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antes que o atendimento da sociedade a que deveriam servir). Isso não<br />
se faz aleatoriamente, nem sem consequências profundas no domínio<br />
da representação do mundo e das relações que cada um com o mundo<br />
mantém. Uma mudança profunda nessa representação do mundo se<br />
instala. Na leitura de Durkhein, a sociedade tinha prioridade sobre o<br />
indivíduo. A tradição política do Iluminismo dizia isso de outro modo:<br />
fazer a critica do particular (quer dizer, a correção do particular) pelo<br />
universal, seja esse universal uma categoria imperativa, o proletariado<br />
ou a racionalidade comunicativa como, respectivamente, em Kant, Marx<br />
e Habermas (nascido em 1929). Esse pode ser apontado como o<br />
programa da Modernidade, e da Alta Modernidade, um programa que<br />
buscava uma totalidade a partir do total e do qual resultou, numa<br />
expressão difundida, nada mais que uma totalidade infeliz. Derivando<br />
desse programa, a pós-modernidade procura o caminho oposto (algo<br />
que ela pode fazer agora, bem entendido, porque aquilo contra o que<br />
ela se volta já está firmado): a crítica do universal pelo particular, a<br />
correção do total sob a perspectiva não apenas da parte como do<br />
singular, do modo posto em evidência pelas reflexões de Nietzche (1844-<br />
1900) e Adorno (1903-1969). O particular radicalizado relendo o<br />
universal. Ou, nos termos de Georg Simmel, que se terá de ler cada vez<br />
mais, a abertura de um espaço no qual a força vital do individual mais<br />
íntimo se erga contra as normas gerais e abstratas do social (não apenas<br />
contra essas normas sem vida mas contras essas normas avessas à<br />
vida) do social, esse social que se multiplica ainda agora nas vozes da<br />
falta de imaginação. 17<br />
A sociedade civil não foi ler Nietzsche, claro — o que não diminui a<br />
precedência de Nietzsche na concepção desse outro modo de representar<br />
o mundo, com ele relacionar-se e sobre ele agir. O outro mundo que é<br />
possível, e como tal buscado pelos altermundistas, é muito mais esse do<br />
que aquele outro, mais imediato e por isso mesmo de menos fôlego e<br />
menor capacidade de reação, que os fóruns sociais, como se chamam,<br />
procuram promover, com a habitual visão restrita às questões<br />
macroeconômicas próprias desta era globalizada.<br />
Se filosoficamente a questão pós-moderna pode ser colocada<br />
nesses termos, sociologicamente ela se mostra nas roupagens mais<br />
concretas que lhe emprestam autores como Anthony Giddens (nascido<br />
em 1938). Como é hábito nessa área, prestígio intelectual e o<br />
17 Mesmo tendo sido muitas as críticas a essa visão já em seu próprio momento, ao tempo de<br />
Jakob Burckhardt (1818-1897) talvez fosse possível falar no “Estado como obra de arte”,<br />
assim como Hegel havia falado na “obra de arte política” dos gregos. Hoje, porém, o que<br />
deve prevalecer é a palavra de Godard, lembrando que o Estado não pode amar e,<br />
portanto, nada pode ter a ver com a arte pelo menos, senão com a cultura também...<br />
NEM TUDO É <strong>CULTURA</strong> 45<br />
A VIDA DO<br />
INDIVÍDUO,<br />
AS NORMAS<br />
DO MUNDO