Há um novo pedacinho de Portugal... igual a 4000 campos ... - Público
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2 <strong>Público</strong> Domingo 5 Agosto 2007<br />
Destaque<br />
Soberania Espaço marítimo português esten<strong>de</strong>-se para lá das 200 milhas náuticas<br />
<strong>Há</strong> <strong>um</strong> <strong>novo</strong><br />
<strong>pedacinho</strong> <strong>de</strong><br />
<strong>Portugal</strong>... <strong>igual</strong><br />
a <strong>4000</strong> <strong>campos</strong><br />
<strong>de</strong> futebol<br />
Tal como no Tratado <strong>de</strong> Tor<strong>de</strong>silhas,<br />
querem dividir o mar, com tudo o<br />
que lá existir. <strong>Portugal</strong> já leva avanço<br />
Teresa Firmino<br />
a <strong>Portugal</strong> voltou a <strong>de</strong>sbravar o mar.<br />
Tornou-se o primeiro país a ter jurisdição<br />
sobre <strong>um</strong>a área para lá das<br />
200 milhas náuticas, on<strong>de</strong> o mar é <strong>de</strong><br />
todos. No <strong>novo</strong> <strong>pedacinho</strong> <strong>de</strong> <strong>Portugal</strong>,<br />
para os lados dos Açores, existem<br />
fontes <strong>de</strong> água quente, a 2300 metros<br />
<strong>de</strong> profundida<strong>de</strong>, on<strong>de</strong> a luz do sol<br />
nunca chega.<br />
Para que quer <strong>um</strong> país <strong>um</strong> mundo<br />
<strong>de</strong>stes? Porque, entre outras coisas, as<br />
fontes hidrotermais são oásis <strong>de</strong> vida<br />
marinha, alg<strong>um</strong>a bem esquisita. Ela<br />
adaptou-se a condições extremas, como<br />
temperaturas elevadas e <strong>um</strong> ambiente<br />
tóxico, com enxofre, metais pesados,<br />
dióxido <strong>de</strong> carbono ou metano<br />
em excesso. Não <strong>de</strong>pen<strong>de</strong> da luz solar<br />
e da fotossíntese, mas da síntese que<br />
diversas espécies <strong>de</strong> bactérias fazem<br />
<strong>de</strong> elementos químicos oriundos das<br />
fontes hidrotermais, para obterem os<br />
nutrientes <strong>de</strong> que precisam. É nessas<br />
invulgares bactérias que assenta a ca<strong>de</strong>ia<br />
alimentar: servem <strong>de</strong> refeição a<br />
outros seres vivos, que servem <strong>de</strong><br />
refeição a outros...<br />
hectares é o<br />
tamanho do <strong>novo</strong><br />
bocado <strong>de</strong> chão 2215 português, no<br />
fundo do mar<br />
– correspon<strong>de</strong> a<br />
quase meta<strong>de</strong> da<br />
cida<strong>de</strong> do Porto<br />
Ao adaptarem-se às condições das<br />
fontes, bactérias e outros organismos<br />
po<strong>de</strong>m ter <strong>de</strong>senvolvido moléculas<br />
úteis à medicina ou à indústria. Na<br />
biotecnologia, as fontes hidrotermais<br />
do mar profundo são vistas como <strong>um</strong><br />
mundo admirável, <strong>de</strong> on<strong>de</strong> po<strong>de</strong>m<br />
sair produtos industriais ou farmacêuticos<br />
surpreen<strong>de</strong>ntes.<br />
Meta<strong>de</strong> da cida<strong>de</strong> do Porto<br />
“Rainbow” é o nome do <strong>novo</strong> pedaço<br />
<strong>de</strong> <strong>Portugal</strong>. Situa-se a 40 milhas do<br />
limite da zona económica exclusiva<br />
(ZEE) dos Açores. A i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> proteger<br />
a riqueza biológica <strong>de</strong>ste campo hidrotermal<br />
