproveitando-se dos receios diante das incertezas econômicas<br />

atuais que promovem as emigrações em massa, um nacionalismo xenófobo de direita<br />

e um populismo arcaico de esquerda se dão as mãos sem <strong>def</strong>esa de uma identidade<br />

passadista e ressuscitam práticas nacionalistas que se pensava sepultadas.<br />

UMA <strong>CULTURA</strong> PARA O SÉCULO 71

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