Introdução à Topologia das Superfícies - UFV
Introdução à Topologia das Superfícies - UFV Introdução à Topologia das Superfícies - UFV
VI Reuni~ao da Sociedade Brasileira de Matematica UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIC»OSA DEPARTAMENTO DE MATEMATICA { UFV Vi»cosa, 20 a 23 de abril de 2004 Mini-curso TOPOLOGIA DAS SUPERFICIES UMA INTRODUC» ~AO INTUITIVA Jo~ao C.V. Sampaio (UFSCar)
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VI Reuni~ao da<br />
Sociedade Brasileira<br />
de Matematica<br />
UNIVERSIDADE FEDERAL<br />
DE VIC»OSA<br />
DEPARTAMENTO DE MATEMATICA { <strong>UFV</strong><br />
Vi»cosa, 20 a 23 de abril de 2004<br />
Mini-curso<br />
TOPOLOGIA DAS SUPERFICIES<br />
UMA INTRODUC» ~AO INTUITIVA<br />
Jo~ao C.V. Sampaio (UFSCar)
Sumario<br />
1 Superf³cies 1<br />
1.1 O que e umasuperf³cie?.......................... 1<br />
1.2 <strong>Topologia</strong> e geometria ........................... 2<br />
1.3 Superf³cies de¯ni<strong>das</strong> abstratamente e seus<br />
diagramasplanos.............................. 4<br />
1.4 Superf³cies orientaveis<br />
esuperf³cies n~ao orientaveis ........................ 7<br />
1.5 Superf³ciesfecha<strong>das</strong> ............................ 8<br />
1.6 Somas conexas de superf³cies ....................... 9<br />
2 To<strong>das</strong> as superf³cies fecha<strong>das</strong> conceb³veis 11<br />
2.1 Diagramas poligonais para to<strong>das</strong> as superf³ciesfecha<strong>das</strong> ......... 14<br />
2.2 Paraca<strong>das</strong>uperf³ciefechada,uma\palavra" ............... 17<br />
2.3 A palavra representa»c~aodeumasomaconexa............... 18<br />
2.4 Transformandopalavrassemalteraratopologia ............. 19<br />
2.4.1 Transforma»c~oes praticamente obvias ............... 19<br />
2.4.2 Uma transforma»c~ao inacreditavel ................. 22<br />
2.4.3 Uma transforma»c~aoesperta .................... 23<br />
2.4.4 Duas transforma»c~oes imprescind³veis ............... 24<br />
2.5 Listando to<strong>das</strong> as superf³cies fecha<strong>das</strong> orientaveis............. 25<br />
2.6 Listando as superf³ciesfecha<strong>das</strong>en~ao orientaveis............. 27<br />
3 Um pouco da geometria <strong>das</strong> superf³cies 29<br />
3.1 Superf³ciessuavesepontosc^onicos .................... 29<br />
3.2 Superf³ciesdegeometriaeuclidiana .................... 31<br />
3.3 A geometria da esfera ou geometria el³ptica................ 32<br />
i
3.3.1 A soma dos ^angulosinternosdeumtri^angulo esferico ...... 34<br />
3.4 Oconceitodecurvatura.......................... 35<br />
3.5 O plano hiperbolicoesuageometria.................... 36<br />
3.5.1 Uma constru»c~ao aproximada de um modelo do plano hiperbolico. 37<br />
3.6 A soma dos ^angulos internos de um pol³gono, em uma superf³cie de<br />
curvaturaconstante............................. 38<br />
3.7 Somasconexasdetoros,oudeplanosprojetivos,decurvaturaconstante 40<br />
3.7.1 Uma constru»c~ao alternativa de toros de genus n, n ¸ 2, de<br />
curvaturaconstante ........................ 41<br />
4 O numero (ou caracter³stica)<br />
de Euler (l^e-se \Oiler"), um invariante topologico 45<br />
4.1 Divis~oes celulares de uma superf³cie.................... 45<br />
4.2 O numerodeEuler............................. 46<br />
4.3 A topologia de uma superf³cie determina sua<br />
geometria homog^enea,evice-versa .................... 48<br />
4.4 Orientabilidade e numero de Euler classi¯cando as superf³cies fecha<strong>das</strong> . 49
Prefacio<br />
Oproposito deste trabalho e desenvolver ideias e resultados de topologia <strong>das</strong> superf³cies,<br />
uma area da Matematica nascida da geometria, fazendo-o de modo acess³vel a estudantes<br />
que n~ao tenham conhecimento previo de conceitos de matematica do ensino superior,<br />
podendo ser apreciado por estudantes universitarios de areasforadaMatematica e por<br />
professoresdoensinomedio.<br />
Os temas apresentados evoluem, a partir de ideias geometricas e topologicas intuitivas,<br />
em dire»c~ao a resultados destacados da topologia <strong>das</strong> superf³cies, chegando aos<br />
teoremas de classi¯ca»c~ao topologica <strong>das</strong> superf³cies fecha<strong>das</strong>.<br />
Dentre os grandes avan»cos matematicos do seculo 20, destacam-se aqueles ocorridos<br />
no campo da <strong>Topologia</strong>. Interesses de matematicosef³sicos impulsionaram um<br />
grande progresso na area <strong>das</strong> assim chama<strong>das</strong> variedades de dimens~oes3e4,ques~ao<br />
grosso modo, generaliza»c~oes <strong>das</strong> superf³cies de dimens~ao 2.<br />
Duas areas correlatas, nas quais houve intensa atividade de pesquisa, s~ao a teoria<br />
dos nos eatopologia algebrica, estaultima intimamente relacionada µa topologia combinatoria.<br />
Devidoaogranderoldepre-requisitos matematicos, necessarios ao estudo<br />
formal de tais assuntos, pouqu³ssimos textos para a gradua»c~ao (licenciatura e bacharelado)<br />
em matematica desenvolvem uma introdu»c~aoaessamatematica recente.<br />
A maior parte dos textos universitarios de topologia, escritos em geral para os<br />
bacharelados em matematica, tratam somente de topicos desenvolvidos no in³cio do<br />
seculo, e que est~ao mais relacionados µa topologia geral do que µa topologia geometrica.<br />
Grande parte desses textos foram escritos sob a premissa de que tais fundamentos devem<br />
ser estudados primeiro, pois contem conceitos amplamente empregados no campo da<br />
analise matematica, outraarea deveras importante.<br />
Contrastando fortemente com esse quadro, nos programas de pos-gradua»c~ao em<br />
matematica s~ao estudados textos avan»cados de topologia algebrica, enfatizando fortemente<br />
teorias desenvolvi<strong>das</strong> somente apos os anos 50. O estudante de um programa<br />
de mestrado em matematica estuda e compreende, n~ao sem uma boa dose de esfor»co<br />
intelectual, fundamentos e teoremas da topologia algebrica, mas ¯ca se perguntando<br />
como e que essas coisas foram originalmente descobertas.<br />
No meio disso tudo, esta a constru»c~ao heur³stica da topologia geometrica, cheia<br />
de resultados descobertos muitas vezes por procedimentos intuitivos e ulteriormente<br />
passados a limpo atraves da linguagem so¯sticada e formalista <strong>das</strong> topologias geral e<br />
algebrica. E esta parte intermediaria, da constru»c~ao intuitiva do conhecimento, que o<br />
presente texto visa suprir, ao menos em parte. Outro proposito deste texto e a divulga»c~ao<br />
iii
desse conhecimento ao leitor n~ao especializado.<br />
Este texto evoluiu de mini-cursos apresentados nos X, XI, XII e XIII Encontros<br />
Brasileiros de <strong>Topologia</strong>, realizados nos anos 1996, 1998, 2000 e 2002 e, originalmente,<br />
de um mini-curso apresentado na Reuni~ao Regional da Sociedade Brasileira de<br />
Matematica, realizado pelo Departamento de Matematica da UFSCar, em 1995.<br />
Je®rey Weeks, em seu maravilhoso livro The Shape of Space, mostrou-me pela<br />
primeira vez como ensinar topologia, sem pre-requisitos formais, de modo divertido.<br />
A ele juntam-se outros autores mencionados na bibliogra¯a. O incentivo para colocar<br />
m~aos µa obrapartiudevarios companheiros de pro¯ss~ao, dentre eles cito especialmente<br />
Yuriko Yamamoto Baldin, Yolanda Kioko Saito Furuya, Oziride Manzoli Neto, Daciberg<br />
Lima Gon»calves e Suely Druck, havendo porem outros mais que tornariam esta lista bem<br />
extensa.<br />
Jo~ao Carlos V. Sampaio
1<br />
Superf³cies<br />
1.1 O que e umasuperf³cie?<br />
Superf³cies s~ao objetos geometricos bi-dimensionais que n~ao existem no mundo real, mas<br />
apenas em nossa imagina»c~ao geometrica plat^onica. Podemos prontamente conceber<br />
varios exemplos de superf³cies, tais como a superf³cie de uma esfera, a superf³cie do<br />
plano da geometria euclidiana, a superf³cie de uma c^amaradear,eoutrasmais.<br />
Ade¯ni»c~ao formal (matematica) de superf³cie requer conceitos de topologia geral<br />
edecalculo avan»cado, e n~ao e nossa inten»c~ao apresenta-la aqui. Pelo contrario, nossa<br />
inten»c~ao e explorarsuperf³cies, do ponto de vista topologico e geometrico, o mais<br />
intuitivamente poss³vel.<br />
Poder³amos dizer que nosso metodo de estudo sera heur³stico em vez de formal.<br />
Pretendemos estabelecer fatos atraves de evid^encias geometricas intuitivas.<br />
Para citar um exemplo onde um tal metodo e empregado, tomemos por exemplo<br />
a teoria dos conjuntos. Sabemos que grande parte <strong>das</strong> propriedades <strong>das</strong> opera»c~oes e<br />
rela»c~oes entre conjuntos pode ser deduzida atraves dos chamados diagramas de Venn.<br />
Os diagramas de Venn fornecem evid^encias intuitivas dessas propriedades mas n~ao constituem<br />
demonstra»c~oes matematicas <strong>das</strong> mesmas.<br />
Subentenderemos apriorique uma superf³cie e um \ambiente" geometrico bi-dimensional,<br />
no sentido de que \habitantes" ¯ct³cios de uma superf³cie se movem com<br />
apenas dois graus de liberdade. Para tornar o conceito de superf³cie mais claro, suporemos<br />
que para cada dois pontos de uma superf³cie, pode-se tra»car nela uma linha<br />
geodesica que os une. Em toda superf³cie, para cada dois pontos dela, existe um caminho,<br />
tra»cado na superf³cie, unindo esses pontos, de menor comprimento poss³vel. Tal<br />
caminho e uma linha geodesica que os une.<br />
Repetindo, considerando-se dois pontos A e B numa superf³cie, se quisermos<br />
tra»car, na superf³cie, um caminho (uma curva) de menor comprimento poss³vel, de A<br />
ate B, tal caminho sera umsegmento geodesico.<br />
Por exemplo, as geodesicas do plano euclidiano s~ao linhas retas. As geodesicas<br />
da superf³cie de uma esfera s~aoarcosdegrandesc³rculos. Um grande c³rculo na su-<br />
1
2 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
perf³cie de uma esfera e ainterse»c~ao da superf³cie da esfera com um plano que passa<br />
pelo seu centro. Por exemplo, a linha do Equador e os meridianos s~ao grandes c³rculos<br />
da superf³cie da esfera terrestre 1 . Repare que, se quisermos voar de um ponto a outro<br />
no globo terrestre, deveremos voar seguindo sempre em frente, \em linha reta". Neste<br />
caso estaremos seguindo a linha de uma geodesica da esfera terrestre. Um ¯o elastico<br />
bem ¯no, com suas extremidades ¯xa<strong>das</strong> na superf³cie lisa de uma esfera, esticado e em<br />
contato com a superf³cie, descreve uma geodesica da superf³cie da esfera.<br />
O movimento em \dois graus de liberdade", sobre uma superf³cie, refere-se µa<br />
propriedade de que um ponto, con¯nado a mover-se numa superf³cie, pode mover-se<br />
\para a frente", \para tras", \para a direita" e \para a esquerda", mas n~ao pode realizar<br />
os movimentos complementares \para cima" e \para baixo" | poss³veis num ambiente<br />
tri-dimensional | pois para isso teria que sair da superf³cie.<br />
1.2 <strong>Topologia</strong> e geometria<br />
Assumiremos que as superf³cies n~ao t^em espessura. µ As vezes podemos construir um<br />
modelo de uma superf³cie fazendo uso de uma pel³cula de material maleavel e elastico<br />
(bolas de plastico s~ao modelos f³sicos de superf³cies esfericas e c^amaras de ar s~ao modelos<br />
de uma superf³cie chamada toro bidimensional). Se esticamos ou encolhemos um pouco<br />
uma superf³cie, certas propriedades dela se mantem inaltera<strong>das</strong>. Tais propriedades constituem<br />
o que chamamos topologia da superf³cie.<br />
Intuitivamente falando, enumeraremos quatro deforma»c~oes que n~ao afetam a<br />
topologia de uma superf³cie:<br />
1. Esticar ou in°ar a superf³cies ou partes dela.<br />
2. Encolher a superf³cie ou partes dela.<br />
3. Entortar a superf³cie ou partes dela.<br />
4. Cortar a superf³cie segundo uma linha suave nela demarcada e, posteriormente,<br />
colar novamente, uma na outra, as bor<strong>das</strong> gera<strong>das</strong> por esse recorte, resgatando a<br />
superf³cie original com a linha demarcada. A este procedimento e dado o nome de<br />
recorte e colagem.<br />
Se uma superf³cie e obtidadeoutraporumacombina»c~ao, em um numero ¯nito<br />
de vezes, de algumas ou to<strong>das</strong> as tr^es primeiras transforma»c~oes lista<strong>das</strong> acima, diremos<br />
que elas s~ao isotopicas.<br />
Se uma superf³cie e obtida de outra por uma combina»c~ao de um numero ¯nito<br />
<strong>das</strong> quatro transforma»c~oes lista<strong>das</strong> acima (deforma»c~oes \legais"), dizemos que elas s~ao<br />
homeomorfas. Obviamente, superf³cies isotopicas s~ao homeomorfas.<br />
1Imaginando-se a Terra como uma esfera solida. Na verdade, a \esfera" terrestre e achatada nos<br />
polos
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 3<br />
Figura 1.1: Uma transforma»c~ao de recorte e colagem aplicada a uma superf³cie. A superf³cie<br />
resultante ehomeomorfaµasuperf³cie original. No entanto, no espa»co euclidiano<br />
tridimensional, elas n~ao s~ao isotopicas. Pode ser mostrado que, num espa»co euclidiano<br />
de dimens~ao 4, e poss³vel transformar a superf³cie em (a) na superf³cie em (b), apenas<br />
por transforma»c~oes isotopicas, ou seja, dos tipos 1, 2 e 3, sem apelar para recorte e<br />
colagem.<br />
Ao cortarmos uma superf³cie segundo uma linha ou curva suave nela demarcada,<br />
esse recorte da origem a duas bor<strong>das</strong> (ou dois bordos, como dizem os topologos).<br />
Entenderemos que, apos esse recorte, a linha de corte ¯ca duplicada, passando a ser<br />
representada pelas duas bor<strong>das</strong> que o recorte gerou. Apos a colagem de ambos as<br />
bor<strong>das</strong>, uma na outra, resgatamos ent~ao a curva original e a por»c~ao da superf³cie em<br />
torno dela.<br />
De¯ne-se ent~ao a topologia de uma superf³cie como sendo o conjunto de aspectos<br />
geometricos dessa superf³cie que n~ao se alteram quando a ela aplicamos qualquer<br />
uma <strong>das</strong> quatro deforma»c~oes lista<strong>das</strong> acima. Quando duas superf³cies t^em a mesma<br />
topologia, dizemos que elas s~ao topologicamente equivalentes, ou que s~ao, como<br />
dizem os topologos, superf³cies homeomorfas.<br />
Em contraste µa topologia de uma superf³cie, os aspectos de sua natureza que se alteram<br />
pelas deforma»c~oes enumera<strong>das</strong> acima | aspectos tais como dist^ancias, ^angulos,<br />
areas e curvatura (um conceito do qual falaremos mais tarde) | constituem o que<br />
chamamos a geometria da superf³cie.<br />
As deforma»c~oes lista<strong>das</strong> abaixo (deforma»c~oes \ilegais") alteram a topologia de<br />
uma superf³cie, resultando em superf³cies n~ao homeomorfas µa superf³cie original:<br />
(i) cortar a superf³cie, segundo uma curva nela demarcada, e n~ao tornar a colar, um<br />
no outro, os bordos gerados pelo recorte;<br />
(ii) realizar colagens de modo arbitrario fazendo com que dois ou mais pontos, originalmente<br />
separados, tornem-se um so ponto da superf³cie;<br />
(iii) encolher a superf³cie, ou algumas de suas regi~oes, de modo que pontos originalmente<br />
separados se aglutinem num so ponto.