foi o início <strong>de</strong> <strong>um</strong>a história<br />
<strong>de</strong> conquista, em versão pacífi ca.<br />
<strong>Portugal</strong> começou por propor, em<br />
Outubro <strong>de</strong> 2006, que o Rainbow fosse<br />
<strong>um</strong>a área protegida sob jurisdição<br />
portuguesa, no âmbito da Convenção<br />
para a Protecção do Ambiente Marinho<br />
no Atlântico Nor<strong>de</strong>ste (OSPAR).<br />
Para esta candidatura, entrou em<br />
cena a equipa da Estrutura <strong>de</strong> Missão<br />
para a Extensão da Plataforma Continental<br />
(EMEPC), inc<strong>um</strong>bida pelo<br />
Governo <strong>de</strong> provar pela ciência, até<br />
2009, que a parte continental do<br />
território português se prolonga<br />
mar a<strong>de</strong>ntro para lá das 200 milhas da<br />
costa (370 quilómetros). Se o provar,<br />
<strong>Portugal</strong> po<strong>de</strong> esticar-se – mas só pelo<br />
leito e subsolo do mar, como estabelece<br />
a Convenção das Nações Unidas<br />
sobre o Direito do Mar (CNUDM), em<br />
vigor <strong>de</strong>s<strong>de</strong> 1994.<br />
Mas a EMEPC quis apressar as coisas.<br />
Defen<strong>de</strong>u que o Rainbow fosse<br />
já reconhecido, formalmente, como<br />
parte da plataforma continental portuguesa,<br />
com base na informação<br />
científi ca disponível. “<strong>Portugal</strong> podia,<br />
e <strong>de</strong>via, exercer sobre ele os direitos<br />
previstos na CNUDM – ou seja, direitos<br />
<strong>de</strong> soberania sobre a plataforma<br />
continental para exploração e aproveitamento<br />
dos recursos naturais”,<br />
refere <strong>um</strong>a nota <strong>de</strong> imprensa.<br />
O sim veio no fi nal <strong>de</strong> Junho, n<strong>um</strong>a<br />
reunião dos Estados-membros da OS-<br />
PAR na Bélgica. Consi<strong>de</strong>raram o Rainbow<br />
como área marinha protegida ao<br />
abrigo daquela convenção regional e<br />
referiram “claramente” que está na<br />
“plataforma continental portuguesa<br />
alargada, ou seja, <strong>de</strong>ntro da jurisdição<br />
nacional”, diz a nota.<br />
O <strong>novo</strong> bocado <strong>de</strong> chão português<br />
tem 2215 hectares: uns <strong>4000</strong> <strong>campos</strong><br />
<strong>de</strong> futebol ou cerca <strong>de</strong> meta<strong>de</strong> da cida<strong>de</strong><br />
do Porto. Simbólico, mas talvez<br />
prenúncio <strong>de</strong> <strong>um</strong> país que vai crescer<br />
muito mais. Assim o espera Manuel<br />
Pinto <strong>de</strong> Abreu, o engenheiro hidrógrafo<br />
e oceanógrafo físico que chefi a<br />
a EMEPC. Des<strong>de</strong> meados <strong>de</strong> 2005 que<br />
a sua equipa trabalha para alargar o<br />
fundo do mar português.<br />
Até à ZEE, os países têm direito <strong>de</strong><br />
explorar o que se encontrar na coluna<br />
<strong>de</strong> água e no fundo do mar. Transpor<br />
essa “fronteira”, embora já só para o<br />
fundo do mar, dá trabalho.<br />
Os cientistas têm <strong>de</strong> reunir <strong>um</strong>a<br />
imensidão <strong>de</strong> dados (geológicos, geofísicos,<br />
hidrográfi cos...) que provem<br />
que a plataforma continental dos seus<br />
territórios se prolonga, realmente, para<br />
lá das 200 milhas. Portanto, têm <strong>de</strong><br />
saber on<strong>de</strong> os fundos marinhos <strong>de</strong>ixam<br />
