You also want an ePaper? Increase the reach of your titles
YUMPU automatically turns print PDFs into web optimized ePapers that Google loves.
SEMIÓTICA DE<br />
ACESSO<br />
norma. Para a arte, o programa é icônico: seu modo “se parece” com o<br />
modo da obra de que trata, e vale para esta obra, não necessariamente<br />
para aquela; esse programa vincula-se a essa obra especificamente (da<br />
qual é índice 67 ). Nisso reside o desafio a quem se encarrega de gerir o<br />
programa (a política cultural de mediação, por exemplo) para a obra de<br />
arte: cada caso é um caso diferente, o que essa pessoa sabe de um<br />
outro caso da arte pode talvez ajudá-la a enfrentar este caso da arte: mas<br />
cada caso é um caso.<br />
simbólica racionalidade<br />
convencional<br />
132 A <strong>CULTURA</strong> E <strong>SEU</strong> <strong>CONTRÁRIO</strong><br />
icônica<br />
indicial<br />
concreto<br />
abdução<br />
pragmático<br />
A semiótica da obra é uma, a semiótica com a qual penetro na<br />
obra não necessariamente é a mesma: não penetro no universo pictórico<br />
de uma pintura com a semiótica da pintura (caso em que meu modo<br />
de pensar seria, pode-se prever, inteiramente distinto). Se a semiótica<br />
da obra de cultura é a da comunicação, a semiótica geral de acesso será<br />
a simbólica 68 : aquela convencional, a que se firma por um acordo de<br />
início pragmático e em seguida absolutamente codificado, como no<br />
caso da língua. Para a obra de arte, a semiótica de acesso é antes icônica,<br />
por vezes indicial — mas sem dúvida icônica: não é possível codificar a<br />
emoção, sequer a percepção de uma cor, o efeito de um som. A<br />
convenção e o consenso têm, na obra de arte, um papel inversamente<br />
proporcional à sua grandeza: quanto mais densa, quanto mais rica,<br />
quanto mais comprometida com seu programa essencial, menos se<br />
pode recorrer à convenção e ao consenso para conseguir acesso a ela<br />
(embora, claro, nem a obra de arte esteja inteiramente livre de um e<br />
outro: a tela de pano e o chassis de madeira já são a convenção mínima<br />
à qual está sujeita toda pintura, inclusive a mais inovadora; o museu e<br />
a galeria de arte já são a convenção mínima (e enorme) que a prática<br />
artística mais vanguardeira tem de aceitar para tornar-se visível). O<br />
programa para a obra de cultura, nessa perspectiva, arma-se sobre<br />
uma racionalidade convencional (convenciona-se que os reis magos<br />
eram de tal modo e convenciona-se que de um determinado modo,<br />
deste modo específico, são representados; e a convenção não deve<br />
mudar nunca, sob pena de eliminar-se o sentido do evento). O<br />
programa para a obra de arte é pragmático: será um para determinada<br />
67 Não cabe desenvolver neste breve ensaio os princípios e os traços desse conceitual semiótico;<br />
a remissão, novamente, é à obra de Ch. S. Peirce ou, alternativamente, para comentários<br />
a essa obra como fiz em Semiótica, informação, comunicação (São Paulo: Perspectiva).<br />
68 A referência aqui é a semiótica de Charles S. Peirce.