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A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

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<strong>CULTURA</strong><br />

E<br />

BARBÁRIE<br />

política cultural. Quando tudo é cultura — a moda, o comportamento,<br />

o futebol, o modo de falar, o cinema, a publicidade —, nada é cultura.<br />

Mais relevante: quando em cultura tudo tem um mesmo valor, quando<br />

tudo é igualmente cultural, quando se diz ou se acredita que tudo<br />

serve do mesmo modo para os fins culturais, de fato nada serve, em<br />

particular quando o que se procura, como agora, é fazer da cultura um<br />

instrumento daquilo que se tornou meta central das sociedades todas:<br />

o chamado desenvolvimento sustentável ou, de forma mais adequada (já<br />

que há aqui um sujeito ou, conforme o ponto de vista um objeto claro<br />

desse processo, e que não é o desenvolvimento em si), o chamado<br />

desenvolvimento humano. Uma distinção inicial, mínima, tem de ser feita<br />

entre o que é cultura e o que é oposto à cultura, o que produz efeitos<br />

contrários àqueles buscados na cultura e com a cultura — em outras<br />

palavras, uma distinção tem de ser feita entre cultura e barbárie, entre o<br />

que estimula o desenvolvimento humano individual e, em consequência<br />

(não o contrário), o processo social, e aquilo que o impede, distorce e<br />

aniquila. 4 Em todo contexto humano há elementos de cultura e<br />

elementos de barbárie, que não necessariamente entram num jogo<br />

dialético do qual resulta uma eventual síntese superadora de uma e<br />

outra na direção de uma terceira entidade: o mais provável é que ambos<br />

tipos de elementos justaponham-se, ombreiem-se e deem origem às<br />

consequências que podem gerar. O entendimento de Walter Benjamin<br />

(que, nascido em 1892, fugindo do nazismo em 1940 encontra uma<br />

morte controvertida em Port Bou, pequena cidade de Espanha na<br />

fronteira com a França), segundo o qual todo documento de cultura é<br />

ao mesmo tempo um documento de barbárie, é central para a<br />

compreensão não redutora da dinâmica cultural, sobretudo quando,<br />

como agora, procura-se domesticar a cultura e dela falar e a ela recorrer<br />

como se fosse apenas um conjunto de positividades, de aspectos<br />

moralmente apreciáveis. O contrário, porém, não é verdadeiro: o<br />

documento de barbárie não é um documento de cultura — não para o<br />

que interessa aqui. A visão universalista da cultura, cristalizada por<br />

Tylor em 1871 — um ano significativo, o mesmo ano da Comuna de<br />

Paris e da estreia no Cairo da ópera Aida, de Verdi — não esteve sozinha<br />

no cenário das coisas de cultura. Já um século antes, em 1773 5 , Herder<br />

(1744-1803), num livro escrito em colaboração com Goethe, Von<br />

deutscher Art und Kunst (Sobre o estilo e a arte de Alemanha), opunha-se ao<br />

4 Há uma decisiva e difícil distinção a ser feita entre o que é o oposto da cultura, a barbárie,<br />

e aquilo que, sendo parte integrante da cultura, é sua parte negativa. Ver cap. 3.<br />

5 Vinte anos antes, em 1753, Alexander Baumgarten (1704-1762) propunha e <strong>def</strong>inia, em<br />

seu sentido moderno, o termo “estética”, palavra e conceito que voltarão à cena deste<br />

livro em seu capítulo final.<br />

20 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong>

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