4 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
1.3 Superf³ciesde¯ni<strong>das</strong>abstratamenteeseus<br />
diagramas planos<br />
Ha superf³cies que s~ao de¯ni<strong>das</strong> abstratamente, a partir de colagens estrategicas de pares<br />
dearestasderegi~oes poligonais planas. O modo pelo qual tais superf³cies s~ao de¯ni<strong>das</strong><br />
sera elucidado atraves de exemplos. Um primeiro exemplo dessas superf³cies e otoro<br />
plano.<br />
O toro plano e constru³do da seguinte maneira:<br />
Aregi~ao poligonal plana, tomada como ponto de partida, e umret^angulo plano.<br />
Para produzir o toro plano, s~ao \cola<strong>das</strong>", aos pares, as arestas opostas (lados opostos)<br />
do ret^angulo, uma na outra. Se o ret^angulo e visto por nos como tendo uma aresta de<br />
cima, outra de baixo, e outras duas laterais µa direitaeµa esquerda, colam-se ent~ao, a<br />
aresta de cima na de baixo e a direita na esquerda.<br />
Asuperf³cie resultante, assim obtida, e otoro plano.<br />
Figura 1.2: O toro plano e representado por um diagrama retangular. As setas demarca<strong>das</strong><br />
no ret^angulo indicam que as arestas de setas simples ser~aocola<strong>das</strong>umasobrea<br />
outra, bem como as arestas de setas duplas. Repare que, apos a colagem, os quatro<br />
vertices do ret^angulo tornam-se um unico ponto no toro plano.<br />
E preciso que ¯que claro o que signi¯ca \colar" uma aresta em outra! N~ao signi¯ca<br />
que passamos cola numa <strong>das</strong> arestas e a grudamos na outra. Signi¯ca, isto sim, que,<br />
apos a colagem, um habitante (bi-dimensional) ¯ct³cio dessa superf³cie, ao cruzar a<br />
aresta superior, emerge para dentro do ret^angulo atraves da aresta inferior. Ao cruzar a<br />
aresta da direita, ele emerge superf³cie adentro atraves da aresta esquerda do ret^angulo.<br />
Veja ¯gura 1.3.<br />
Figura 1.3: Tri^angulo e Quadrado, em passeio pelo toro plano.
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 5<br />
Figura 1.4: Nesta ¯gura temos um modelo do toro \mergulhado" (ou seja, constru³do)<br />
no espa»co tri-dimensional euclidiano, obtido pelas colagens dos lados do ret^angulo<br />
da ¯gura 1.2, conforme as instru»c~oes da<strong>das</strong>. Esta superf³cie e chamada toro bidimensional<br />
ordinario. Note que para mergulha-lo no espa»co tridimensional algumas<br />
deforma»c~oeslegaiss~ao necessarias.<br />
Apos a colagem, o ret^angulo deixa de existir, pois, ao contrario do ret^angulo, a<br />
superf³cie do toro plano n~ao tem bordo. O ret^angulo e um exemplo de uma superf³cie<br />
com bordo.<br />
Amaioria<strong>das</strong>superf³cies que estudaremos n~ao t^em bordo, tal como as superf³cies<br />
do toro plano e da esfera. O plano euclidiano tambem n~ao tem bordo, porem ele n~ao e<br />
uma superf³cie fechada, num sentido que adiante tornaremos mais preciso.<br />
Uma segunda superf³cie de¯nida abstratamente e agarrafa de Klein plana. A<br />
garrafa de Klein plana e concebida da seguinte maneira:<br />
Toma-se novamente, como ponto de partida, um ret^angulo plano. Colamos a aresta<br />
superior na inferior, como na constru»c~ao do toro plano. Em seguida, colamos a aresta<br />
esquerda na direita, apos aplicarmos uma \retor»c~ao de 180 ± " numa <strong>das</strong> extremidades da<br />
faixa retangular. Veja na ¯gura 1.8, o resultado da tentativa de contruir-se um modelo<br />
da garrafa de Klein no espa»co euclidiano tridimensional.<br />
Figura 1.5: A garrafa de Klein plana e representada pelo diagrama acima. As setas<br />
demarca<strong>das</strong> no ret^angulo indicam que as arestas de setas simples ser~ao cola<strong>das</strong> uma<br />
sobre a outra, bem como as arestas de setas duplas, de modo que as setas se \encaixem"<br />
na colagem. Note que para sobrepor as setas duplas, ao colar a aresta direita na<br />
esquerda, e necessario retorcer a faixa retangular antes de colar. Veri¯que que, apos a<br />
colagem, os quatro vertices do ret^angulo ser~ao um so ponto na garrafa Klein.<br />
Observe, na ¯gura 1.6, a faixa retangular ao meio da garrafa de Klein. Esta e uma<br />
faixa de MÄobius. Para construir um modelo da faixa de MÄobius, tome uma tira de papel
6 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
de uns 30 cm de comprimento por uns 5 cm de largura. Cole ent~ao as extremidades,<br />
apos aplicar uma retor»c~ao de 180 ± a uma <strong>das</strong> extremidades. Veja ¯gura 1.7.<br />
Figura 1.6: Uma faixa de MÄobius na garrafa de Klein plana.<br />
Figura 1.7: Constru»c~ao de um modelo da faixa de MÄobius.<br />
Figura 1.8: Tentativa de constru»c~ao de um modelo da garrafa de Klein no espa»co<br />
euclidiano tridimensional. No quinto estagio da constru»c~ao, uma <strong>das</strong> extremidades do<br />
tubo cil³ndrico tem que passar \atraves" da superf³cie, para que os pontos A, B e C<br />
possam ser colados sobre os pontos A 0 , B 0 e C 0 . Como n~ao e permitido cortar a superf³cie,<br />
nossa unica sa³da econstruiragarrafaapartirdeumapel³cula \fantasma". Nesse<br />
caso, a superf³cie da garrafa passa atraves de si mesma, sem porem auto-interceptar-se.
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 7<br />
Umaterceirasuperf³cie de¯nida abstratamente eoplano projetivo. Para constru³lo,<br />
em vez de uma regi~ao poligonal plana, podemos considerar inicialmente o hemisferio<br />
sul da superf³cie de uma esfera, uma semi-esfera. Colamos ent~ao cada ponto da linha<br />
do equador (bordo da semi-esfera) ao ponto do equador diametralmente oposto. A<br />
superf³cie assim produzida e chamada plano projetivo. Veja ¯gura 1.9.<br />
Figura 1.9: Constru»c~ao do plano projetivo. Os pontos A, B e C s~ao colados nos<br />
pontos diametralmente opostos A 0 , B 0 e C 0 , respectivamente. Assim sendo, o arco<br />
AB sera colado no arco A 0 B 0 ,apos uma retor»c~ao. Tambem ser~ao colados, com uma<br />
retor»c~ao, o arco BC em B 0 C 0 ,eoarcoCA em C 0 A 0 .<br />
Figura 1.10: O plano projetivo tambem pode ser representado por um diagrama plano<br />
circular, de duas arestas curvil³neas, como na ¯gura. Imagine a regi~ao circular plana<br />
como uma semi-esfera achatada, apos uma deforma»c~ao legal. Cada ponto do bordo<br />
circular e colado no ponto diametralmente oposto. Neste caso, a aresta curvil³nea µa<br />
esquerda e coladanaarestacurvil³nea µa direita apos aplicarmos uma retor»c~ao de 180 ±<br />
num dos dois lados. Isto e imposs³vel de se construir no mundo real. Repare que,<br />
apos a colagem, os dois pontos demarcados por A tornam-se um so ponto do plano<br />
projetivo.<br />
1.4 Superf³cies orientaveis<br />
esuperf³cies n~ao orientaveis<br />
Repare na ¯gura 1.11 o que acontece quando o jovem Quadrado, habitante da faixa de<br />
MÄobius, resolve dar um passeio ao longo dela.<br />
Ao retornar do passeio, ele tenta retomar sua posi»c~ao original, dando um giro de<br />
180 ± em torno de si mesmo, mas o melhor que consegue e colocar-se\depe", olhando
8 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
paraadire»c~ao oposta µa que olhava quando partiu. Por causa disto, dizemos que o<br />
caminho percorrido por Quadrado e umcaminho que inverte orienta»c~ao.<br />
Figura 1.11: Apos um passeio ao longo da faixa de MÄobius, o jovem Quadrado retorna<br />
invertido, assumindo a posi»c~ao de sua \imagem num espelho".<br />
Tornamos a lembrar aqui que nossas superf³cies, por serem ideais, n~ao t^em espessura.<br />
Assim, enquanto Quadrado passeia pela faixa, ele pode ser visto nos \dois<br />
lados" da superf³cie. A frase \dois lados" vem entre aspas porque, na verdade, a faixa<br />
de MÄobius, assim constru³da, dentro do espa»co euclidiano tri-dimensional, tem apenas<br />
umaface(eapenasumbordo).<br />
Uma superf³cie contendo um caminho fechado que inverte orienta»c~ao e chamada<br />
superf³cie n~ao orientavel. Um caminho que inverte orienta»c~ao e um caminho que<br />
pode ser representado pelo diagrama que aparece µa direita na ¯gura 1.6, ou seja, que e,<br />
na verdade, uma faixa de MÄobius. Assim, e n~ao orientavel toda superf³cie que contem<br />
dentro de si uma faixa de MÄobius. Se a superf³cie n~ao contem nenhum caminho fechado<br />
desse tipo ela e umasuperf³cie orientavel.<br />
A garrafa de Klein e o plano projetivo s~ao superf³cies n~ao orientaveis. Ja a esfera<br />
e o toro bi-dimensional s~ao superf³cies orientaveis.<br />
Figura 1.12: Na constru»c~ao do plano projetivo, o arco BC e colado no arco B 0 C 0 apos<br />
uma retor»c~ao. Isto produz uma faixa de MÄobius dentro do plano projetivo.<br />
1.5 Superf³cies fecha<strong>das</strong><br />
Uma superf³cie e chamada superf³cie fechada quando n~ao tem bordo e, ao mesmo<br />
tempo, pode ser subdividida em um numero ¯nito de peda»cos triangulares. Isto faz com<br />
que a dist^ancia geodesica entre quaisquer dois de seus pontos nunca seja maior que uma<br />
certa dist^ancia maxima.
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 9<br />
Suporemos apriorique um tri^angulo numa superf³cie e umapor»c~ao da superf³cie<br />
homeomorfa a uma regi~ao triangular plana. Tal como um tri^angulo plano, um tri^angulo<br />
de uma superf³cie e dotadodetr^es vertices, tr^es arestas e uma face. Assumiremos<br />
tambem que as arestas de um tri^angulo s~ao segmentos geodesicos da superf³cie.<br />
Uma cole»c~ao de tri^angulos de uma superf³cie sera chamada uma triangula»c~ao da<br />
superf³cie se obedecer a certas regras de \bom comportamento", sendo elas:<br />
I. Cada par de tri^angulos da cole»c~aotememcomumumaarestaouumvertice, ou<br />
nada tem comum;<br />
II. Cada aresta de um desses tri^angulos e comum a exatamente dois tri^angulos;<br />
III. Para cada par de pontos A e B da superf³cie, existem tri^angulos, digamos<br />
¢1; ¢2;::: ;¢n, comA na regi~ao triangular ¢1 e B na regi~ao triangular ¢n,<br />
tal que cada dois tri^angulos consecutivos desta seqÄu^encia t^em uma aresta em comum.<br />
Esta condi»c~ao garante que a superf³cie e conexa por caminhos, istoe,<br />
para cada dois pontos A e B da superf³cie, podemos ir de A ate B por um caminho<br />
tra»cado em uma faixa de tri^angulos.<br />
O plano Euclidiano n~ao tem bordo, porem, sempre que ¯xarmos uma dist^ancia<br />
qualquer, havera dois pontos do plano Euclidiano separados por uma dist^ancia maior<br />
que a dist^ancia ¯xada. Assim, apesar de n~ao ter bordo, o plano Euclidiano n~ao e<br />
uma superf³cie fechada, pois n~ao pode ser subdividido em um numero ¯nito de regi~oes<br />
triangulares. Um ret^angulo plano n~ao e umasuperf³cie fechada, pois tem bordo. A<br />
esfera, o toro, a garrafa de Klein e o plano projetivo s~ao superf³cies fecha<strong>das</strong>.<br />
Por serem reuni~ao de um numero ¯nito de tri^angulos, as superf³cies fecha<strong>das</strong> s~ao<br />
chama<strong>das</strong> superf³cies compactas. Assim, o termo superf³cie fechada e sin^onimo de<br />
superf³cie compacta e sem bordo. O plano euclidiano e triangulavel, porem atraves de<br />
uma cole»c~ao in¯nita de tri^angulos, e por isto n~ao e compacto.<br />
Quando a superf³cie n~ao e fechada e, ao mesmo tempo, n~ao tem bordo, tal como<br />
o plano Euclidiano, ela e chamada de superf³cie aberta.<br />
1.6 Somas conexas de superf³cies<br />
Suponhamos que s~ao da<strong>das</strong> duas superf³cies, as quais chamaremos de M e N. Asoma<br />
conexa de M e N e umanovasuperf³cie, que indicaremos por M#N, constru³da da<br />
seguinte maneira. Comece por considerar M e N como duas superf³cies separa<strong>das</strong> uma<br />
da outra sem pontos em comum, proximas uma da outra.<br />
Em seguida corte e remova uma pequena regi~ao circular de cada uma <strong>das</strong> duas<br />
superf³cies. Isto criara um pequeno bordo circular em cada uma delas.<br />
Finalmente, estique um pouquinho as duas superf³cies para fora, puxando-as pelos<br />
seus bordos circulares, fazendo com que os dois bordos se aproximem e, ¯nalmente, cole<br />
os bordos circulares um no outro, obtendo a soma conexa de M e N. Veja ¯gura 1.13.