<strong>de</strong> ter características continentais<br />
e já têm características oceânicas.<br />
Para encontrar essa transição, usam-
se como pistas a morfologia do fundo<br />
(<strong>um</strong> <strong>de</strong>clive acentuado) e a geologia<br />
(o fi m da continuida<strong>de</strong> dos materiais<br />
geológicos entre a parte emersa e a<br />
submersa). O problema, nalguns casos,<br />
é que esse limite não é óbvio.<br />
O continente vezes 15?<br />
<strong>Portugal</strong>, ilhas incluídas, tem 92.083<br />
quilómetros quadrados e <strong>um</strong>a ZEE <strong>de</strong><br />
1,6 milhões <strong>de</strong> quilómetros quadrados.<br />
Até agora, os dados científi cos<br />
indicam que <strong>Portugal</strong> po<strong>de</strong>rá alargarse<br />
em cerca <strong>de</strong> 240 mil quilómetros<br />
quadrados, em redor da ZEE do continente<br />
e da Ma<strong>de</strong>ira, diz Pinto <strong>de</strong><br />
Abreu. Tirando os <strong>4000</strong> <strong>campos</strong> <strong>de</strong><br />
futebol do Rainbow, os Açores ainda<br />
não entram nas contas, porque os<br />
levantamentos oceanográfi cos começaram<br />
agora. Está lá o navio Almirante<br />
Gago Coutinho e, em Setembro,<br />
seguirá o D. Carlos I.<br />
No cenário optimista, o fundo do<br />
mar português po<strong>de</strong>rá alargar-se em<br />
1,3 milhões <strong>de</strong> quilómetros quadrados<br />
– o que é 14,9 vezes a área <strong>de</strong> <strong>Portugal</strong><br />
continental. O cenário menos favorável<br />
é o dos 240 mil quilómetros<br />
quadrados já prospectados (2,6 vezes<br />
a área continental).<br />
Agora, os cientistas correm contra<br />
o tempo, <strong>um</strong> esforço que custará, incluindo<br />
missões <strong>de</strong> navios, 15 milhões<br />
<strong>de</strong> euros. Até 13 <strong>de</strong> Maio <strong>de</strong> 2009, o<br />
processo <strong>de</strong> extensão da plataforma<br />
tem <strong>de</strong> estar concluído e toda a doc<strong>um</strong>entação<br />
tem <strong>de</strong> ser entregue na Co-<br />
MISSÃO-SEHAMA – FCT/PDCTM<br />
As fontes hidrotermais são oásis <strong>de</strong> vida marinha muito úteis à ciência<br />
missão <strong>de</strong> Limites da Plataforma Continental.<br />
Se as suas recomendações<br />
forem favoráveis, <strong>Portugal</strong> po<strong>de</strong>rá<br />
então exercer o acto <strong>de</strong> soberania que<br />
é fi xar os limites do país. Que surpresas<br />
reservarão essas novas parcelas às<br />
gerações actuais e futuras? Petróleo?<br />
Gás? Metais? Recursos genéticos, <strong>de</strong><br />
fontes hidrotermais ou não?<br />
“<strong>Há</strong> quem diga que a plataforma<br />
continental é o <strong>novo</strong> Tratado <strong>de</strong> Tor<strong>de</strong>silhas<br />
para <strong>Portugal</strong>, tal a vastidão<br />
da área que po<strong>de</strong> fi car sob jurisdição<br />
nacional. Na União Europeia, <strong>Portugal</strong><br />
já tem a maior ZEE. Com o alargamento<br />
da plataforma, passará a ser dos<br />
países com maior jurisdição marítima<br />
do mundo”, diz o jurista Tiago Pitta<br />
e Cunha, que coor<strong>de</strong>nou a estratégia<br />
portuguesa para os oceanos.<br />
Quando se pergunta qual o signifi<br />
cado do Rainbow, Pinto <strong>de</strong> Abreu<br />
sublinha: “É o reconhecimento da<br />
jurisdição nacional nessa área, sem<br />
