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A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

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mais palpável. Uma realidade nada nova. Immanuel Kant (1724-1804) 14<br />

em 1784 já observava a presença, na sociedade humana, de um princípio<br />

responsável, paradoxalmente, pelo desenvolvimento das capacidades<br />

humanas: o antagonismo. Por antagonismo, Kant entendia o confronto,<br />

no grupo social, das disposições humanas em sua ampla variedade.<br />

Outra denominação por ele dada a esse processo foi insociável<br />

sociabilidade, tendência dos homens para entrar em sociedade ao mesmo<br />

tempo em que manifestam a tendência inversa de dissolver essa mesma<br />

sociedade na qual buscam integrar-se. Essa disposição foi por Kant<br />

considerada inerente à natureza humana: o ser humano tem uma<br />

inclinação para associar-se porque se sente mais humano nessa<br />

condição ao mesmo tempo em que tem uma tendência a separar-se<br />

ou isolar-se porque encontra em si uma qualidade insociável que o<br />

leva a tudo querer conduzir em seu próprio proveito e esperando<br />

oposição de todos os lados assim como está inclinado e pronto a fazer<br />

oposição a tudo. Esse processo de antagonismo ocorre no interior de<br />

uma cultura e ocorre com a mesma evidência, se não com intensidade<br />

ainda mais acentuada, entre culturas distintas. O antagonismo é um<br />

dos modos da negatividade cultural ou um dos modos pelos quais a<br />

negatividade se manifesta na cultura. Negá-lo em nome de uma visão<br />

edênica baseada numa suposta fraternidade inata entre todos os seres<br />

humanos, quer essa visão seja alimentada por uma espiritualidade<br />

religiosa ou por uma perspectiva ideológica, é dar mostras de um<br />

idealismo de todo deslocado, temporal e conceitualmente. O conflito,<br />

como prefere denominá-lo Georg Simmel (1858-1918) — e um conflito<br />

que não resolve os lados opostos numa síntese integradora mas que no<br />

máximo acomoda os lados opostos, numa justaposição menos ou mais<br />

pacífica — é não apenas inerente ao processo cultural como a força<br />

motriz para o desenvolvimento humano, na medida em que isso for<br />

possível. Negar o antagonismo, o conflito ou a insociável sociabilidade,<br />

dentro de uma cultura ou entre culturas, é negar a cultura e<br />

provavelmente querer transformá-la num grande habitus. Retornando<br />

ao caso francês, na origem da nova lei francesa sobre o véu nos locais<br />

públicos republicanos está o repúdio ao que <strong>def</strong>ensores da medida, a<br />

maioria da nação como indicam pesquisas de opinião, chamam de<br />

comunitarismo, outro modo de referir-se às culturas identitárias de<br />

grupos minoritários de origem extranacional, para recorrer ao jargão<br />

especializado, ou outro modo de referir-se às culturas dos imigrantes,<br />

para ir direto ao ponto. A política francesa não procura reforçar os<br />

laços comunitários alheios aos princípios nacionais, pelo contrário quer<br />

14 Ideia de uma história universal de um ponto de vista cosmopolita, São Paulo: Martins Fontes, 2003.<br />

40 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>

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