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A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

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orientações religiosas que identificam a crença com o Estado, bem como<br />

para muitos políticos e governantes que não primam por uma<br />

atualização de seu conhecimento e sua reflexão 16 , o Estado representa<br />

a cristalização e a quintessência da cultura; sem o Estado a cultura<br />

nada é; pelo Estado é que a cultura viveria. De fato, como já é bem<br />

sabido, a cultura nacional e a cultura identitária como ainda hoje<br />

conhecida surgiram com o aparecimento do Estado nacional,<br />

consolidado ao longo do século 19. A cultura sempre esteve em larga<br />

medida dependente do poder, de um poder, de algum poder: o poder<br />

do cidadão (mas não o do escravo, em Grécia antiga), o poder da<br />

nobreza, o poder do tirano, o poder da igreja, depois o poder do Estado<br />

e o poder de um governo dentro do Estado e o poder de um partido<br />

político que controla o governo de um Estado. (E cada um desses<br />

poderes significa o poder de um mercado correspondente: o mercado<br />

do cidadão, o mercado do tirano, o mercado da igreja, o mercado do<br />

partido, o mercado do Estado: esta ressalva é feita intencionalmente e<br />

de modo bem nítido neste momento em que um simplismo intelectual<br />

procura opor mercado e cidadania ou mercado e Estado: trata-se de<br />

uma oposição falsa na essência, que pode apenas assumir tons variados<br />

conforme a relação em jogo: o mercado faz parte da cidadania, portanto<br />

faz parte do Estado e, no limite, é partícipe da insociável sociabilidade).<br />

A identificação da cultura ao Estado, com o Estado assumindo o papel<br />

de alimentador, controlador e dispensador universal da cultura no<br />

interior de seu território (e mesmo fora dele, no caso do Estado<br />

expansionista) assume assim um tom natural, como uma inevitabilidade.<br />

Inevitável, no entanto, é tudo que essa relação não é. Demonstrao<br />

a contemporaneidade que se convenciona denominar de pósmodernidade.<br />

Muita coisa mudou na pós-modernidade, não apenas<br />

quando comparada à modernidade “clássica” e à alta modernidade do<br />

século 19, mas também quando o cotejamento se faz com a realidade<br />

de algumas décadas atrás. No caso do Brasil, quando se procede a um<br />

balanço dos últimos 40 anos — e falo em 40 anos pois neste 2004<br />

comemoram-se 20 anos do final da ditadura instalada em 1964 assim<br />

como se assinalam os 40 anos do início dessa mesma ditadura — o que<br />

mais surge em evidência na dinâmica social não é tanto o retorno da<br />

democracia (ou da democracia possível), nem o histórico impeachment<br />

de um presidente democraticamente eleito, nem a ascensão ao<br />

16 Na França, já que esse país foi aqui citado, é inconcebível que alguém anuncie suas ambições<br />

políticas mais elevadas, como à presidência da república, sem que tenha escrito um<br />

livro. Por certo, escrever um livro não é garantia de reflexão acurada; mas este é um<br />

traço que, no mínimo, ilustra o desenho de uma cultura que pôde, ou talvez ainda possa,<br />

apresentar-se como ideal civilizatório...<br />

NEM TUDO É <strong>CULTURA</strong> 43<br />

<strong>CULTURA</strong>,<br />

ESTADO,<br />

SOCIEDADE CIVIL

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