sequer termos concluído o processo<br />
<strong>de</strong> extensão da plataforma.”<br />
O passo seguinte no Rainbow é gerir<br />
e regular a investigação e exploração<br />
dos recursos. Se os cientistas <strong>de</strong><br />
outros países quiserem lá ir, têm <strong>de</strong><br />
comunicar a <strong>Portugal</strong>. “É normal que<br />
partilhem parte do material recolhido”,<br />
diz Pinto <strong>de</strong> Abreu. “Quando há<br />
<strong>um</strong> limite traçado, há <strong>um</strong>a barreira<br />
que geralmente é respeitada.”<br />
A incógnita, agora, é saber on<strong>de</strong><br />
haverá mais ban<strong>de</strong>iras com as cores<br />
portuguesas no chão do Atlântico.<br />
<strong>Público</strong> Domingo 5 Agosto 2007 3<br />
Razões do protagonismo português<br />
A importância<br />
diplomática <strong>de</strong> ter<br />
<strong>um</strong> pin na lapela<br />
Teresa Firmino<br />
a Um simples pin na lapela, se bem<br />
escolhido, po<strong>de</strong> ter mais importância<br />
do que parece. Um folheto, se traduzido<br />
nas línguas certeiras, também. A<br />
campanha do engenheiro hidrógrafo<br />
Fernando Maia Pimentel para a comissão<br />
que vai <strong>de</strong>cidir a divisão do<br />
fundo do mar para lá das 200 milhas<br />
náuticas teve disso tudo. Pins com a<br />
ban<strong>de</strong>ira portuguesa, <strong>um</strong> folheto em<br />
inglês, espanhol, francês, árabe, russo<br />
e chinês, <strong>um</strong>a intensa campanha<br />
eleitoral na se<strong>de</strong> das Nações Unidas<br />
em Nova Iorque. Resultou: foi <strong>um</strong> dos<br />
21 “sábios” eleitos em Junho para a<br />
Comissão <strong>de</strong> Limites da Plataforma<br />
Continental.<br />
<strong>Portugal</strong>, a Alemanha e o Reino<br />
Unido procuravam eleger, para o<br />
mesmo lugar, os candidatos que<br />
apoiavam. Foi tão renhida a eleição,<br />
durante dois dias, que os folhetos dos<br />
outros concorrentes, <strong>de</strong> início só em<br />
inglês, passaram a incluir outras línguas.<br />
“Quando viram o nosso, mudaram<br />
os folhetos”, conta Manuel Pinto<br />
<strong>de</strong> Abreu, responsável pela Estrutura<br />
<strong>de</strong> Missão para a Extensão da Plataforma<br />
Continental (EMEPC).<br />
A certa altura, a Alemanha <strong>de</strong>sistiu,<br />
mas Maia Pimentel, <strong>de</strong> 47 anos,<br />
ofi cial da Marinha, teve <strong>de</strong> <strong>de</strong>frontar<br />
o candidato britânico, para ver<br />
quem recebia mais votos dos países<br />
que ratifi caram a Lei do Mar da ONU.<br />
Surgiu então a i<strong>de</strong>ia <strong>de</strong> comprar pins,<br />
para o país <strong>de</strong> Maia Pimentel ser logo<br />
i<strong>de</strong>ntifi cado na campanha, assente<br />
no arg<strong>um</strong>ento <strong>de</strong> que era dos poucos<br />
hidrógrafos na comissão. “Reparámos<br />
que a responsável inglesa<br />
também <strong>de</strong>u instruções para comprarem<br />
pins...”<br />
Brasil e Irlanda<br />
Tais peripécias revelam a importância<br />
que os países <strong>de</strong>positaram na<br />
eleição <strong>de</strong>sta comissão, que é para<br />
os próximos cinco anos. Tudo porque<br />
o prazo da entrega das propostas <strong>de</strong>pen<strong>de</strong><br />
da data <strong>de</strong> ratifi cação da Lei do<br />
Mar, por isso 90 por cento dos países<br />
