You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
colocar essa questão. A partir da segunda metade do século 20<br />
intensificou-se em certos setores uma tendência anti-intelectualista<br />
que se apresenta sob o disfarce de um antielitismo e se materializa,<br />
entre outras coisas, na <strong>def</strong>esa da tese de que não apenas haveria em<br />
cultura outros fenômenos a merecer atenção além daqueles<br />
configurados nas obras culturais de prestígio (literatura, artes visuais,<br />
música erudita etc.) como se apresenta também na insistência em que<br />
essas obras seriam mesmo menos respeitáveis ou válidas que as outras<br />
que lhe seriam opostas (a cultura dita de rua, o folclore e, a grande<br />
novidade, a cultura de massa: histórias em quadrinhos e telenovelas<br />
que passaram a consubstanciar, não apenas no gosto do público como<br />
nas críticas intelectuais, a quintessência da cultura da época). Retornase<br />
então ao ponto de partida: nem tudo é cultura. O ponto de apoio<br />
para seguir adiante na discussão é, agora, Pierre Bourdieu (1930-2002),<br />
cujas opiniões políticas e cujo combate político-cultural são por demais<br />
conhecidos para que seja ele desqualificado como ideologicamente<br />
suspeito. Bourdieu é outro dos que raramente se servem do conceito<br />
antropológico de cultura, essa ideia feita que não termina de esfumarse,<br />
aspecto nele tão mais notável quando esse sociólogo francês não<br />
estudou apenas a cultura contemporânea de uma sociedade avançada<br />
como a francesa mas também sociedades ditas tradicionais como a<br />
kabila. Sua preferência conceitual é pela acepção restrita da cultura,<br />
referente ao domínio que, para simplificar excessivamente, é aquele<br />
das artes e das letras, como Bourdieu escreve em Le sens pratique 8 .<br />
Haverá, em seu edifício intelectual, um motivo específico para tanto:<br />
como sociólogo da cultura, quis investigar os mecanismos sociais<br />
presentes na origem da criação artística e no processo de consumo da<br />
cultura nos diferentes grupos sociais. Mas, o fato é que assim fazendo<br />
Bourdieu procedeu a uma distinção entre a cultura e, em sua palavra, o<br />
habitus que se revela particularmente estimulante para os estudos da<br />
cultura propriamente dita e da política cultural. Habitus, para Bourdieu,<br />
é o conjunto de disposições duráveis e transportáveis (noção, esta de<br />
transportabilidade, de alto rendimento para a intelecção da dinâmica<br />
cultural contemporânea, como se verá a seguir) que se apresentam na<br />
condição de estruturas estruturadas a funcionar como estruturas<br />
estruturantes, ou princípios geradores e organizadores de representações<br />
(práticas) independentes de uma apreensão consciente dos fins que<br />
buscam e independentes de um domínio manifesto das operações<br />
requeridas para a persecução desse fim. Essas disposições se formam e se<br />
adquirem através de uma série de condicionamentos produzidos por<br />
8 Paris: Éditions Minuit, 1980.<br />
NEM TUDO É <strong>CULTURA</strong> 27<br />
<strong>CULTURA</strong><br />
E<br />
HABITUS