10 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
Figura 1.13: Exemplo de soma conexa de duas superf³cies. No diagrama inicial, a<br />
superf³cie µa esquerda e umtoro de genus 2 ou bitoro (o bitoro e a soma conexa de<br />
dois toros). No diagrama ¯nal, temos a soma conexa de um bitoro e um toro, o toro<br />
de genus 3.<br />
Um resultado famoso da topologia <strong>das</strong> superf³cies diz que, alem <strong>das</strong> quatro superf³cies<br />
basicas vistas anteriormente | a esfera, o toro, a garrafa de Klein e o plano projetivo<br />
| to<strong>das</strong> as demais superf³cies fecha<strong>das</strong> conceb³veis s~ao constru³<strong>das</strong> a partir dessas<br />
superf³cies basicas, atraves de um numero ¯nito de somas conexas. Mais precisamente,<br />
temos os seguintes fatos, a serem esclarecidos no proximo cap³tulo:<br />
1. Toda superf³cie orientavel e, topologicamente, uma esfera ou um toro, ou uma<br />
soma conexa de dois ou mais toros.<br />
2. Toda a superf³cie n~ao orientavel e, topologicamente, um plano projetivo, ou uma<br />
soma conexa de dois ou mais planos projetivos.<br />
O leitor pode perguntar-se porqu^e a garrafa de Klein n~ao foi citada nas duas<br />
propriedades acima. Pode perguntar ainda como ¯ca a soma conexa de uma superf³cie<br />
orientavel com uma n~ao orientavel. A resposta a estas quest~oes vira aseutempo. No<br />
momento, para que pense a respeito dessas quest~oes, adiantaremos dois fatos, deveras<br />
surpreendentes, que estabeleceremos no proximo cap³tulo:<br />
² A garrafa de Klein e, topologicamente falando, a soma conexa de dois planos<br />
projetivos.<br />
² A soma conexa de um toro e um plano projetivo e, topologicamente, a soma<br />
conexa de uma garrafa de Klein com um plano projetivo.
2<br />
To<strong>das</strong>assuperf³cies fecha<strong>das</strong><br />
conceb³veis<br />
As superf³cies basicas ate agora examina<strong>das</strong> ser~ao, a partir de agora, indica<strong>das</strong> por<br />
nota»c~oes especiais, conforme a tabela abaixo.<br />
Anota»c~ao que e lida denota a superf³cie<br />
S 2 esse dois esfera bidimensional<br />
T 2 t^e dois toro bidimensional<br />
K 2 ca dois garrafa de Klein<br />
P 2 p^e dois plano projetivo bidimensional<br />
Nosso objetivo neste cap³tulo e deduzir o seguinte resultado:<br />
A lista de to<strong>das</strong> as superf³cies fecha<strong>das</strong> conceb³veis e a seguinte:<br />
S 2<br />
T 2 P 2<br />
T 2 #T 2 P 2 #P 2<br />
T 2 #T 2 #T 2 P 2 #P 2 #P 2<br />
.<br />
sendo que, S 2 , T 2 , T 2 #T 2 , T 2 #T 2 #T 2 ,etc.,e a lista (in¯nita) de to<strong>das</strong> as superf³cies<br />
orientaveis, enquanto que P 2 , P 2 #P 2 , P 2 #P 2 #P 2 ,etc.,e a lista (in¯nita) de to<strong>das</strong><br />
as superf³cies n~ao orientaveis.<br />
S 2 aparece somente uma vez na listagem acima porque S 2 e elemento neutro na<br />
soma conexa de superf³cies. Em outras palavras, se M e umasuperf³cie, ent~ao M#S 2<br />
e M s~ao superf³cies homeomorfas, ou seja, topologicamente M#S 2 = M. Entenda isto<br />
examinando a ¯gura 2.1.<br />
A garrafa de Klein parece n~ao fazer parte desta lista mas, na verdade, a soma<br />
conexa de dois planos projetivos e uma garrafa de Klein! Isto e mostrado em detalhes<br />
11<br />
.
12 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
adiante, pela ¯gura 2.3. Em linguagem simbolica,<br />
P 2 #P 2 = K 2<br />
Figura 2.1: Topologicamente, M#S 2 = M.<br />
Outro fato notavel e o de que a soma conexa de um toro e um plano projetivo e<br />
uma superf³cie homeomorfa µa soma conexa de uma garrafa de Klein e um plano projetivo.<br />
Em linguagem simbolica,<br />
T 2 #P 2 = K 2 #P 2<br />
Reparou que n~ao podemos \cancelar" a superf³cie P 2 emambosostermosdaigualdade<br />
acima?<br />
ConseqÄuentemente,<br />
T 2 #P 2 = P 2 #P 2 #P 2<br />
Se duas superf³cies s~ao representa<strong>das</strong> por diagramas poligonais planos, ent~ao a<br />
soma conexa delas e facilmente representada por um diagrama poligonal plano, conforme<br />
ilustramos na ¯gura 2.2. Repare que o diagrama da soma conexa de duas superf³cies e<br />
obtido por um \encaixe" dos diagramas <strong>das</strong> superf³cies, atraves de um vertice escolhido<br />
em cada uma.<br />
Os seguintes fatos s~ao generaliza»c~oesdefatosobservadosnas¯guras2.2e2.3:<br />
² A soma conexa de n toros planos, nT 2 = T 2 # :::#T 2<br />
| {z }<br />
n termos<br />
, que e umtoro de genus<br />
n (um toro com n \buracos"), pode ser representada por uma regi~ao poligonal<br />
plana de 4n lados (um 4n-agono). Um toro e representado por um ret^angulo,<br />
um toro de genus 2e representado por um octogono, um toro de genus 3e<br />
representado por um dodecagono (12-agono), e assim por diante. Alem disso,<br />
no diagrama poligonal de cada uma dessas superf³cies, todos os 4n vertices, apos<br />
colagens, tornam-se um unico ponto da superf³cie.<br />
² Analogamente, a soma conexa de n planos projetivos, n ¸ 2, pode ser representada<br />
por uma regi~ao poligonal plana de 2n lados (um 2n-agono). A garrafa de Klein,
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 13<br />
soma conexa de 2 planos projetivos, e representada por um ret^angulo, a soma<br />
conexa de 3 planos projetivos e representada por um hexagono, e assim por diante.<br />
Alem disso, tambem no diagrama poligonal de cada uma dessas somas conexas,<br />
todos os 2n vertices correspondem a um unico ponto da superf³cie.<br />
Figura 2.2: Constru»c~ao do diagrama da soma conexa de dois toros (bitoro). Em cada<br />
toro, as arestas s~ao etiqueta<strong>das</strong> por letras e setas, de modo que arestas etiqueta<strong>das</strong><br />
pelas mesmas letras s~ao cola<strong>das</strong> uma sobre a outra, conforme as orienta»c~oes da<strong>das</strong><br />
pelas setas demarca<strong>das</strong> nas arestas. Removendo uma regi~ao circular de cada um dos<br />
toros, tomamos o cuidado de faz^e-lo de modo que cada bordo circular comece e termine<br />
num determinado vertice do diagrama poligonal. Na opera»c~ao de soma conexa <strong>das</strong><br />
duas superf³cies, o bordo circular e eent~ao colado no bordo circular f. Como se v^e, isto<br />
gera uma representa»c~ao octogonal do bitoro, com arestas cola<strong>das</strong> aos pares conforme<br />
o diagrama ¯nal. Note que, ao ¯nal, todos os vertices do octogono ser~ao colados<br />
num so lugar, representando um so ponto no bitoro resultante. Repare tambem que o<br />
diagrama da soma conexa e uma \justaposi»c~ao," atraves dos dois vertices destacados<br />
na ¯gura, dos diagramas <strong>das</strong> superf³cies soma<strong>das</strong>.
14 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
Figura 2.3: A seqÄu^encia de ilustra»c~oes mostra que a soma conexa de dois planos<br />
projetivos e uma garrafa de Klein. Apos o recorte estrategico da soma conexa ao longo<br />
da linha c, opeda»co numero 1 e rebatido em 180 ± em rela»c~ao ao plano do papel, e os<br />
peda»cos 1 e 2 s~ao ent~ao colados ao longo da aresta b. Note que, tambem neste caso,<br />
todos os vertices do ret^angulo resultante s~ao colados num so ponto.<br />
2.1 Diagramas poligonais para to<strong>das</strong> as superf³cies<br />
fecha<strong>das</strong><br />
Nesta se»c~ao trataremos de mostrar que, para cada superf³cie fechada, eposs³vel construir<br />
um diagrama poligonal convexo plano que a representa. Em outras palavras, e poss³vel<br />
construir uma regi~ao poligonal convexa plana, com as arestas etiqueta<strong>das</strong> aos pares, por<br />
letras e por setas, de modo que, colando-se os pares de arestas com etiquetas iguais,<br />
segundo as orienta»c~oes <strong>das</strong> setas, reconstru³mos, topologicamente, a superf³cie. Assim,<br />
o diagrama poligonal plano e um \mapa" topologico da superf³cie.<br />
Faremos uso agora da propriedade de que toda superf³cie fechada pode ser subdividida<br />
em um numero ¯nito de peda»cos triangulares.<br />
Sendo dada ent~ao uma superf³cie fechada S, subdividimo-la em tri^angulos, tal<br />
como descrito acima. Num processo de \recorte", \decompomos" a superf³cie S em<br />
peda»cos triangulares, dispondo-os, separadamente uns dos outros, num plano euclidiano,<br />
deformando-os em tri^angulos euclidianos planos, conforme necessario.<br />
Em seguida, etiquetamos (nomeamos) as arestas desses tri^angulos por letras a, b,
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 15<br />
c, etc., de modo a guardar a informa»c~ao da \colagem" organizada que deve ser levada a<br />
termo se quisermos reconstruir a superf³cie original. Se duas arestas devem ser cola<strong>das</strong><br />
uma na outra, etiquetamos ambas com a mesma letra.<br />
Nesse \desmonte" da superf³cie, alem da etiquetagem <strong>das</strong> arestas por letras,<br />
tambem etiquetamos as arestas com setas, de modo a manter a informa»c~ao acerca<br />
de como s~ao colados dois tri^angulos quando t^em uma aresta em comum. As setas demarca<strong>das</strong><br />
s~ao necessarias para nos indicar, em pares de arestas a serem cola<strong>das</strong>, quais<br />
s~ao os vertices iniciais e quais s~ao os vertices ¯nais.<br />
Uma vez conclu³da a decomposi»c~ao e subseqÄuente etiqueta»c~ao de arestas conforme<br />
descrito acima, procedemos a uma recolagem estrategica dos tri^angulos, a ¯m de obter<br />
o que chamamos de uma representa»c~ao poligonal plana da superf³cie.<br />
Figura 2.4: Constru»c~ao de um diagrama poligonal representando a esfera, atraves de<br />
uma triangula»c~ao da superf³cie esferica.<br />
A recolagem estrategica e feita da seguinte maneira:<br />
Tomamos um dos tri^angulos \recortados," digamos que ele tenha arestas a; b e c, e<br />
procuramos,dentreosdemaistri^angulos, um que tenha tambem uma aresta etiquetada<br />
com uma dessas tr^es letras.<br />
\Colamos" os dois tri^angulos, um no outro, ao longo de uma aresta com etiqueta<br />
comum, respeitando a orienta»c~ao de colagem ditada pelas setas demarca<strong>das</strong>, isto e,<br />
colando as arestas de modo que as setas demarca<strong>das</strong> se justaponham.<br />
O quadrilatero plano formado pela colagem desses dois tri^angulos e ent~ao deformado,<br />
caso necessario, de modo a tornar-se convexo.<br />
Em seguida, procuramos, dentre os tri^angulos restantes, um que tenha uma aresta<br />
com mesma etiqueta de um dos lados desse quadrilatero.<br />
Colamos o tri^angulo no quadrilatero e deformamos a nova ¯gura poligonal, agora
16 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
com seis arestas, de modo a torna-la convexa.<br />
Se n~ao houver mais tri^angulos remanescentes, o processo de colagem termina.<br />
Caso contrario, prosseguimos sempre procurando um tri^angulo remanescente que<br />
tenha uma aresta de mesma etiqueta de uma <strong>das</strong> arestas da ¯gura poligonal obtida ate<br />
omomento.<br />
Em cada estagio, havendo tri^angulos remanescentes, sempre seraposs³vel encontrar<br />
um tri^angulo que tenha etiqueta (letra) em comum com uma <strong>das</strong> arestas da regi~ao<br />
poligonal obtida ate ent~ao. Istosedeveaofatodeque,seiston~ao for poss³vel, ent~ao as<br />
arestas da regi~ao poligonal formada estar~ao repeti<strong>das</strong> aos pares e essa regi~ao ja estara<br />
representando ent~ao uma superf³cie fechada, estando esta superf³cie \desconectada" dos<br />
demais tri^angulos, n~ao sendo portanto conexa por caminhos, violando a 3 a condi»c~ao de<br />
\bom comportamento" da triangula»c~ao.<br />
Assim prosseguimos ate obter uma regi~ao poligonal convexa de um numero par de<br />
lados, representando a superf³cie S. Nesta superf³cie, as arestas estar~ao identi¯ca<strong>das</strong>,<br />
ou seja, etiqueta<strong>das</strong>, aos pares, com letras iguais. Talvez as letras do alfabeto latino<br />
n~ao sejam su¯cientes para a etiquetagem de to<strong>das</strong> as arestas. Nesse caso podemos, por<br />
exemplo, etiquetar as arestas com numeros inteiros positivos.<br />
Certas representa»c~oes poligonais de superf³cies provem de simpli¯ca»c~oes de representa»c~oes<br />
poligonais com maior numero de arestas. E o caso, por exemplo, <strong>das</strong> representa»c~oes<br />
ja vistas do toro plano e da garrafa de Klein plana, da representa»c~ao circular<br />
do plano projetivo e da representa»c~ao circular da esfera (permitindo-nos, nestes casos,<br />
o uso de arestas curvil³neas). Veja ¯gura 2.5.<br />
Figura 2.5: Representa»c~oes poligonais simpli¯ca<strong>das</strong> <strong>das</strong> quatro superf³cies fecha<strong>das</strong><br />
\basicas".