têm <strong>de</strong> fazê-lo até 2009. “Esta nova<br />
comissão é aquela que vai <strong>de</strong>cidir”,<br />
sublinha Pinto <strong>de</strong> Abreu, também da<br />
Universida<strong>de</strong> Lusófona. Maia Pimentel<br />
integra-a pela segunda vez.<br />
Apresentaram-se já oito propostas.<br />
A primeira, da Rússia, em 2001. Este<br />
país enviou dois mini-submarinos<br />
Mir para baixo dos gelos do Árctico,<br />
<strong>um</strong>a viagem inédita com direito a<br />
ban<strong>de</strong>ira russa no fundo do mar,<br />
colocada na quinta-feira. A i<strong>de</strong>ia<br />
é reforçar as provas, consi<strong>de</strong>radas<br />
insufi cientes pela comissão, <strong>de</strong> que<br />
a sua plataforma se esten<strong>de</strong> até ao<br />
Pólo Norte, on<strong>de</strong> se suspeita haver<br />
petróleo e recursos minerais.<br />
Mas os outros quatro países no<br />
Árctico (EUA, Canadá, Noruega e<br />
Dinamarca) também preten<strong>de</strong>m reclamar<br />
aquele território. O Canadá<br />
consi<strong>de</strong>rou a missão russa <strong>um</strong> espec-<br />
táculo, sem valor legal. Já os EUA são<br />
dos poucos que não ratifi caram a Lei<br />
do Mar (o que lhes <strong>de</strong>ixa margem <strong>de</strong><br />
manobra quanto aos prazos <strong>de</strong> entrega),<br />
mas estão a fazer o trabalho.<br />
O Brasil, o segundo a entregar a<br />
proposta, em 2004, prepara-a há 20<br />
anos. Ou não retirasse gran<strong>de</strong> parte<br />
do seu petróleo do subsolo marinho.<br />
E, para se ter noção da quantida<strong>de</strong><br />
<strong>de</strong> dados, a proposta da Austrália<br />
enchia <strong>de</strong> papel dois carrinhos <strong>de</strong><br />
supermercado.<br />
A comissão está prestes a publicar<br />
as primeiras “recomendações favoráveis”,<br />
para a Irlanda e o Brasil, conta<br />
Paulo Neves Coelho, o coor<strong>de</strong>nador<br />
jurídico da EMEPC. No fi nal, quantos<br />
países irão alargar-se? “Mais <strong>de</strong> 60<br />
terão possibilida<strong>de</strong>s <strong>de</strong> esten<strong>de</strong>r a<br />
plataforma”, diz Pinto <strong>de</strong> Abreu.<br />
A campanha do engenheiro<br />
hidrógrafo Fernando Maia<br />
Pimentel teve <strong>de</strong> tudo: pins<br />
com a ban<strong>de</strong>ira portuguesa,<br />
<strong>um</strong> folheto em inglês,<br />
espanhol, francês, árabe,<br />
russo e chinês, <strong>um</strong>a intensa<br />
campanha eleitoral na se<strong>de</strong><br />
da ONU. Resultou: foi <strong>um</strong> dos<br />
21 “sábios” eleitos em Junho<br />
Se nalguns casos po<strong>de</strong>rão surgir<br />
melindres diplomáticos, noutros<br />
houve entendimento. “Tem havido<br />
colaboração <strong>de</strong> países com <strong>um</strong> antagonismo<br />
forte, como a Índia e o Paquistão”,<br />
refere Pinto <strong>de</strong> Abreu.<br />
No caso <strong>de</strong> <strong>Portugal</strong> e Espanha, não<br />
se afi gura a reedição <strong>de</strong> rivalida<strong>de</strong>s<br />
antigas, pelo contrário. Os dois países<br />
<strong>de</strong>verão chegar a <strong>um</strong> entendimento<br />
prévio quanto a <strong>um</strong>a zona entre o<br />
Norte <strong>de</strong> <strong>Portugal</strong> continental e a<br />
Galiza, apresentando nas respectivas<br />
propostas a mesma solução científi ca<br />
para a forma como a plataforma se<br />
prolonga.
