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A CULTURA E SEU CONTRÁRIO TC def.pmd

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não se implementam por relações sexuais impostas (não mais: o direito<br />

do senhor feudal à primeira noite não mais tem sentido, hoje recebe<br />

outro nome: estupro). Se há uma <strong>def</strong>erência cultural numa situação<br />

social, devo e posso restaurar o equilíbrio da situação por meio de<br />

outra <strong>def</strong>erência cultural: “passe você primeiro”: uma <strong>def</strong>erência sexual<br />

não pode obrigatoriamente ser equilibrada por outra. Não existe direito<br />

ao sexo. Sexo é privilégio. Pois, cabe admitir a ideia de que a arte seja<br />

um privilégio. Posso ser obrigado a restaurar o equilíbrio de uma situação<br />

artística, quando me é reconhecido o privilégio de uma experiência<br />

artística, de algum outro modo: pagando o preço de uma entrada ou<br />

narrando a alguém em que consistiu para mim aquele privilégio: quem<br />

não estiver em condições de restaurar a simetria da experiência artística<br />

do ponto de vista do dever não pode invocar o direito à arte: diante de<br />

privilégios não há direitos. Carnaval parece uma necessidade cultural<br />

para certas comunidades: nem mesmo o carnaval pode ser um fato<br />

gerador de direitos culturais em termos absolutos, nem sequer em<br />

termos amplos: não tenho o dever ou o direito de produzir um desfile<br />

com tantos ou quantos carros alegóricos luxuosos e tantas fantasias<br />

fantásticas e tantos seres humanos homens e mulheres deslumbrantes:<br />

isso não gera direitos: considerando as coisas como estão, a comunidade<br />

no entanto, por uma razão de hábito, tem de encontrar o modo de<br />

garantir meu direito a algum carnaval e por isso durante algum tempo<br />

em alguns lugares ninguém será preso por atentado ao pudor se<br />

aparecer semidespido em público. Mas não tenho nenhum direito a<br />

exigir uma arte diferente da que tenho, ninguém está obrigado a<br />

produzir arte: terei o direito de me colocar diante de uma obra de arte<br />

se ela estiver aí por uma série de motivos em nada artísticos: porque a<br />

arte reunida neste prédio foi comprada com dinheiro público e porque<br />

o prédio é público ou porque o proprietário de tais e tais obras deixou<br />

escrito em testamento que suas obras devem ser mostradas<br />

publicamente (gratuitamente ou não, essa é outra questão). Mas, pode<br />

ser que a arte seja privilégio: para quem faz e para quem recebe. Não<br />

um direito.<br />

Um programa para a arte será portanto de natureza discricionária:<br />

as fundações que amparam a arte são discricionárias: em alguns países,<br />

as pessoas têm o direito de organizar-se em fundações para promover<br />

fins que se tenham proposto ou inventado: os deveres resultantes<br />

desse direito não são intrinsecamente artísticos nem se referem à arte<br />

do mesmo modo como os direitos humanos se referem à vida. Assim,<br />

se uma sociedade como a brasileira em uma situação de democracia<br />

tem o dever de abrir espaços para o carnaval, será o caso de produzir<br />

“<strong>CULTURA</strong> É A REGRA; ARTE, A EXCEÇÃO” 127

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