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 17<br />
2.2 Paraca<strong>das</strong>uperf³cie fechada, uma \palavra"<br />
Uma vez que podemos representar cada superf³cie fechada por um diagrama poligonal<br />
plano com arestas etiqueta<strong>das</strong> por letras e setas, veremos agora que, a cada representa-<br />
»c~ao poligonal de uma superf³cie fechada, podemos associar uma \senha" ou \palavra"<br />
que guarda toda a informa»c~ao acerca dessa con¯gura»c~ao poligonal plana, bem como<br />
<strong>das</strong> letras e setas etiquetando suas arestas. Uma tal senha e chamada uma palavra<br />
representa»c~ao da superf³cie.<br />
Para montarmos uma palavra representa»c~ao de uma superf³cie, tomamos uma representa»c~ao<br />
poligonal plana da mesma e percorremos o contorno do pol³gono, a partir de<br />
um vertice qualquer, no sentido horario ou anti-horario, realizando uma volta completa.<br />
Nesse percurso, ao passarmos por cada aresta, anotamos a letra que da onome<br />
µa aresta. Anexamos-lhe porem um \expoente" ¡1 caso estejamos percorrendo a aresta<br />
no sentido contrario ao da seta nela demarcada. Assim, ao passarmos por uma aresta,<br />
digamos c, se nosso sentido de percurso for a favor do sentido da seta em c, escrevemos<br />
\c". Se o nosso sentido de percurso for contrario ao sentido indicado pela seta,<br />
escrevemos \c ¡1 ".<br />
Justapondo ent~ao as anota»c~oes <strong>das</strong> sucessivas arestas, com expoentes \¡1" anexados<br />
quando for o caso, formamos uma senha ou palavra que guarda toda a informa»c~ao<br />
acerca da representa»c~ao poligonal da superf³cie.<br />
Observe as representa»c~oes poligonais do toro, da garrafa de Klein, da esfera e do<br />
plano projetivo, da<strong>das</strong> na ¯gura 2.5. A partir delas, escrevemos as nossas primeiras<br />
palavras representa»c~oes:<br />
superf³cie palavra<br />
toro plano aba ¡1 b ¡1<br />
garrafa de Klein aba ¡1 b<br />
esfera aa ¡1<br />
plano projetivo aa<br />
Escrevemos ent~ao S 2 ´ aa ¡1 , T 2 ´ aba ¡1 b ¡1 , K 2 ´ aba ¡1 b e P 2 ´ aa.<br />
Quando M e umasuperf³cie e W e uma palavra representa»c~ao que a representa,<br />
escrevemos M ´ W .SeW1 e W2 s~ao palavras representando superf³cies homeomorfas,<br />
tambem escrevemos W1 ´ W2.<br />
Numa representa»c~ao poligonal de uma superf³cie fechada, as arestas s~ao etiqueta<strong>das</strong><br />
aos pares com letras iguais. Assim, a palavra representa»c~ao de uma superf³cie tera<br />
sempre letras repeti<strong>das</strong> aos pares.<br />
Reciprocamente, suponhamos que nos e dada uma palavra dessa natureza, digamos<br />
acdc ¡1 db ¡1 a ¡1 b<br />
Nesta palavra, cada letra e dada duas vezes, num total de 8 letras, conta<strong>das</strong> as<br />
repeti»c~oes. Assim, trata-se da palavra associada a um diagrama octogonal. Deste modo,
18 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
esbo»camos um octogono e nele etiquetamos as arestas, seqÄuencialmente, conforme as<br />
letras da<strong>das</strong> na palavra, por a; c; d; c; d; b; a; b. Em seguida, percorrendo o per³metro<br />
octogonal no sentido horario,apartirdaprimeiraarestaa, demarcamos uma seta em<br />
cada aresta, apontando contra ou a favor do sentido do percurso, conforme tenhamos<br />
ou n~ao, na palavra dada, a presen»ca do expoente ¡1 na letra correspondente µa aresta<br />
sendo percorrida. No caso deste nosso exemplo, a palavra dada, acdc ¡1 db ¡1 a ¡1 b, esta<br />
associada ao diagrama da ¯gura 2.6.<br />
Figura 2.6: O diagrama acima esta associado µa palavraacdc ¡1 db ¡1 a ¡1 b. Percorrendo<br />
o bordo do octogono em sentido anti-horario, a partir do vertice destacado, deduzimos<br />
que o mesmo diagrama tambem esta associado µa palavra b ¡1 abd ¡1 cd ¡1 c ¡1 a ¡1 .<br />
Veri¯que que os oito vertices, apos as colagens, de¯nem um unico ponto na superf³cie.<br />
2.3 A palavra representa»c~aodeumasomaconexa<br />
Um fato notavel sobre as palavras representa»c~oes de superf³cies e que, sendo da<strong>das</strong> duas<br />
superf³cies S1 e S2, tendo elas palavras representa»c~oes W1 e W2, tomando-se o cuidado<br />
de usar em W1 letras diferentes <strong>das</strong> usa<strong>das</strong> em W2, asuperf³cie S1#S2, soma conexa<br />
de S1 e S2, tem palavra representa»c~ao W1W2, ouseja,<br />
A palavra representa»c~ao de S1#S2 e obtida por justaposi»c~ao <strong>das</strong> palavras representa»c~oes<br />
de S1 e S2, desde que estas n~ao tenham letras em comum.<br />
Assim, por exemplo, a soma conexa de dois toros, o bitoro, e representada pela<br />
palavra aba ¡1 b ¡1 cdc ¡1 d ¡1 ,obtidapelajustaposi»c~ao <strong>das</strong> palavras aba ¡1 b ¡1 e cdc ¡1 d ¡1 ,<br />
cada uma destas representando um toro. Isto pode ser observado diretamente atraves<br />
da ¯gura 2.2, µa pagina 13. Va atela e con¯ra.<br />
Outros exemplos de palavras representando somas conexas s~ao:<br />
² P 2 #P 2 ´ aabb<br />
² T 2 #S 2 ´ aba ¡1 b ¡1 cc ¡1<br />
² K 2 #P 2 ´ aba ¡1 bcc<br />
Observe tambem que se uma palavra representa»c~ao W e formada por dois blocos<br />
consecutivos A e B, sem letras em comum, ent~ao W representaasomaconexade
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 19<br />
duas superf³cies, a primeira representada por A e a segunda representada por B. Assim,<br />
por exemplo, W = abacb ¡1 cxyx ¡1 y ¡1 representa a soma conexa <strong>das</strong> superf³cies S1 ´<br />
abacb ¡1 c e S2 ´ xyx ¡1 y ¡1 .<br />
2.4 Transformando palavras sem alterar a topologia<br />
Dada uma palavra representa»c~ao de uma superf³cie, podemos aplicar a ela certas transforma»c~oes,<br />
sem alterar a topologia da superf³cie. Trataremos aqui <strong>das</strong> mais importantes.<br />
Daqui em diante, representaremos a soma conexa de n toros por nT 2 ,eaden<br />
planos projetivos por nP 2 . As superf³cies da esfera, da soma conexa de n toros, e da<br />
soma conexa de n planos projetivos s~ao, respectivamente, representa<strong>das</strong> pelas palavras<br />
1. S 2 ´ aa ¡1 ;<br />
2. nT 2 ´ a1b1a ¡1<br />
1 b ¡1<br />
1 :::anbna ¡1<br />
n b ¡1<br />
n ;<br />
3. nP 2 ´ a1a1 :::anan.<br />
Nesta se»c~ao provaremos que, n~ao importa qual seja a palavra representa»c~ao de<br />
uma superf³cie, e poss³vel aplicar a essa palavra um certo numero de transforma»c~oes e,<br />
sem alterar a topologia da superf³cie, chegar a uma palavra com uma <strong>das</strong> tr^es formas<br />
acima. Convencionaremos que 1T 2 = T 2 , 1P 2 = P 2 , e que 0T 2 =0P 2 = S 2 ,ja que<br />
S 2 e elemento neutro da soma conexa de superf³cies.<br />
2.4.1 Transforma»c~oes praticamente obvias<br />
Estudaremos agora um conjunto de oito transforma»c~oes de palavras que preservam a<br />
topologia <strong>das</strong> superf³cies representa<strong>das</strong>. Com tal conjunto de transforma»c~oes, nos sera<br />
poss³vel classi¯car as superf³cies fecha<strong>das</strong> em termos de somas conexas de toros e de<br />
planos projetivos.<br />
Transforma»c~ao 1 Sendo A e B blocos de letras quaisquer,<br />
Axx ¡1 B ´ AB ´ Ax ¡1 xB<br />
Demonstra»c~ao. Esta propriedade e demonstrada geometricamente pelos passos delineados<br />
na ¯gura 2.7.<br />
Adotaremos a conven»c~ao aa ¡1 =1=a ¡1 a, tendo portanto S 2 ´ 1.<br />
Em palavras tais como Axx ¡1 B, AxBx ¡1 C, bem como em outras a serem descritas<br />
adiante, cada um dos blocos de letras A, B, C, etc., pode ser vazio (ausente)<br />
ou n~ao. Quando um bloco A esta ausente, escrevemos A ´ 1. Assim, por exemplo,<br />
a palavra xBx ¡1 C tem a forma AxBx ¡1 C, sendo A ´ 1. Analogamente Axx ¡1 B<br />
tambem tem a forma AxCx ¡1 B, sendo C ´ 1. A palavra vazia, W ´ 1,e representa»c~ao<br />
da esfera S 2 .
20 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
Figura 2.7: Axx ¡1 B ´ AB.<br />
Transforma»c~ao 2 Sendo x uma letra na palavra representa»c~ao W , podemos em W<br />
trocar simultaneamente x por x ¡1 e x ¡1 por x. Em outras palavras,<br />
1. AxBx ¡1 C ´ Ax ¡1 BxC, e<br />
2. AxBxC ´ Ax ¡1 Bx ¡1 C<br />
para quaisquer blocos de letras A, B e C.<br />
Demonstra»c~ao. Tais transforma»c~oes s~ao obti<strong>das</strong> quando fazemos uma segunda escolha<br />
para a orienta»c~ao <strong>das</strong> setas correspondentes µa informa»c~ao de colagem <strong>das</strong> arestas x. A<br />
¯gura 2.8 ilustra geometricamente a transforma»c~ao do item 1. A transforma»c~ao do item<br />
2e justi¯cada com diagrama analogamente simples.<br />
Figura 2.8: Ambos os diagramas representam a mesma superf³cie.
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 21<br />
Transforma»c~ao 3 Se A e B s~ao dois blocos consecutivos, constituindo uma palavra<br />
representa»c~ao W ,istoe, se W = AB, ent~ao podemos permuta-los,ouseja,<br />
AB ´ BA<br />
Demonstra»c~ao. W = AB e palavra formada quando percorremos o diagrama poligonal<br />
da superf³cie, representada por W ,desdeaprimeiraarestadoblocoA ate aultima<br />
aresta do bloco B. Mantendo o mesmo sentido de percurso, se percorrermos esse<br />
diagrama partindo da primeira aresta do bloco B e chegando µa ultima aresta do bloco<br />
A, formaremos a palavra representa»c~ao BA. PortantoAB e BA representam a mesma<br />
superf³cie.<br />
Como exemplo da transformacao 3 temos:<br />
a ¡1 b ¡1 ccab = a ¡1 b ¡1 cc<br />
| {z }<br />
A<br />
ab<br />
|{z}<br />
B<br />
´ ab<br />
|{z}<br />
B<br />
a ¡1 b ¡1 cc = aba ¡1 b ¡1 cc<br />
| {z }<br />
A<br />
Sendo A um bloco de letras numa palavra W , representamos por A ¡1 o inverso<br />
do bloco A, quee de¯nido da seguinte maneira: se A e resultante da \leitura" de um<br />
blocodeletrasdapalavraW , quando o bordo da regi~ao poligonal correspondente a W<br />
e percorridonosentidohorario, ent~ao A ¡1 representa o mesmo bloco quando o bordo<br />
da regi~ao poligonal e percorridonosentidoanti-horario.<br />
Por exemplo,<br />
² se A = abc, ent~ao A ¡1 = c ¡1 b ¡1 a ¡1 ;<br />
² se A = ab ¡1 c ¡1 d ent~ao A ¡1 = d ¡1 cba ¡1<br />
De um modo geral, temos (com uma nota»c~ao n~ao muito esclarecedora), se A =<br />
a §1<br />
1 a §1<br />
2 :::a §1<br />
n¡1a §1<br />
n ent~ao A ¡1 = a ¨1<br />
n a ¨1<br />
n¡1 :::a ¨1<br />
2 a ¨1<br />
1 . Aqui, a +1<br />
k signi¯ca ak.<br />
Transforma»c~ao 4 Se W e palavra representa»c~ao de uma superf³cie S, ent~ao W ¡1<br />
tambem o e. Em outras palavras,<br />
W ´ W ¡1<br />
Demonstra»c~ao. W e W ¡1 s~ao resultados de \leituras", do bordo do pol³gono que<br />
representa a superf³cie S, em dois percursos com orienta»c~oes contrarias, um no sentido<br />
horario,outronosentidoanti-horario.<br />
Na ¯gura 2.6, temos um exemplo ilustrando a transforma»c~ao 4.<br />
Como exemplo, se W = abca ¡1 c ¡1 b,ent~ao<br />
W ¡1 = (abca ¡1 c ¡1 b) ¡1<br />
= b ¡1 (c ¡1 ) ¡1 (a ¡1 ) ¡1 c ¡1 b ¡1 a ¡1<br />
= b ¡1 cac ¡1 b ¡1 a ¡1<br />
Assim sendo, pela tranforma»c~ao 4, abca ¡1 c ¡1 b ´ b ¡1 cac ¡1 b ¡1 a ¡1
22 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
2.4.2 Uma transforma»c~ao inacreditavel<br />
Transforma»c~ao 5<br />
AxBCx ¡1 ´ AxCBx ¡1<br />
Em outras palavras, sendo x uma letra numa palavra representa»c~ao, podemos permutar<br />
dois blocos de letras quaisquer localizados entre x e x ¡1 .<br />
Demonstra»c~ao. Esta propriedade e demonstrada na ¯gura 2.9.<br />
Figura 2.9: AxBCx ¡1 ´ AxCBx ¡1 . Ao ¯nal <strong>das</strong> transforma»c~oes, podemos reatribuir<br />
o nome x µas arestas y, ja que a antiga aresta x deixou de existir durante as transforma»c~oes<br />
de recorte e colagem aplica<strong>das</strong> ao diagrama original.