4 <strong>Público</strong> Domingo 5 Agosto 2007<br />
Soberania Espaço marítimo português esten<strong>de</strong>-se para lá das 200 milhas náuticas<br />
Recursos vivos, não vivos ou <strong>de</strong> <strong>um</strong> terceiro género<br />
Enquanto não existir <strong>um</strong><br />
acordo internacional sobre<br />
o que são recursos genéticos<br />
marinhos, cientistas<br />
como Craig Venter po<strong>de</strong>m<br />
procurá-los sem restrições<br />
a Qual é a natureza dos recursos<br />
genéticos marinhos: são vivos, não<br />
vivos ou <strong>de</strong> <strong>um</strong> terceiro género? O<br />
que vier a sair <strong>de</strong>sta discussão, promovida<br />
pela ONU, vai condicionar a<br />
forma como bocadinhos <strong>de</strong> ADN e<br />
proteínas po<strong>de</strong>rão ser explorados e<br />
patenteados.<br />
Basta pensar que o mediático<br />
Craig Venter, o cientista americano<br />
que entrou na corrida da <strong>de</strong>scodifi<br />
cação do genoma h<strong>um</strong>ano, virou<br />
os seus interesses para os recursos<br />
genéticos marinhos. Quer <strong>de</strong>scobrir<br />
microrganismos, genes e proteínas<br />
<strong>de</strong> origem marinha que o aju<strong>de</strong>m a<br />
resolver dois dos maiores problemas<br />
da h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong>, a crise energética<br />
e as alterações climáticas. A i<strong>de</strong>ia é<br />
criar vida em laboratório com ADN<br />
recolhido dos oceanos. Pôs o seu<br />
iate, o Sorcerer II, a procurar esses<br />
recursos, embora diga que não vai<br />
patentear nada.<br />
O problema é a Lei do Mar da ONU<br />
não falar <strong>de</strong> recursos genéticos marinhos.<br />
Fala só <strong>de</strong> recursos vivos e<br />
não vivos, em relação aos quais estabelece<br />
regimes jurídicos específi cos.<br />
Se os recursos genéticos marinhos<br />
forem vivos, consi<strong>de</strong>ra-se que, para<br />
lá da zona económica exclusiva (ZEE)<br />
e da plataforma continental <strong>de</strong> <strong>um</strong><br />
país, eles são <strong>de</strong> quem os apanhar<br />
primeiro – quer se situem na coluna<br />
<strong>de</strong> água, quer no solo marinho. “Com<br />
base nestas regras, os recursos genéticos<br />
marinhos fi cariam potencialmente<br />
à disposição dos países tecnologicamente<br />
<strong>de</strong>senvolvidos, sem<br />
qualquer proveito para a restante<br />
comunida<strong>de</strong> internacional”, explica<br />
o jurista Paulo Neves Coelho.<br />
Por isso, os países em vias <strong>de</strong> <strong>de</strong>senvolvimento<br />
têm <strong>de</strong>fendido outras<br />
qualifi cações para estes recursos, em<br />
especial a <strong>de</strong> pertencerem a <strong>um</strong> terceiro<br />
género.<br />
Se não forem vivos, tal como os recursos<br />
minerais, então consi<strong>de</strong>ra-se<br />
que, para lá da ZEE e da plataforma<br />
continental dos países, aqueles que<br />
estiverem no leito e subsolo são património<br />
da h<strong>um</strong>anida<strong>de</strong>. A sua exploração<br />
seria gerida pela Autorida<strong>de</strong><br />
Internacional dos Fundos Marinhos,<br />
que já funciona para os recursos minerais<br />
(parte dos benefícios da sua<br />
exploração reverte para <strong>um</strong> fundo<br />
