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privado que existe a seu lado, no caso do museu, na forma de outro<br />
visitante ou de outro grupo de visitantes. Em outras palavras, o campo<br />
de intervenção de cada participante desse tipo de processo é o da<br />
interpretação pessoal, que poderá variar amplamente sem que no<br />
entanto a situação aí gerada chegue necessariamente a apresentar-se<br />
sob a forma do arranjo orquestral idealizado pela escola interacionista.<br />
E, por demais óbvio, mesmo a capacidade de orquestração não deixa<br />
de colocar-se sob a influência de habitus variados que a predeterminam<br />
para muito além do que pode pensar a ilusão de que se está participando<br />
de uma construção inteiramente nova. Mesmo se ou quando essa<br />
orquestração ocorre, prevalece ainda o entendimento de que a meta<br />
do arranjo orquestral considerado deve ser a da ampliação da esfera<br />
de presença do ser, coisa que, num contexto comunicacional, se vê mal<br />
como poderia limitar-se às fronteiras do local. O processo é demasiado<br />
complexo para ser abordado aqui em todas suas nuances, por certo. A<br />
submissão a um determinado habitus (de conteúdo ou de forma) pode<br />
não impedir por si só e em si mesma que a simples experiência de<br />
atualizar, de dar vida a uma determinada configuração cultural ou<br />
“cultural” preexistente, seja decisiva e ampliadora para os indivíduos<br />
envolvidos, para todos eles ou para alguns deles, pelo menos para um<br />
deles. Não há como esquecer, porém, o fato de que a função do habitus<br />
é reproduzir, reafirmar uma esfera anterior do ser e que essa<br />
reafirmação deve incluir a conformação dos indivíduos a ela submetidos.<br />
A ideia de que a interatividade se desenvolve num campo livre de<br />
determinantes é por demais ingênua, ainda que se deva destacar a<br />
possibilidade que tem o receptor de fazer, com o que lhe é de algum<br />
modo passado a título de cultura, algo que não estava previsto na<br />
partitura inicial. O fato de que isso acontece, e inclusive com alguma<br />
frequência, não elimina, no entanto, a marca repetitiva e reprodutiva<br />
de certos modos culturais ou que assim são chamados por inércia<br />
intelectual (o esporte, as festas tradicionais), levando a discussão ao<br />
ponto de partida: para a política cultural e para os estudos de cultura<br />
que a querem alimentar, provavelmente os únicos que não se<br />
contentam com analisar a cultura e querem investigar como se pode<br />
estimulá-la para que se alcance o maior desenvolvimento humano,<br />
nem tudo é cultura. A barbárie não é, a repetição não é, a manutenção<br />
do mesmo não é.<br />
A distinção entre obras de cultura e habitus é relevante por atribuir<br />
à cultura um outro traço, senão outra função, que se torna cada vez<br />
mais nítido e adensado ao longo do século 20. O entendimento da<br />
cultura como sendo preferencialmente as artes refinadas, as belas artes<br />
NEM TUDO É <strong>CULTURA</strong> 35