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A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

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processos de fermentação e geração de outras coisas dela distintas —<br />

úteis ou aproveitáveis, algumas, de todo dispensáveis, outras. E é<br />

sugestivo, ainda, que se pense na cultura como algo a ser eliminado,<br />

como algo a ser certamente eliminado, inevitavelmente eliminado, algo<br />

que não pode ser guardado in<strong>def</strong>inidamente sob pena de empestar o<br />

entorno; sob esse aspecto, penso no tema da desaquisição cultural, o<br />

contrário do processo de aquisição e conservação da cultura típico da<br />

atual sociedade humana das várias latitudes e longitudes e que se<br />

manifesta na compulsão de tudo guardar e preservar no estado em<br />

que inicialmente é criado ou achado (ou em estado ainda melhor do<br />

que aquele contemporâneo da decisão de que deve ser guardado,<br />

estado a ser obtido mediante uma intervenção técnica de restauração<br />

— frequentemente restauração de um imaginário estado inicial...); a<br />

aquisição cultural não pode ser o processo único, exclusivo, nem o<br />

principal processo da cultura; toda aquisição se faz acompanhar<br />

inevitavelmente do correspondente processo de desaquisição e a<br />

dinâmica cultural teria a ganhar se essa via ou mão de direção do<br />

processo fosse reconhecida e implementada de modo consciente e<br />

deliberado, algo no entanto ainda agora visto como autêntico anátema<br />

cultural... (“Como pode um museu desadquirir suas obras?”, perguntase<br />

no tom de desaprovação moral típico de quem se sente insultado,<br />

tom só possível em virtude da crença de que os valores de uma obra de<br />

arte estão estabelecidos para todo o sempre e não mudarão nunca,<br />

equívoco cultural dos mais palmares.) Seja como for, se essa imagem<br />

da cultura como esterco é para ser explorada, ela deve conviver ao lado<br />

de outra que é aquela de início a buscar e, talvez, privilegiar: a imagem<br />

da cultura como sendo a melhor parte do bolo — não como qualquer<br />

parte do bolo, não como parte de um bolo feito todo de partes iguais<br />

ou equivalentes mas como a melhor parte desse bolo. Ambas imagens<br />

convivem lado a lado, justapostas, e como tais devem ser mantidas à<br />

flor da reflexão, quando se discute a cultura e o processo cultural. Aliás,<br />

uma das primeiras consequências positivas da noção da cultura como<br />

adubo é a ideia de processo nela implícita: o estrume é o elemento afinal<br />

ativo mas ele mesmo em si não é nada, ele mesmo é outra coisa, e<br />

outra coisa resultante de um processo cujas partes têm todas a mesma<br />

natureza verificada no conjunto: a cultura como processo, não como<br />

um objeto mas como uma atividade, esta é a ideia chave.<br />

Então, o entendimento universalista da cultura praticado pela<br />

antropologia não se revela operacional do ponto de vista do estudo da<br />

cultura, ela mesma, e, menos ainda, do ponto de vista dos que<br />

pretendem atuar com a cultura e por meio da cultura — como na<br />

NEM TUDO É <strong>CULTURA</strong> 19

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