internacional). Com este mo<strong>de</strong>lo, no<br />
entanto, fi caria a dúvida sobre o regime<br />
a aplicar aos recursos genéticos<br />
na coluna <strong>de</strong> água, porque a Lei do<br />
Mar não prevê essa situação.<br />
Se os recursos genéticos fossem<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong> terceiro género, então para<br />
lá do mar territorial (12 milhas náuticas)<br />
fi caria tudo em aberto quanto<br />
à sua gestão, exploração e partilha<br />
<strong>de</strong> benefícios.<br />
Acesso por regular<br />
<strong>Portugal</strong>, o único país da União Europeia<br />
(UE) com fontes hidrotermais,<br />
tem <strong>um</strong>a “posição consolidada” so-<br />
Os camarões gostam <strong>de</strong>ste ambiente e ac<strong>um</strong>ulam-se nas chaminés<br />
bre a questão, diz Neves Coelho. Defen<strong>de</strong><br />
que são vivos e <strong>de</strong>ve fazer-se<br />
<strong>um</strong> acordo internacional, no âmbito<br />
da ONU, que regule o acesso e a partilha<br />
<strong>de</strong> benefícios <strong>de</strong>sses recursos<br />
Missão inglesa levou ao baptismo do campo hidrotermal<br />
Um arco-íris no Atlântico <strong>de</strong>scoberto na década <strong>de</strong> 90<br />
a O nome inglês do <strong>novo</strong> pedaço<br />
<strong>de</strong> <strong>Portugal</strong> resulta <strong>de</strong> <strong>um</strong>a história<br />
que tem tanto <strong>de</strong> <strong>de</strong>salento quanto<br />
<strong>de</strong> esperança.<br />
Em 1994, o britânico Christopher<br />
German chefi ava <strong>um</strong> cruzeiro científi<br />
co <strong>de</strong> <strong>um</strong> projecto europeu em<br />
busca <strong>de</strong> fontes hidrotermais n<strong>um</strong>a<br />
zona perto dos Açores – a Dorsal<br />
Médio-Atlântica, <strong>um</strong>a cordilheira<br />
submarina, que é fronteira <strong>de</strong> placas<br />
tectónicas. As placas afastam-se,<br />
há nova crosta oceânica a formar-se.<br />
Pelas <strong>de</strong>scobertas noutros sítios, sabe-se<br />
que <strong>um</strong> local assim é propício<br />
ao aparecimento <strong>de</strong> fontes: a crosta<br />
golpeada por fracturas <strong>de</strong>ixa a água<br />
avançar pelo interior do planeta,<br />
<strong>de</strong>pois quando retorna ao fundo do<br />
mar vem quente e rica em minerais e<br />
metais. As fontes são a manifestação<br />
<strong>de</strong>sse fenómeno, já <strong>de</strong>tectado em seis<br />
áreas geográfi cas (a primeira vez no<br />
Pacífi co, nos anos 70).<br />
A equipa <strong>de</strong> German procurava<br />
na água os vestígios químicos das<br />
fontes, usando <strong>um</strong> instr<strong>um</strong>ento<br />
com sensores. Os dados iam para<br />
<strong>um</strong> computador no navio. Depois <strong>de</strong><br />
dia e noite nisso, os cientistas tinham<br />
indícios da presença <strong>de</strong> fontes, que<br />
mais tar<strong>de</strong> teria <strong>de</strong> ser confi rmada<br />
por <strong>um</strong> submarino. Ou pensavam<br />
que tinham.<br />
para lá das diversas áreas <strong>de</strong> jurisdição<br />
nacional. A UE ainda não tem<br />
<strong>um</strong>a posição clara, mas a tendência<br />
é para aceitar os recursos genéticos<br />
como vivos, acrescenta.<br />
O computador não guardou nada.<br />
