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de outra comunidade. Não importa: o que de algum modo puder<br />
acomodar-se sob o rótulo do que aqui foi indicado como “de cultura”<br />
responderá aos traços aqui reunidos, idem para a obra “de arte”. O que<br />
importa: a obra de arte não pode ser objeto de um programa de política<br />
cultural (e a educação é uma versão desse programa) que se aplique a uma<br />
obra de cultura; se isso acontecer, o programa será de fato cultural, isto é,<br />
estará se propondo transformar a arte em cultura, equívoco no entanto<br />
comum. A expressão política artística é menos inapropriada do que parece<br />
— e será tanto mais correta quanto se destinar não só ao amparo do<br />
artista quanto à instalação, nesse mesmo sistema, do observador (não<br />
digo “consumidor”), do amador. E enfim, este quadro será eventualmente<br />
aqui e ali contraditório consigo mesmo: tratando-se de cultura e arte, mais<br />
em relação a esta do que àquela mas àquela também, a palavra apropriada<br />
é paradoxo e de seu alcance este quadro não pretende escapar: se há algo<br />
de inaceitável nas discussões e estudos sobre a arte é o procedimento que<br />
busca, conscientemente ou não, fazer como se fosse possível, em arte e na<br />
discussão sobre arte e cultura, aparar as arestas, fundir tudo num corpo<br />
homogêneo: neste ponto, a reivindicação de Walt Whitman é vital: Do I<br />
contradict myself? Very well then, I contradict myself, I am large I contain<br />
multitudes... Posso não ser assim, de todo assim, mas meu objeto sim, é:<br />
e não pretendo impor, a meu objeto, minhas limitações...<br />
* * *<br />
De todo modo, introduz-se agora no esquema, e como suplemento,<br />
uma variação relativizante: a ideia do ponto cego. Graficamente, o<br />
desenho seria então:<br />
<strong>CULTURA</strong> > < ARTE<br />
ou, talvez, recorrendo a símbolos de sentido assentado, este:<br />
<strong>CULTURA</strong> < > ARTE<br />
onde o ponto · indica o ponto cego a partir do qual, numa direção, a<br />
obra ou fenômeno se aproxima da Cultura (afastando-se da Arte) e, na<br />
outra, aproxima-se da Arte (afastando-se da Cultura). A seta é um<br />
símbolo relativamente neutro. O símbolo matemático < menor do que<br />
revela-se inelutavelmente desde logo carregado com um valor que,<br />
neste caso e por tudo que já ficou dito nos capítulos anteriores, não<br />
recuso. Em outras palavras, o que está no ponto cego não se identifica<br />
“<strong>CULTURA</strong> É A REGRA; ARTE, A EXCEÇÃO” 151