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 23<br />
2.4.3 Uma transforma»c~ao esperta<br />
Transforma»c~ao 6<br />
bem como tambem<br />
AxBxC ´ AxxB ¡1 C<br />
AxBxC ´ AB ¡1 xxC<br />
Demonstra»c~ao. A propriedade AxBxC ´ AxxB ¡1 C e demonstrada na ¯gura 2.10.<br />
Como exerc³cio, tente demonstrar, de maneira analoga, que AxBxC ´ AB ¡1 xxC.<br />
Figura 2.10: AxBxC ´ AxxB ¡1 C. Ao ¯nal <strong>das</strong> transforma»c~oes, podemos reatribuir o<br />
nome x µas arestas y,ja que a antiga aresta x deixou de existir durante as transforma»c~oes<br />
de recorte e colagem aplica<strong>das</strong> ao diagrama original.
24 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
2.4.4 Duas transforma»c~oes imprescind³veis<br />
Transforma»c~ao 7<br />
AxByCx ¡1 Dy ¡1 ´ xyx ¡1 y ¡1 ADCB<br />
Demonstra»c~ao. Como veremos, combinando-se estrategicamente as transforma»c~oes 3<br />
(AB ´ BA) e5(AxBCx ¡1 ´ AxCBx ¡1 ), a palavra µa esquerda e transformada na<br />
palavra µa direita.<br />
Para maior clareza, indicamos entre par^enteses os blocos sendo permutados em<br />
cada passo.<br />
AxByCx ¡1 Dy ¡1 = Ax(B)(yC)x ¡1 Dy ¡1<br />
Transforma»c~ao 8<br />
´ Ax(yC)(B)x ¡1 Dy ¡1<br />
= AxyCBx ¡1 Dy ¡1<br />
= Axy(CB)(x ¡1 D)y ¡1<br />
´ Axy(x ¡1 D)(CB)y ¡1<br />
= Axyx ¡1 DCBy ¡1<br />
(transforma»c~ao 5)<br />
(transforma»c~ao 5)<br />
= (Axy)(x ¡1 DCBy ¡1 )<br />
´ (x ¡1 DCBy ¡1 )(Axy) (transforma»c~ao 3)<br />
= x ¡1 DCBy ¡1 Axy<br />
= x ¡1 (DCB)(y ¡1 A)xy<br />
´ x ¡1 (y ¡1 A)(DCB)xy (transforma»c~ao 5)<br />
= x ¡1 y ¡1 ADCBxy<br />
= (x ¡1 y ¡1 ADCB)(xy)<br />
´ (xy)(x ¡1 y ¡1 ADCB) (transforma»c~ao 3)<br />
= xyx ¡1 y ¡1 ADCB<br />
Axxaba ¡1 b ¡1 B ´ AxxaabbB<br />
Demonstra»c~ao. Esta transforma»c~ao e obtida por combina»c~oes <strong>das</strong> transforma»c~oes 2, 5<br />
e6.<br />
bem como<br />
Recordemo-nos de que, conforme a transforma»c~ao 6, temos<br />
AxxUV ´ AxU ¡1 xV;<br />
AxUxV ´ AxxU ¡1 V:
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 25<br />
Assim sendo,<br />
Axxaba ¡1 b ¡1 B = Axx(ab)a ¡1 b ¡1 B<br />
´ Ax(ab) ¡1 xa ¡1 b ¡1 B (transforma»c~ao 6)<br />
= Axb ¡1 a ¡1 xa ¡1 b ¡1 B<br />
´ AxbaxabB (transforma»c~ao 2)<br />
= Axb(axa)bB<br />
´ Axbb(axa) ¡1B (transforma»c~ao 6)<br />
= Axbba ¡1x ¡1a ¡1B ´ Axbbax ¡1aB (transforma»c~ao 2)<br />
= Axbba(x ¡1 )aB<br />
´ AxbbaaxB (transforma»c~ao 6)<br />
= Ax(bbaa)xB<br />
´ Axx(bbaa) ¡1 B (transforma»c~ao 6)<br />
´ Axxa ¡1 a ¡1 b ¡1 b ¡1 B<br />
´ AxxaabbB (transforma»c~ao 2)<br />
Na palavra AxBx ¡1 C, dizemos que o par x e x ¡1 eumpar concordante, ja<br />
que neste caso as arestas s~ao cola<strong>das</strong> uma na outra sem retor»c~ao. Tal par e tambem<br />
chamado par de inversos.<br />
Na palavra AxBxC, dizemos que o par de letras x e x e umpar retorcido, ja<br />
que tal par corresponde µa colagem, com uma retor»c~ao de 180 ± , de uma aresta em outra,<br />
ou seja, corresponde µa presen»ca de uma faixa de MÄobius na superf³cie representada pela<br />
palavra. Para simpli¯car, tambem podemos chamar tal par de par de letras repeti<strong>das</strong>.<br />
Assim, uma superf³cie e orientavel se uma palavra representa»c~ao dela possui somente<br />
pares de inversos. Em contrapartida, se uma palavra representa»c~ao de superf³cie<br />
possui um par de letras repeti<strong>das</strong>, a superf³cie e n~ao orientavel.<br />
2.5 Listando to<strong>das</strong> as superf³ciesfecha<strong>das</strong>orientaveis<br />
Consideremos uma superf³cie orientavel, digamos S, a qual possui uma palavra representa»c~ao,<br />
digamos W . Sendo S orientavel, W possui somente pares de letras concordantes,<br />
ou seja, pares de inversos.<br />
Diremos que os pares de inversos x; x ¡1 e y;y ¡1 s~ao pares mutuamente separados<br />
em W se, a menos da transforma»c~ao 3, em W ,entrex e x ¡1 temos y ou y ¡1 ,<br />
mas n~ao ambos, como por exemplo se W ´ AxByCx ¡1 Dy ¡1 .<br />
Nesta se»c~ao, trataremos de estabelecer dedutivamente o seguinte<br />
Resultado 1 Toda superf³cie fechada orientavel e uma esfera, ou um toro, ou uma<br />
soma conexa de dois ou mais toros.
26 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
Esse resultado e conseqÄu^encia de duas propriedades de palavras representa»c~oes de<br />
superf³cies orientaveis, que s~ao as propriedades 1 e 2 enuncia<strong>das</strong> e deduzi<strong>das</strong> a seguir.<br />
Propriedade 1 Se W e palavra representa»c~ao de uma superf³cie orientavel, e W n~ao<br />
possui pares de letras mutuamente separa<strong>das</strong>, ent~ao W ´ 1, ou seja, a superf³cie<br />
representada por W e uma esfera.<br />
Demonstra»c~ao. Se W tem apenas duas letras, ent~ao, obviamente, W ´ xx ¡1 ´ 1.<br />
Se W possui quatro letras, n~ao tendo pares de letras mutuamente separa<strong>das</strong>, as<br />
unicas possibilidades para W s~ao: xx ¡1 yy ¡1 , xx ¡1 y ¡1 y, xyy ¡1 x ¡1 , xy ¡1 yx ¡1 . Em<br />
todos estes casos, W ´ 1.<br />
Se W possui seis letras, duas delas sendo x e x ¡1 , podemos escrever W ´<br />
AxBx ¡1 , tendo o bloco A duas ou quatro letras. Como W n~ao possui pares de letras<br />
mutuamente separa<strong>das</strong>, os blocos A e xBx ¡1 n~ao podem ter letras em comum<br />
e tampouco letras mutuamente separa<strong>das</strong>. Como os blocos A e xBx ¡1 t^em duas ou<br />
quatro letras cada, temos, pelos casos anteriores, A ´ 1 e xBx ¡1 ´ 1. Logo, W ´ 1.<br />
Se W tem oito letras, teremos W ´ CyDy ¡1 , tendo C ao menos duas letras, com<br />
C e D sem letras em comum e sem pares de letras mutuamente separa<strong>das</strong>. Isto quer<br />
dizer, conforme observado na se»c~ao 2.3, que W representa uma soma conexa S1#S2,<br />
com S1 ´ C e S2 ´ yDy ¡1 . Como C e yDy ¡1 s~ao palavras com menor numero de<br />
letras (seis ou menos), temos C ´ 1 e yDy ¡1 ´ 1, eent~ao W ´ 1.<br />
Os casos em que W tem dez ou mais letras recaem, por sua vez, em casos de<br />
palavras menores e, analogamente, concluiremos que W ´ 1.<br />
(A demonstra»c~ao matematicamente correta desta propriedade e feita por indu»c~ao<br />
sobre n, sendo 2n onumerodeletrasdapalavraW .)<br />
Assim sendo, W e palavra representac~ao da esfera S 2 .<br />
Propriedade 2 Se W e palavra representa»c~ao de uma superf³cie orientavel S, eW<br />
possui pares de letras mutuamente separa<strong>das</strong>, ent~ao S e um toro ou uma soma conexa<br />
de toros.<br />
Demonstra»c~ao. Suponhamos que W tem pares x; x ¡1 e y; y ¡1 , mutuamente separados.<br />
Apos aplicar a transforma»c~ao2aW , caso necessario, podemos supor<br />
Pela transforma»c~ao 7,<br />
sendo W0 = ADBC.<br />
W ´ AxByCx ¡1 Dy ¡1<br />
W ´ xyx ¡1 y ¡1 ADBC = xyx ¡1 y ¡1 W0;<br />
Se ADBC e um bloco vazio, W = xyx ¡1 y ¡1 ´ T 2 . Caso contrario, como as<br />
letras x e y ja n~ao aparecem em W0, temos que W representa a soma conexa de duas<br />
superf³cies, T 2 ´ xyx ¡1 y ¡1 e S0 ´ W0, sendo S0 uma superf³cie orientavel.
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 27<br />
Caso W0 tambem tenha pares de letras mutuamente separa<strong>das</strong>, deduzimos<br />
analogamente que<br />
eent~ao<br />
W0 ´ x1y1x ¡1<br />
1 y¡1<br />
1 W1<br />
W ´ xyx ¡1 y ¡1 x1y1x ¡1<br />
1 y¡1<br />
1 W1<br />
Neste caso, teremos S ´ T 2 #T 2 #S1, comS1 orientavel, S1 ´ W1.<br />
Assim prosseguindo, chegaremos ¯nalmente µa conclus~ao de que<br />
W ´ xyx ¡1 y ¡1 x1y1x ¡1<br />
1 y¡1<br />
1 :::xnynx ¡1<br />
n y¡1<br />
n Wn<br />
sendo Wn uma palavra sem pares de letras mutuamente separa<strong>das</strong>.<br />
Em outras palavras, W ´ T 2 # ¢¢¢#T 2<br />
| {z }<br />
n termos<br />
#Sn ´ (nT 2 )#Sn, Sn orientavel, Sn ´<br />
Wn, sendo Wn uma palavra sem pares de letras mutuamente separa<strong>das</strong>.<br />
Como visto, pela propriedade 1, Wn ´ 1, logo W ´ nT 2 .<br />
Demonstra»c~ao do resultado 1. Suponhamos que S e umasuperf³cie fechada orientavel, e<br />
tomemos uma palavra W representa»c~ao de S. SeW n~ao tem pares de letras mutuamente<br />
separa<strong>das</strong>, ent~ao, pela propriedade 1, W ´ 1, ouseja,S e uma esfera. Caso contrario,<br />
pela propriedade 2, S e um toro ou uma soma conexa de toros.<br />
2.6 Listando as superf³cies fecha<strong>das</strong> e n~ao orientaveis<br />
Nesta se»c~ao estabeleceremos o<br />
Resultado 2 Toda superf³cie fechada n~ao orientavel e um plano projetivo ou uma<br />
soma conexa de planos projetivos.<br />
Demonstra»c~ao. Seja S uma superf³cie n~ao orientavel e W uma palavra representa»c~ao<br />
de S. Como S e n~ao orientavel, W tem a forma AxBx para certos blocos de letras A<br />
e B. Pela transforma»c~ao 6, temos<br />
W = AxBx ´ AxxB ¡1 ´ xA ¡1 xB ¡1 ´ xxAB ¡1<br />
Assim, W ´ xxW0, tendo W0 as demais letras de W .<br />
Isto quer dizer que podemos, por sucessivas aplica»c~oes da transforma»c~ao 6, coletar<br />
todos os pares de letras repeti<strong>das</strong>, colocando-as no in³cio da palavra W .<br />
Teremos ent~ao W ´ x1x1 :::xnxnB (n ¸ 1), sendo B um bloco sem pares de<br />
letras repeti<strong>das</strong>, ou seja, contendo somente pares de inversos. Assim, pelas observa»c~oes<br />
da se»c~ao 2.3,<br />
W ´ P 2 # ¢¢¢#P 2<br />
| {z }<br />
n termos<br />
#M<br />
sendo M uma superf³cie orientavel representada pela palavra B.