Ainda por cima a missão estava<br />
quase no fi m. “Afi nal, não tínhamos<br />
nenh<strong>um</strong>a prova da nossa <strong>de</strong>scoberta.<br />
Sentados no convés <strong>de</strong> manhãzinha,<br />
fi cámos em silêncio, sem saber o que<br />
fazer”, conta German. Foi quando<br />
apareceu <strong>um</strong>a cientista acabada <strong>de</strong><br />
acordar: “Bom dia! Está <strong>um</strong> dia bonito,<br />
não está? Olhem o arco-íris.”<br />
MISSÃO-SEHAMA – FCT/PDCTM<br />
Ir buscar recursos genéticos às fontes<br />
hidrotermais ou a outros sítios do<br />
mar é caro, até porque não é garantido<br />
que acabem n<strong>um</strong>a aplicação com<br />
valor social e económico. Mas já não<br />
Bastou para afastar o <strong>de</strong>sânimo. Arranjaram<br />
o computador e voltaram a<br />
pôr a instr<strong>um</strong>entação no mar, para<br />
outras 20 horas <strong>de</strong> trabalho. Com<br />
essas pistas, três anos <strong>de</strong>pois, no<br />
mesmo sítio, o submersível francês<br />
Nautile <strong>de</strong>scobria, <strong>de</strong> facto, as fontes<br />
do Rainbow, n<strong>um</strong>a missão com participação<br />
<strong>de</strong> cientistas portugueses.<br />
Não têm as cores do arco-íris.<br />
O número<br />
170<br />
milhões <strong>de</strong> euros<br />
foi quanto ren<strong>de</strong>u, em 2006, a<br />
venda <strong>de</strong> <strong>um</strong>a substância para<br />
tratar o herpes labial tirada <strong>de</strong><br />
<strong>um</strong>a esponja marinha, revela<br />
<strong>um</strong> relatório sobre recursos<br />
genéticos marinhos, <strong>de</strong> Junho<br />
último, da Universida<strong>de</strong> das<br />
Nações Unidas. Des<strong>de</strong> 1973<br />
foram registadas 135 patentes<br />
baseadas nestes recursos<br />
faltam exemplos. O herpes labial é<br />
tratado com <strong>um</strong>a substância tirada<br />
<strong>de</strong> <strong>um</strong>a esponja marinha: ren<strong>de</strong>u<br />
mais <strong>de</strong> 170 milhões <strong>de</strong> euros em<br />
2006, segundo <strong>um</strong> relatório sobre<br />
recursos genéticos marinhos, <strong>de</strong><br />
Junho último, da Universida<strong>de</strong> das<br />
Nações Unidas.<br />
Des<strong>de</strong> 1973, registaram-se 135 patentes<br />
baseadas nestes recursos, com<br />
aplicações químicas, farmacêuticas,<br />
na cosmética, indústria alimentar ou<br />
agricultura. “Em 2002, estima-se que<br />
as vendas globais <strong>de</strong> produtos biotecnológicos<br />
marinhos, incluindo compostos<br />
contra o cancro, antibióticos<br />
e antivirais, tenham atingido 1,75 mil<br />
milhões <strong>de</strong> euros”, refere o mesmo<br />
relatório. T.F.<br />
Libertam fl uidos negros, a mais <strong>de</strong><br />
350 graus Celsius. Os materiais que<br />
se precipitam originam as emblemáticas<br />
chaminés das fontes. Os camarões<br />
gostam <strong>de</strong>ste ambiente, ou não<br />
se ac<strong>um</strong>ulariam nas chaminés. Mexilhões<br />
e peixes também. E quando<br />
alg<strong>um</strong>as das suas fontes <strong>de</strong>ixam <strong>de</strong><br />
lançar fl uidos escuros, as chaminés<br />
parecem pináculos <strong>de</strong> catedrais. T.F.<br />
MISSÃO-SEHAMA – FCT/PDCTM<br />
Quando cessam os fluidos negros,<br />
as chaminés parecem pináculos