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A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

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universalismo do Iluminismo francês , que julgava empobrecedor, ao<br />

falar de recortes nacionais (o Volksgeist, traduzido ora por espírito nacional,<br />

ora por caráter nacional) do que se devia entender por cultura, cabendo<br />

a cada cultura uma representação distinta da humanidade. 6 Apesar de<br />

revelar-se o Iluminismo um movimento cosmopolita largamente<br />

antinacionalista inclusive na própria Alemanha (caso de Kant), ao longo<br />

de todo o século 18 firma-se sempre mais entre os autores alemães<br />

uma posição antiuniversalista, nacionalista, particularista, relativista e<br />

essencialista da cultura. Para estes — entre eles, Herder, a quem os<br />

espíritos franceses da época pareciam áridos, artificiais, incapazes de<br />

entender as potencialidades generosas do ser humano —, Kultur era o<br />

contrário da noção de civilização (também em vigor desde o século 17)<br />

e consistia naquilo que era especificamente alemão, naquilo que<br />

distinguia esse povo e essa nação dos demais; em termos mais amplos,<br />

na Kultur residiria o gênio nacional de um povo, sua profundidade, sua<br />

espiritualidade. A cultura de um lugar não deveria ser vista como a<br />

soma de tudo mas apenas do específico daquele lugar: não o universal,<br />

mas o particular; cultura não era o todo de todos mas o relativo a um<br />

grupo, com a implicação de que cada cultura revestia-se de um atributo<br />

a ela relativo.<br />

Obviamente, quando no início escrevi que nem tudo é cultura e<br />

que apenas parte do todo pode ser dito cultura, não me referia a essa<br />

concepção particularista da cultura; o alcance de minha proposição<br />

inicial é, antes, este: nem tudo, embora dentro de uma mesma cultura<br />

(uma cultura nacional, por exemplo), é cultura. A concepção<br />

particularista de cultura pode levar, em casos extremados (mas quase<br />

tudo hoje, neste início de século 21, assume tons extremados...), à<br />

conclusão de que esta minha cultura é, em si mesma e por si mesma,<br />

como um todo, boa ou que ela é melhor do que aquela outra cultura, a<br />

cultura dele, a cultura desse aí, em si mesma ruim ou pior — com seus<br />

corolários previsíveis: a de que esta cultura, por acaso a minha, deve<br />

eliminar aquela, a do outro. As associações que se fazem entre cultura<br />

nacional e identidade, associações quase todas não apenas estéreis<br />

6 Em um livro publicado postumamente, em 1832, Sobre a filosofia da religião, e traduzido<br />

para o inglês em 1835, Hegel (1770-1831) descreveu um “espírito nacional” (Volksgeist,<br />

literalmente, “espírito do povo”) específico” como sendo o conjunto dos elementos de<br />

sua religião, constituição política, ética social, ordem jurídica, de seus costumes, sua<br />

ciência, arte e aptidões técnicas, aquilo que hoje recebe o nome de tecnologia. Estas<br />

são as mesmas palavras que quarenta anos depois se encontrarão em Tylor, numa operação<br />

que passava a atribuir à cultura ampla ou etnologicamente entendida aquilo que em<br />

Herder e Hegel vinha como atributo de um povo nacional específico. A consequente<br />

identificação entre cultura e nacionalidade não deixou de apresentar tristes<br />

consequências.<br />

NEM TUDO É <strong>CULTURA</strong> 21<br />

A IDEIA<br />

NACIONAL<br />

DE <strong>CULTURA</strong>

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