28 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
Pelo resultado 1, M e uma esfera ou uma soma conexa de n toros, ou seja M ´<br />
aa ¡1 ´ 1 ou M ´ a1b1a ¡1<br />
1 b ¡1<br />
1 :::ambma ¡1<br />
m b ¡1<br />
m ,comm ¸ 1. Se M ´ 1, terminamos.<br />
Caso contrario, teremos ent~ao<br />
ou seja,<br />
W ´ x1x1 :::xnxna1b1a ¡1<br />
1 b¡1 1 :::ambma ¡1<br />
m b¡1 m<br />
Por sucessivas aplica»c~oes da transforma»c~ao 8, chegaremos ¯nalmente a<br />
W ´ x1x1 :::xnxna1a1b1b1 :::amambmbm ´ P 2 # :::#P 2<br />
| {z }<br />
n+m termos<br />
W ´ (m + n)P 2<br />
eportantoS e uma soma conexa de m + n planos projetivos.
3<br />
Um pouco da geometria <strong>das</strong><br />
superf³cies<br />
3.1 Superf³ciessuavesepontosc^onicos<br />
No cap³tulo 2, vimos que toda superf³cie fechada pode ser representada por um diagrama<br />
poligonal plano. A superf³cie e constru³da colando-se, uns nos outros, pares de arestas<br />
da regi~ao poligonal, segundo certas instru»c~oes de colagem.<br />
Mas nem sempre as colagens de lados opostos de uma regi~ao poligonal plana<br />
produzem superf³cies suaves, num sentido que trataremos de esclarecer agora.<br />
Diremos que uma superf³cie e suave se,paracadaponto<strong>das</strong>uperf³cie, e para<br />
cada linha geodesica passando por ele, podemos tra»car uma (e so uma) segunda linha<br />
geodesica, pelo mesmo ponto, perpendicular µa primeira. Esta de¯ni»c~ao de superf³cie<br />
suave pode parecer estranha, mas servira plenamente aos nossos propositos.<br />
Figura 3.1: Uma superf³cie suave.<br />
Oques~ao geodesicas perpendiculares? Se duas geodesicas de uma superf³cie<br />
passam por um ponto, de¯ne-se um ^angulo entre elas da seguinte maneira. Assumimos<br />
que ao menos uma pequena parte da superf³cie, onde esteja o ponto dado, situa-se<br />
num espa»co euclidiano de dimens~ao tr^es. Tra»camos, por esse ponto, interse»c~ao <strong>das</strong><br />
geodesicas, duas retas desse espa»co euclidiano, tangentes µas geodesicas nesse ponto.<br />
O^angulo formado entre as retas e o^angulo formado pelas duas geodesicas no ponto.<br />
29
30 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
Quando duas geodesicas formam um ^angulo reto num ponto de interse»c~ao, dizemos que<br />
elas s~ao geodesicas perpendiculares nesse ponto. Da³, em torno de cada ponto, o ^angulo<br />
correspondente a uma volta completa em torno dele medira quatro ^angulos retos, ou<br />
360 ± .<br />
Para exempli¯car agora o conceito de ponto c^onico, considere agora a superf³cie<br />
obtida, a partir de um quadrado, por colagens feitas como na ¯gura 3.2.<br />
Note que se um habitante dessa superf³cie resolve andar em c³rculos, em torno do<br />
ponto A, ele seguira asdire»c~oes dos arcos com setas da ¯gura. Note ent~ao que ele,<br />
em cada volta completa em torno de A, varrera um^angulo total de 90 ± +90 ± =180 ± ,<br />
ao inves de 360 ± ! Neste caso, a colagem conforme a ¯gura produz pontos c^onicos na<br />
superf³cie (os pontos B e C tambem s~ao c^onicos: giros completos em torno de B e<br />
C perfazem apenas 90 ± ). A interpreta»c~ao da colagem, nas proximidades do ponto A,<br />
no espa»co euclidiano tridimensional, produziria um cone de vertice em A. Assim, as<br />
colagens realiza<strong>das</strong> nesse quadrado n~ao produzem uma superf³cie suave pois, pelo ponto<br />
A n~ao podemos tra»car duas geodesicas perpendiculares entre si, ja que e imposs³vel um<br />
giro de 360 ± em torno de A.<br />
Figura 3.2: Que superf³cie e (topologicamente) representada por este diagrama?<br />
Figura 3.3: Nos diagramas da ¯gura, os quatro cantos dos ret^angulos representam um<br />
mesmo ponto A no toro (µa esquerda) ou na garrafa de Klein (µa direita). Assim, em<br />
torno do ponto A e poss³vel um giro de 360 ± e portanto, nos diagramas do toro plano<br />
e da garrafa de Klein, os vertices dos ret^angulos n~ao d~ao origem a pontos c^onicos.<br />
Em suma, um ponto c^onico numa superf³cie e um ponto em torno do qual a<br />
superf³cie e parecida com um cone, tendo esse ponto como vertice. De um modo geral,<br />
consideraremos que um ponto de uma superf³cie e c^onico quando um percurso circular<br />
emtornodopontoperfazum^angulo menor que 360 ± .
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 31<br />
Figura 3.4: Apos as colagens de pares de arestas segundo as intru»c~oes da<strong>das</strong>, os oito<br />
vertices do octogono regular tornam-se um unico ponto A. Um giro completo em torno<br />
do ponto A perfara 8 £ 135 ± = 1080 ± . Neste caso, A e umpontoc^onico negativo.<br />
Quando uma superf³cie e obtida por colagens de pares de arestas de uma regi~ao<br />
poligonal plana, pode ocorrer tambem o aparecimento de pontos c^onicos negativos.<br />
Um ponto da superf³cie e umpontoc^onico negativo se um giro em torno dele perfaz um<br />
^angulo maior que 360 ± . Veja exemplo na ¯gura 3.4.<br />
Uma superf³cie e umasuperf³ciesuaveseelan~ao apresenta pontos c^onicos e nem<br />
pontos c^onicos negativos.<br />
3.2 Superf³cies de geometria euclidiana<br />
Recordemo-nos de que um tri^angulo, numa superf³cie, e umapor»c~ao da superf³cie homeomorfa<br />
a uma regi~ao triangular plana, com as arestas sendo segmentos geodesicos da<br />
superf³cie.<br />
Se recortarmos a superf³cie segundo os lados de um tri^angulo, ela ¯ca subdividida<br />
em duas regi~oes separa<strong>das</strong> uma da outra, uma delas sendo a \face" do tri^angulo.<br />
Figura 3.5: Tri^angulos no toro plano e na esfera. Os segmentos geodesicos DE,<br />
EF e FD n~ao determinam um tri^angulo no toro, pois se o toro plano e recortado<br />
segundo esses segmentos, ele n~ao ¯ca dividido em duas partes. Na esfera, os segmentos<br />
geodesicos AB, BC e CA determinam dois tri^angulos (ambos tendo em comum os<br />
lados AB, BC e CA), mas no toro, os segmentos MN, NP e PM determinam<br />
apenas um.
32 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
Dizemos que uma superf³cie tem uma geometria euclidiana se, em cada tri^angulo<br />
dessa superf³cie, a soma dos ^angulos internos e 180 ± (= ¼ radianos). O plano<br />
bidimensional euclidiano E 2 e dotado de uma geometria euclidiana, conforme ilustra a<br />
¯gura 3.6.<br />
Figura 3.6: Os ^angulos demarcados de modos iguais (^angulos \alternos internos") s~ao<br />
congruentes, isto e, t^em mesma medida. Os tr^es ^angulos demarcados em torno do<br />
vertice C t^em soma igual a 180 ± (ou ¼ radianos), que e tambem a soma dos ^angulos<br />
internos do tri^angulo ABC.<br />
Tambem no toro plano e na garrafa de Klein plana, a soma dos ^angulos internos<br />
de um tri^angulo e 180 ± . IstoporqueotoroplanoeagarrafadeKleins~ao constru³dos<br />
apartirdeumret^angulo plano, por colagens de lados opostos uns nos outros. Assim<br />
sendo, o toro plano e a garrafa de Klein plana s~ao superf³cies de geometria euclidiana.<br />
3.3 A geometria da esfera ou geometria el³ptica<br />
Consideremos a superf³cie de uma esfera de raio de comprimento r. Nessa esfera, as<br />
geodesicas s~ao os grandes c³rculos ou c³rculos maximos, assim chamados os c³rculos,<br />
nela tra»cados, cujos raios tambem t^em comprimento r. Se o personagem Quadrado<br />
(veja pagina 8) for um habitante da superf³cie da esfera, e seguir andando sempre em<br />
frente nessa superf³cie (imagine que ele habite uma grande esfera), sem desviar-se para<br />
a direita e nem para a esquerda, ele percorrera um grande c³rculo. C³rculos de raios<br />
menores, tra»cados na esfera, n~ao s~ao geodesicas.<br />
Cada segmento geodesico, da superf³cie da esfera, esta contido num c³rculo<br />
maximo.<br />
Pensando na esfera como superf³cie mergulhada no espa»co euclidiano tridimensional,<br />
cada c³rculo maximo da esfera e a interse»c~ao da superf³cie esferica com um plano<br />
que passa pelo centro da esfera.<br />
Se dois planos passam pelo centro da esfera, eles se interceptam segundo uma<br />
reta, que tambem passa pelo centro da esfera. Essa reta fura a superf³cie da esfera<br />
em dois pontos diametralmente opostos. Esses dois pontos s~ao ent~ao a interse»c~ao dos<br />
dois c³rculos maximos determinados por esses dois planos. Assim sendo, dois segmentos<br />
geodesicos t^em, no maximo, dois pontos em comum, sendo estes diametralmente<br />
opostos.
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 33<br />
Qual e asoma<strong>das</strong>medi<strong>das</strong>dos^angulos internos de um tri^angulo na superf³cie da<br />
esfera? No que segue, trataremos responder a esta quest~ao.<br />
Um bi^angulo esferico ou um fuso esferico e uma regi~ao da esfera delimitada<br />
por apenas dois segmentos geodesicos com extremidades em comum. As extremidades<br />
do bi^angulo s~ao dois pontos diametralmente opostos.<br />
Figura 3.7: Um fuso esferico de vertices A e B, deabertura®.<br />
Os dois ^angulos internos de um fuso esferico s~ao iguais em medida. Tal medida e<br />
chamadaaberturadofusoesferico.<br />
Consideremos um fuso, numa esfera de raio r, devertices A e B, deabertura<br />
® (radianos). O segmento de reta AB (no espa»co euclidiano tridimensional E 3 )eum<br />
di^ametro da esfera. A area do fuso esferico eproporcionalµaabertura®, istoe, dobrandose<br />
®, dobramosaarea, dividindo-se ® por 2, teremos a area dividida por 2, triplicando-se<br />
®, triplicamos a area, etc. (obviamente devemos tomar o cuidado de tomar multiplos<br />
da abertura ® que n~ao excedam 360 ± =2¼ radianos).<br />
Se um fuso tem abertura ¼ = 180 ± , ele cobrira metade da esfera. Se tiver abertura<br />
2¼ = 360 ± , ele cobrira toda a esfera e seus lados coincidir~ao.<br />
A area da superf³cie esferica de raio r e numericamente igual a 4¼r 2 (Arquimedes<br />
provou isto no seculo III a.C.)<br />
Como a area A®, deumfusodeabertura®, eproporcionala® e, para ® =2¼<br />
(radianos), temos A2¼ = area da esfera =4¼r 2 ,paraobterA® aplicamos a regra de<br />
tr^es simples µa tabelinha de dados:<br />
de onde<br />
Logo,<br />
abertura area<br />
® A®<br />
2¼ 4¼r 2<br />
®<br />
2¼<br />
A®<br />
= ;<br />
4¼r2 26¼ ¢ A® = ® ¢ 46¼r 2<br />
2 ¢ A® =4®r 2
34 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
Assim,<br />
Figura 3.8: Um fuso duplo de abertura ®.<br />
Aarea de um fuso esferico de abertura ® (radianos) e dadapor<br />
A® =2®r 2<br />
Um fuso duplo de abertura ® e a reuni~ao de dois fusos de abertura ®, com os<br />
lados de um deles sendo prolongamentos dos lados do outro, conforme ilustrado na ¯gura<br />
3.8.<br />
3.3.1 A soma dos ^angulos internos de um tri^angulo esferico<br />
Aarea delimitada por um fuso duplo de abertura ® e dadapor<br />
S® =2¢ A® =4®r 2<br />
Consideremos agora um tri^angulo ABC numa esfera de raio r, como na ¯gura 3.9.<br />
Prolonguemos seus lados de modo a construir tr^es grandes fusos duplos de aberturas ®,<br />
¯ e °, ^angulos estes que s~ao tambem os tr^es ^angulos internos do tri^angulo ABC.<br />
Figura 3.9: Observe que os tr^es fusos duplos d~ao origem a uma segunda copia do<br />
tri^angulo ABC, cujosvertices A 0 , B 0 e C 0 s~ao diametralmente opostos aos vertices<br />
A, B e C, respectivamente. Observe ainda que as unicas regi~oes comuns a quaisquer<br />
dois dos fusos duplos s~ao a regi~ao triangular sombreada e sua replica diametralmente<br />
oposta (do outro lado da esfera).
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 35<br />
Se somarmos as areas desses tr^es fusos duplos, obteremos:<br />
S® + S¯ + S° = area da esfera +2¢ (area ¢ABC)+2¢ (area ¢A 0 B 0 C 0 )<br />
sendo area ¢ABC e area ¢A 0 B 0 C 0 as areas dos dois tri^angulos.<br />
Note que, na soma S® + S¯ + S°, aarea de cada tri^angulo e contada tr^es vezes<br />
(ou seja, duas vezes a mais), visto que cada um dos tri^angulos e tambem parte de cada<br />
um dos tr^es fusos duplos.<br />
Logo,<br />
Da³,<br />
Assim sendo, como as areas area ¢ABC e area ¢A 0 B 0 C 0 s~ao iguais, temos<br />
De onde, ent~ao,<br />
Eportanto,<br />
Assim, conclu³mos:<br />
4®r 2 +4¯r 2 +4°r 2 =4¼r 2 +4¢ (area ¢ABC)<br />
®r 2 + ¯r 2 + °r 2 = ¼r 2 +(area ¢ABC)<br />
area ¢ABC =(® + ¯ + ° ¡ ¼) ¢ r 2<br />
area ¢ABC<br />
r 2<br />
® + ¯ + ° = ¼ +<br />
= ® + ¯ + ° ¡ ¼<br />
area ¢ABC<br />
r 2<br />
A soma dos ^angulos internos ®; ¯ e °, deumtri^angulo esferico, emumaesferade<br />
raio r, e dada, em radianos, pela formula<br />
® + ¯ + ° = ¼ + 1<br />
¢ (area ¢ABC)<br />
r2 Tri^angulos esfericos t^emasomados^angulos internos entre 180 ± e 900 ± ,talsoma<br />
jamais atingindo nenhum desses valores extremos. Isto porque se a area do tri^angulo<br />
e muito pequena em rela»c~ao ao raio da esfera, isto e, se 1<br />
r 2 £ (area ¢ABC) e aproximadamente<br />
0, e ent~ao ® + ¯ + ° e aproximadamente¼ =180 ± .Seaarea do tri^angulo<br />
ocupa quase toda a superf³cie da esfera, ent~ao sua area e aproximadamente4¼r 2 ,e<br />
ent~ao ® + ¯ + ° ¼ 5¼ = 900 ± .<br />
3.4 O conceito de curvatura<br />
Uma superf³cie com geometria el³ptica e umasuperf³cie na qual os tri^angulos t^em a<br />
soma dos ^angulos internos sempre maior que 180 ± .<br />
O plano projetivo P 2 e um segundo exemplo de uma superf³cie de geometria<br />
el³ptica. Nele, em cada tri^angulo, tambem vale a rela»c~ao<br />
soma dos ^angulos internos = ¼ + 1<br />
¢ (area do tri^angulo)<br />
r2
36 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
sendo r o raio da semi-esfera a partir da qual o plano projetivo foi constru³do.<br />
Numa esfera de raio r, ou num plano projetivo de raio r (isto e, constru³do a partir<br />
de uma semi-esfera de raio r), o numero k =1=r 2 e chamado curvaturadaesferaou<br />
curvatura do plano projetivo, conforme o caso.<br />
Sendo k um numero real, dizemos que uma superf³cie tem curvatura constante<br />
e igual a k se, nesta superf³cie, a soma dos ^angulos internos, em radianos, de cada<br />
tri^angulo ABC, obedeceaumaformula do tipo<br />
bA + b B + b C = ¼ + k ¢ (area ¢ABC)<br />
No caso de uma esfera ou de um plano projetivo, temos que k =1=r 2 .Janocaso<br />
do toro plano ou da garrafa de Klein plana, temos b A + b B + b C = 180 ± = ¼, eportanto<br />
k =0.<br />
Assim sendo, temos que superf³cies de geometria euclidiana t^em curvatura<br />
k =0.<br />
Diremos que uma superf³cie tem geometria homog^enea quando nela duas regi~oes<br />
circulares quaisquer, de mesmo raio, s~ao sempre geometricamente id^enticas | ou seja,<br />
recortando-se, da superf³cie, duas regi~oes circulares de raios iguais, podemos encaixar<br />
perfeitamente uma sobre a outra. As superf³ciesdaesfera,doplanoprojetivo,dotoroe<br />
da garrafa de Klein, s~ao exemplos de superf³cies que admitem modelos com geometrias<br />
homog^eneas, tendo curvatura constante. Nas proximas se»c~oes, estaremos buscando<br />
modelos, com geometria homog^enea, <strong>das</strong> demais superf³cies fecha<strong>das</strong>.<br />
3.5 O plano hiperbolico e sua geometria<br />
Existem tr^estiposdegeometriasdesuperf³cies homog^eneas. Acabamos de tomar conhecimento<br />
de duas delas, que s~ao a geometria euclidiana, caracterizando as superf³cies<br />
de curvatura zero, eageometria el³ptica homog^enea, caracterizando as superf³cies<br />
cuja curvatura e umaconstante positiva.<br />
E sabido que n~ao existe uma superf³cie de geometria el³ptica com area in¯nita.<br />
Toda superf³cie de curvatura constante e positiva, deve inevitavelmente fechar-se formando<br />
uma esfera ou um plano projetivo. Este resultado e um teorema da geometria<br />
<strong>das</strong> superf³cies, que n~ao sera demonstrado aqui.<br />
O plano hiperbolico H 2 , que agora mencionamos pela primeira vez, e umasuperf³cie<br />
aberta de curvatura constante negativa. Nele,ostri^angulos ABC satisfazem<br />
uma rela»c~ao da forma<br />
para uma certa constante negativa k.<br />
bA + b B + b C = ¼ + k ¢ (area ¢ABC)<br />
A constante negativa k e chamada curvatura do plano hiperbolico.
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 37<br />
Figura 3.10: Superf³cie de geometria hiperbolica. b A + b B + b C
38 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
Figura 3.11: Constru»c~ao de uma aproxima»c~ao de um plano hiperbolico. Tome varios<br />
tri^angulos equilateros de papel e tambem varios hexagonos regulares com seis desses<br />
tri^angulos subdividindo cada hexagono, tal como em (a) (veja matriz de tri^angulos<br />
na ¯gura 3.15). Mediante dobraduras, fa»ca vincos nos hexagonos, demarcando os seis<br />
tri^angulos de cada um, como em (b). Fa»ca um corte em cada hexagono ao longo de um<br />
dos vincos, produzindo uma fenda, como em (c). Insira e cole (com ¯ta adesiva) um<br />
tri^angulo equilatero em cada uma fen<strong>das</strong> abertas, como em (d). Cole essas pe»cas de<br />
sete tri^angulos umas nas outras produzindo uma superf³cie, como em (e). Cuide para<br />
que cada vertice, quando completamente rodeado por tri^angulos, o seja por exatamente<br />
sete tri^angulos. µ As vezes, como se v^e em (e), sera preciso inserir novos tri^angulos entre<br />
duas pe»casdesetetri^angulos. Esta \receita", de constru»c~ao de "papel hiperbolico", e<br />
de William Thurston [1].<br />
3.6 A soma dos ^angulos internos de um pol³gono, em<br />
uma superf³cie de curvatura constante.<br />
Na se»c~ao 3.4, ¯cou estabelecido que, para cada tri^angulo ABC, numa superf³cie de<br />
curvatura constante k, vale a rela»c~ao:<br />
bA + b B + b C = ¼ + k ¢ (area ¢ABC)<br />
Consideremos agora, numa superf³cie de curvatura k, um pol³gono convexo de n<br />
lados (delimitado por n segmentos geodesicos). Um pol³gono e convexo quando e sempre<br />
poss³vel unir quaisquer dois de seus pontos por um segmento geodesico inteiramente<br />
contido na regi~ao poligonal. Subdividamos essa regi~ao poligonal em n ¡ 2 tri^angulos,<br />
como indicado na ¯gura 3.12. A soma dos ^angulos internos desses tri^angulos sera a<br />
soma dos ^angulos internos do pol³gono. Esse procedimento pode ser aplicado para<br />
somar ^angulos internos de um pol³gono em qualquer superf³cie.<br />
Aregi~ao poligonal de n lados, na superf³cie de curvatura constante k, temn<br />
^angulos internos, digamos c A1; c A2;::: ; c An, correspondentes a n vertices consecutivos<br />
A1;A2;::: ;An.
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 39<br />
Figura 3.12: Subdivis~oes de regi~oes poligonais em tri^angulos, a partir de um vertice.<br />
Todosossegmentostra»cados s~ao linhas geodesicas da superf³cie onde os pol³gonos se<br />
encontram. Como se v^e, se a regi~ao tem n arestas, ela pode ser subdivida em n ¡ 2<br />
regi~oes triangulares. Este procedimento pode ser aplicado a pol³gonos n~ao regulares.<br />
Subdividamos a superf³cie em n¡2 tri^angulos tra»cando diagonais a partir do vertice<br />
A1. Chamemos esses tri^angulos de ¢1; ¢2;::: ;¢n¡2.<br />
A soma dos ^angulos internos da regi~ao poligonal e asomados^angulos internos<br />
dos n ¡ 2 tri^angulos em que ela se subdivide, sendo portanto<br />
cA1 + c A2 + ¢¢¢+ c An<br />
= soma dos ^angulos internos de ¢1<br />
+ soma dos ^angulos internos de ¢2<br />
+ ¢¢¢<br />
+ soma dos ^angulos internos de ¢n¡2<br />
= [¼ + k ¢ (area ¢1)] + [¼ + k ¢ (area ¢2)] + ¢¢¢+[¼ + k ¢ (area ¢n¡2)]<br />
= (n ¡ 2)¼ + k ¢ (area ¢1 + area ¢2 + ¢¢¢+ area ¢n¡2)<br />
= (n ¡ 2)¼ + k ¢ (area da regi~ao poligonal A1A2 :::An)<br />
Ou seja,<br />
cA1 + c A2 + ¢¢¢+ c An =(n ¡ 2)¼ + k ¢ (area da regi~ao poligonal A1A2 :::An)<br />
Se a regi~ao poligonal for regular, isto e, tiver todos os lados iguais (congruentes)<br />
eos^angulos internos tambem iguais (congruentes), todos medindo ® radianos, ent~ao<br />
teremos:<br />
|<br />
® + ® +<br />
{z<br />
:::+ ®<br />
}<br />
=(n ¡ 2) ¢ ¼ + k ¢ (area A1A2 :::An)<br />
n parcelas<br />
ou seja,<br />
n ¢ ® =(n ¡ 2) ¢ ¼ + k ¢ (area A1A2 :::An)
40 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
3.7 Somas conexas de toros, ou de planos projetivos,<br />
de curvatura constante<br />
Vimos que a esfera e o plano projetivo s~ao superf³cies de curvatura constante positiva<br />
k =1=r 2 , sendo r o raio da esfera, ou da semi-esfera a partir da qual o plano projetivo<br />
e constru³do. Vimos tambem que podemos construir modelos do toro bi-dimensional e<br />
da garrafa de Klein, com geometria euclidiana, isto e, de curvatura constante igual a 0.<br />
Esses modelos s~ao o que chamamos toro plano e garrafa de Klein plana.<br />
Veremos agora que podemos construir modelos <strong>das</strong> demais superf³cies, somas<br />
conexas de 2 ou mais toros, ou somas conexas de 3 ou mais planos projetivos, de<br />
curvatura constante negativa!<br />
No cap³tulo 2, ¯cou estabelecido que a soma conexa de n toros planos, com n ¸ 2,<br />
otorodegenus n (um toro com n \buracos"), pode ser representada por uma regi~ao<br />
poligonal plana regular de 4n lados (um 4n-agono regular), sendo representado pela<br />
palavra a1b1a ¡1<br />
1 b ¡1<br />
1 a2b2a ¡1<br />
2 b ¡1<br />
2 :::anbna ¡1<br />
n b ¡1<br />
n . Os 4n vertices do diagrama poligonal<br />
dessa superf³cie, apos colagens, tornam-se um unico ponto.<br />
Apos as colagens, conforme instru»c~oes do diagrama, teremos ent~ao uma con¯gura»c~ao<br />
de 4n ^angulos consecutivos, de mesma medida ®, emtornodovertice A. Pelo<br />
que acabamos de ver na se»c~ao 3.6, a soma desses 4n ^angulos e igual a<br />
4n ¢ ® =(4n ¡ 2) ¢ ¼ + k ¢ (area da regi~ao poligonal)<br />
Se quisermos construir uma superf³cie suave, a partir da colagem <strong>das</strong> arestas do<br />
diagrama poligonal, devemos ter o \^angulo de giro" em torno de A medindo 4n ¢ ® =<br />
2¼ = 360 ± .<br />
obtemos<br />
Resolvendo ent~ao a equa»c~ao em k,<br />
de onde ent~ao<br />
(4n ¡ 2) ¢ ¼ + k ¢ (area do pol³gono) =2¼<br />
k ¢ (area do pol³gono) = 2¼ ¡ (4n ¡ 2)¼<br />
= 4¼ ¡ 4n¼<br />
= 4(1¡ n)¼<br />
k =<br />
4(1 ¡ n)¼<br />
area do pol³gono<br />
Notemos ent~ao que, como n ¸ 2, devemos ter a curvatura k negativa.<br />
Assim, quando n ¸ 2, eposs³vel construir um modelo da soma conexa de n toros,<br />
com curvatura constante e negativa.<br />
Talmodelopodeserconstru³do tomando-se, um 4n-agono regular de area 4(n ¡<br />
1)¼ num plano hiperbolico de curvatura k = ¡1, ecolando-seasarestasaospares<br />
conforme as instru»c~oesdodiagramadotorodegenus n.
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 41<br />
Neste caso, a soma dos ^angulos internos do diagrama 4n-gonal sera dadapor<br />
4n ¢ ® = (4n ¡ 2) ¢ ¼ + k ¢ (area do pol³gono)<br />
= (4n ¡ 2) ¢ ¼ +(¡1) ¢ 4(n ¡ 1)¼<br />
= 4n¼ ¡ 2¼ ¡ 4n¼ +4¼<br />
= 2¼ =360 ±<br />
e assim e evitada a forma»c~ao de pontos c^onicos negativos na superf³cie.<br />
Analogamente, a soma conexa de n planos projetivos, n ¸ 3, pode ser representada<br />
por uma regi~ao poligonal plana regular de 2n lados (um 2n-agono regular). Alem<br />
disso, no diagrama poligonal dessa superf³cie, todos os vertices, apos colagem, tornam-se<br />
tambem um unico ponto A da superf³cie. Neste caso, e poss³vel construir um modelo<br />
da superf³cie, com curvatura constante e negativa.<br />
Se quisermos uma superf³cie suave, repetimos as contas feitas acima, substituindo<br />
\4n" por\2n" nasformulas, e chegamos µa rela»c~ao<br />
2n ¢ ® =(2n ¡ 2) ¢ ¼ + k ¢ (area do pol³gono)<br />
Eliminamos o ponto c^onico negativo desde que tenhamos 2n ¢ ® =2¼. Istonosda<br />
k =<br />
2¼ ¡ (2n ¡ 2)¼<br />
area do pol³gono<br />
ou seja,<br />
2(2 ¡ n)¼<br />
k =<br />
area do pol³gono<br />
que e uma constante negativa para n ¸ 3.<br />
Assim, quando n ¸ 3, eposs³vel construir um modelo da soma conexa de n planos<br />
projetivos, com curvatura constante e negativa.<br />
Tal modelo pode ser constru³do tomando-se um 2n-agono regular de area 2(n¡2)¼<br />
num plano hiperbolico de curvatura k = ¡1, e colando-se as arestas aos pares conforme<br />
as instru»c~oes do diagrama da soma conexa. Neste caso, a soma dos ^angulos internos do<br />
diagrama 2n-gonal sera dadapor<br />
2n ¢ ® = (2n ¡ 2) ¢ ¼ + k ¢ (area do pol³gono)<br />
= (2n ¡ 2) ¢ ¼ +(¡1) ¢ 2(n ¡ 2)¼<br />
= 2n¼ ¡ 2¼ ¡ 2n¼ +4¼<br />
= 2¼ =360 ±<br />
evitando-se novamente a forma»c~ao de pontos c^onicos negativos na superf³cie.<br />
3.7.1 Uma constru»c~ao alternativa de toros de genus n, n ¸ 2,<br />
de curvatura constante<br />
Otorodegenus n, comn ¸ 2, mergulhado no espa»co euclidiano tridimensional E 3 ,<br />
pode ser subdividido em peda»cos hexagonais, de forma que cada vertice, de qualquer um
42 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
desses hexagonos, seja vertice comum de exatamente quatro hexagonos, ou seja, com os<br />
cantos dos hexagonos se aglomerando em numero de quatro em torno de cada vertice.<br />
De um modo geral, o toro de genus n pode ser subdividido em 4(n ¡ 1) hexagonos,<br />
cada vertice sendo comum a quatro hexagonos. A ¯gura 3.13 ilustra como isto e feito.<br />
Figura 3.13: (a) O toro de genus 2e subdividido em quatro hexagonos (dois na parte<br />
de cima e dois na parte de baixo), cada um com a forma mostrada µa direita. Note<br />
que cada vertice, e vertice comum de quatro hexagonos. (b) O toro de genus 3e<br />
subdividido em oito hexagonos, quatro na parte de cima e quatro na parte de baixo.<br />
Cada vertice e comumaquatrohexagonos. (c) O toro de genus 4 subdivide-se em<br />
doze hexagonos,seisnapartedecimaeseisnapartedebaixo.<br />
Uma vez recortados os 4(n ¡ 1) peda»cos hexagonais do toro de genus n, podemos<br />
deformar cada hexagono de modo que ele se torne um hexagono regular. Em<br />
cada hexagono, os ^angulos internos medem 120 ± .Tais^angulos s~ao muito grandes para<br />
colarmos os hexagonos de volta, em grupos de quatro em torno de cada vertice.<br />
Figura 3.14: Os peda»cos hexagonais do toro de genus n, n ¸ 2, podem ser deformados<br />
em hexagonos de um plano hiperbolico, com ^angulos internos todos retos.<br />
Ao colarmos quatro hexagonos em torno de cada vertice os verticessetornam
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 43<br />
pontos c^onicos negativos, isto e, pontos em torno dos quais percursos circulares<br />
perfazem mais que 180 ± (no nosso caso, perfazem 480 ± !).<br />
Tomamos ent~ao esses peda»cos hexagonais regulares, num plano hiperbolico H 2 (de<br />
curvatura digamos k), todos com area su¯cientemente grande, de modo que tenham ^angulos<br />
internos de 90 ± . Veja ¯gura 3.14.<br />
Finalmente, tornamos a colar esses peda»cos hexagonais, de geometria hiperbolica,<br />
quatro em torno de cada vertice, resgatando o arranjo geometrico original, reconstituindo<br />
asuperf³cie do toro de genus n, sem pontos c^onicos negativos.<br />
Assim feito, apos as devi<strong>das</strong> colagens desses hexagonos hiperbolicos, teremos um<br />
toro de genus n ¸ 2, com uma geometria hiperbolica homog^enea, de curvatura constante<br />
igual a k.
44 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
Figura 3.15: Para fabricar \papel hiperbolico", conforme instru»c~oes da<strong>das</strong> na ¯gura 3.11,<br />
tire varias copias xerox do padr~ao acima. Pegue uma tesoura, um rolo de ¯ta adesiva<br />
transparente e n~ao tenha pressa. A produ»c~ao de uma boa area de papel hiperbolico<br />
requer paci^encia (mas pode ser relaxante).
4<br />
Onumero (ou caracter³stica)<br />
de Euler (l^e-se \Oiler"), um<br />
invariante topologico<br />
4.1 Divis~oes celulares de uma superf³cie<br />
Analogamente ao conceito de triangula»c~ao, de¯ne-se o conceito de divis~ao poligonal<br />
de uma superf³cie, como sendo uma subdivis~ao dessa superf³cie em um numero ¯nito de<br />
regi~oes poligonais. Essa subdivis~ao da superf³cie, em regi~oes poligonais, tambem deve<br />
ser bem comportada, no sentido de que:<br />
² Cada duas regi~oes poligonais dessa subdivis~ao<br />
{ ou n~ao se interceptam,<br />
{ ou temapenasumvertice em comum,<br />
{ ou tem apenas uma aresta em comum e,<br />
² cada aresta de uma dessas regi~oes poligonais e arestadeexatamenteduasdessas<br />
regi~oes poligonais, isto e, e compartilhada por duas regi~oes poligonais vizinhas.<br />
Numa divis~ao poligonal, os vertices dos pol³gonos que a³ comparecem s~ao chamados<br />
0-celulas (ou celulas de dimens~ao zero) da divis~ao poligonal; as arestas s~ao chamados<br />
1-celulas (ou celulas de dimens~ao 1); e as regi~oes poligonais s~ao chama<strong>das</strong> 2celulas<br />
ou faces da divis~ao poligonal.<br />
Fazendo uso de termos da literatura, usaremos a express~ao divis~ao celular em<br />
lugar de divis~ao poligonal, muito embora o conceito de divis~ao celular seja, na verdade,<br />
uma generaliza»c~ao do conceito de divis~ao poligonal.<br />
Numa divis~ao celular, no sentido mais preciso do termo, a superf³cie e recortada<br />
em pol³gonos, os quais, quando colados para recompor a superf³cie, podem dar origem a<br />
pares de pol³gonos com mais que uma aresta em comum, e ate mesmo a pol³gonos que<br />
se auto-interceptam ao longo de uma ou mais arestas.<br />
45
46 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
Na ¯gura 4.1, sao mostra<strong>das</strong> cinco famosas divis~oes poligonais da esfera.<br />
Figura 4.1: Os cinco poliedros de Plat~ao podem ser vistos como divis~oes poligonais da<br />
superf³cie da esfera.<br />
4.2 O numero de Euler<br />
Consideremos agora uma superf³cie suave de geometria homog^enea, de curvatura constante<br />
k (positiva, zero ou negativa), e uma divis~ao celular dessa superf³cie, cujas arestas<br />
s~ao segmentos geodesicos da superf³cie. Suponhamos que essa divis~ao celular tenha v<br />
vertices, a arestas e f faces.<br />
Figura 4.2: Divis~oes celulares: (a) da esfera; (b) do toro; (c) do plano projetivo e (d)<br />
da garrafa de Klein.<br />
Observe que, em se tratando de uma superf³cie suave, numa divis~ao celular, a soma<br />
dos ^angulos formados em torno de cada vertice e igual a 2¼.
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 47<br />
Tendo ao todo v vertices, a soma de todos os ^angulos internos de to<strong>das</strong> as faces<br />
da divis~ao celular sera ent~ao igual a<br />
v £ 2¼<br />
Etiquetemos as f faces da divis~ao celular considerada, demarcando-as como:<br />
face 1, face 2,..., face f.<br />
Suponhamos agora que a face 1 tem n1 lados (arestas), a face 2 tem n2 lados,<br />
::: ,eaface f tem nf lados.<br />
Como cada aresta e comum a exatamente duas faces, temos que<br />
n1 + n2 + :::+ nf<br />
= numero de lados da face 1+numero de lados da face 2<br />
+ ¢¢¢+ numero de lados da face f<br />
= 2£ (numero total de arestas)<br />
= 2a<br />
Chegamos ent~ao µa seguinte notavel rela»c~ao<br />
2¼ ¢ v = soma dos ^angulosinternosdeto<strong>das</strong>asfaces<br />
= soma dos ^angulos da face 1+ soma dos ^angulos da face 2<br />
+ ¢¢¢+ soma dos ^angulos da face f<br />
= [(n1 ¡ 2)¼ + k ¢ (area da face 1)[+ [(n2 ¡ 2)¼ + k ¢ (area da face 2)]<br />
+ ¢¢¢+ [(nf ¡ 2)¼ + k ¢ (area da face f)]<br />
= (n1 + n2 + :::+ nf) ¢ ¼ ¡ (2¼ +2¼ + :::+2¼)<br />
ou ainda<br />
Logo,<br />
| {z }<br />
f parcelas<br />
+ k ¢ (soma <strong>das</strong> areas de to<strong>das</strong> as faces)<br />
= 2¼ ¢ a ¡ 2¼ ¢ f + k ¢ (area da superf³cie)<br />
sendo A aarea da superf³cie.<br />
2¼ ¢ v =2¼ ¢ a ¡ 2¼ ¢ f + k ¢ A;<br />
2¼ ¢ (v ¡ a + f) =k ¢ A;<br />
Onumero  = v ¡ a + f e chamado numero (ou caracter³stica) de Euler da<br />
divis~ao celular considerada (sendo  uma letra grega pronunciada como \qui").<br />
Aformula<br />
que ent~ao ¯ca<br />
2¼ ¢ (v ¡ a + f) =k ¢ A<br />
2¼ ¢ Â = k ¢ A<br />
e chamada formula de Gauss-Bonnet para superf³cies de curvatura constante.
48 <strong>UFV</strong> { VI Reuni~ao Regional da SBM<br />
Tabela 4.1: Geemetria homog^enea da superf³cie, conforme sua caracter³stica de Euler.<br />
 = v ¡ a + f geometria homog^enea<br />
 =0 euclidiana<br />
Â>0 el³ptica<br />
Â0 e,<br />
se ela tem geometria hiperbolica homog^enea, ent~ao qualquer divis~ao celular dessa<br />
superf³cie tera omesmonumero de Euler Â
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 49<br />
Tabela 4.2: uperf³cies fecha<strong>das</strong> e correspondentes geometrias homog^eneas que admitem.<br />
As unicas superf³cies fecha<strong>das</strong> que admitem geometria homog^enea el³ptica s~ao a esfera<br />
e o plano projetivo. As unicas que admitem geometria Euclidiana s~aootoroeagarrafa<br />
de Klein.<br />
orientavel n~ao orientavel geometria homog^enea<br />
S 2 P 2 el³ptica<br />
T 2 P 2 #P 2 = K 2 euclidiana<br />
T 2 #T 2 P 2 #P 2 #P 2 hiperbolica<br />
T 2 #T 2 #T 2 P 2 #P 2 #P 2 #P 2<br />
.<br />
.<br />
4.4 Orientabilidade e numero de Euler classi¯cando<br />
as superf³cies fecha<strong>das</strong><br />
A tabela abaixo classi¯ca as superf³cies segundo o numero de Euler e a orientabilidade.<br />
Isto signi¯ca que podemos determinar a natureza topologica de uma superf³cie fechada<br />
sabendo apenas se e orientavel ou n~ao, e conhecendo seu numero de Euler Â. Nocasoda<br />
soma conexa de n toros, Â =2(1¡ n). Nocaso<strong>das</strong>omaconexaden planos projetivos,<br />
 =2¡ n. Onumero n, em cada caso, e ogenus da superf³cie.<br />
 orientavel n~ao orientavel<br />
2 S 2<br />
1 P 2<br />
0 T 2 K 2 = P 2 #P 2<br />
¡1 P 2 #P 2 #P 2<br />
¡2 T 2 #T 2 P 2 #P 2 #P 2 #P 2<br />
¡3 P 2 #P 2 #P 2 #P 2 #P 2<br />
¡4 T 2 #T 2 #T 2 P 2 #P 2 #P 2 #P 2 #P 2 #P 2<br />
.<br />
.<br />
.
Refer^encias Bibliogra¯cas<br />
[1] Weeks, Je®rey R. The Shape of Space. Marcel Dekker, Inc., New York, 1985.<br />
Neste magn³¯co trabalho, o topologo Je®rey Weeks desenvolve, de modo bastante<br />
intuitivo, topicos da geometria e da topologia de variedades bi e tri-dimensionais.<br />
Seu livro e conclu³do com um cap³tulo com algumas conjeturas interessantes acerca<br />
da topologia e da geometria do Universo, formula<strong>das</strong> por f³sicos e astrof³sicos<br />
teoricos. Imperd³vel, e a inspira»c~ao original para o presente livro.<br />
Outras duas refer^encias interessantes e alternativas, para aqueles interessados em<br />
abordagens intuitivas de topologia. O texto de Firby e Gardiner e arefer^encia de<br />
onde busquei a representa»c~ao de superf³cies por palavras e a manipula»c~ao destas.<br />
[2] Firby, P.A. & Gardiner, C. F. Surface Topology. Ellis Horwood Ltd., West Sussex,<br />
1982.<br />
[3] Farmer, D. W. & Stanford, T. B. Knots and Surfaces. A Guide to Discovering<br />
Mathematics. American Mathematical Society, Providence, 1996.<br />
Duas historias em quadrinhos sobre geometria e topologia <strong>das</strong> superf³cies s~ao:<br />
[4] Petit, J.-P. As Aventuras de Anselmo Curioso. Os Misterios da Geometria. Publica»c~oes<br />
Dom Quixote, Lisboa, 1982.<br />
[5] Petit, J.-P. As Aventuras de Anselmo Curioso. Einstein e o Buraco Negro. Publica»c~oes<br />
Dom Quixote, Lisboa, 1982.<br />
Com uma abordagem inicialmente intuitiva, desenvolvendo um certo formalismo µa<br />
medida em que se avan»ca no texto, chegando µa demonstra»c~ao de bons teoremas,<br />
e:<br />
[6] Prasolov, V.V., Intuitive Topology. American Mathematical Society, Providence,<br />
1995.<br />
Para estudantes universitarios que ja cursaram disciplinas de algebra linear e de<br />
introdu»c~ao µa teoria dos grupos, os seguintes livros s~ao dos mais elementares existentes,<br />
o ultimo sendo uma abrangente resenha sobre topologia.<br />
[7] Armstrong, M.A., Basic Topology, Springer-Verlag, New York, 1978.<br />
[8] Croom, F., Basic Concepts of Algebraic Topology, Springer-Verlag, New York, 1983.<br />
50
<strong>Topologia</strong> <strong>das</strong> superf³cies. Uma introduc»~ao intuitiva 51<br />
[9] Kosniowski, C., A First Course in Algebraic Topology, Cambridge University Press,<br />
Cambridge, 1980.<br />
[10] JÄanich, K., Topology. Springer-Verlag, New York, 1980.<br />
Endere»co para correspond^encia do autor:<br />
Jo~ao Carlos V. Sampaio<br />
Universidade Federal de S~ao Carlos<br />
Departamento de Matematica<br />
Caixa Postal 676<br />
13565-905 S~ao Carlos, S.P.<br />
e-mails: sampaio@dm.ufscar.br, sampaio@power.ufscar.br