Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
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essa pena uma idéia de infâmia, como infligi-la a homens cuja moralidade se quer<br />
reerguer? A dificuldade é real, e ela parece mais séria ainda quando se pensa na<br />
natureza mesma da disciplina que deve ser mantida. O silêncio é a base do <strong>sistema</strong>: essa<br />
obrigação de um silêncio absoluto, que nada tem de incompatível com a gravidade<br />
americana, se conciliaria tão facilmente com o caráter francês? Se dermos crédito ao<br />
senhor Elam Lynds, os franceses são, de todos os povos, os que melhor se submeteriam<br />
a todas as exigências do <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong>: no entanto, a questão <strong>nos</strong> parece ainda<br />
nova, e não sabemos até que ponto o senhor Elam Lynds soube bem julgar a docilidade<br />
dos condenados franceses em geral, pelas observações que fez nas prisões dos Estados<br />
Unidos, onde não viu senão um pequeno número de franceses dispersos no meio de uma<br />
multidão de america<strong>nos</strong> 1 .<br />
Quanto a nós, sem resolver esse problema, acreditamos que a lei do silêncio<br />
seria infinitamente mais sofrível ao francês que ao americano, cujo caráter é taciturno e<br />
refletido; e, por essa razão, parece-<strong>nos</strong> que seria ainda mais difícil na França que na<br />
América manter a disciplina penitenciária que tem no silêncio o fundamento, sem o<br />
socorro de castigos corporais. Somos tanto mais levados a pensar assim na medida em<br />
que a disciplina das prisões na América é favorecida por uma outra circunstância com a<br />
qual não deveríamos contar. Há em geral <strong>nos</strong> Estados Unidos um espírito de obediência<br />
à lei que se encontra mesmo nas prisões: sem ter necessidade de indicar aqui as razões<br />
políticas desse fato, nós o constatamos; ora, esse espírito de submissão à ordem<br />
estabelecida não existe em <strong>nos</strong>so país da mesma forma. Há ao contrário, na França, no<br />
espírito da massa, uma tendência lamentável para violar a regra: e essa inclinação para a<br />
insubordinação <strong>nos</strong> parece de uma natureza que atrapalha ainda mais a disciplina nas<br />
prisões.<br />
O <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong>, ao qual seria difícil, na França, dar o apoio material,<br />
que neste caso parece ser ainda mais necessário que alhures, seria também<br />
possivelmente privado do auxílio moral que, <strong>nos</strong> Estados Unidos, contribui bastante<br />
para seu sucesso.<br />
Na América, o movimento que determinou a reforma das prisões foi<br />
essencialmente religioso. Foram homens religiosos que conceberam e realizaram tudo o<br />
que foi empreendido; não agiam sozinhos; mas foram eles que, por seu zelo, deram<br />
impulsão a todos, e excitaram assim em todos os espíritos o ardor do qual estavam<br />
animados: também a religião é hoje em dia, em todas as novas prisões, um dos<br />
elementos fundamentais da disciplina e da reforma: é sua influência que produz,<br />
sozinha, reformas completas; e mesmo com respeito a reformas me<strong>nos</strong> profundas,<br />
vimos que ela contribui muito para que aconteçam.<br />
É de se temer que na França essa assistência religiosa faça falta ao <strong>sistema</strong><br />
<strong>penitenciário</strong>.<br />
Não existiria alguma frieza da parte do clero com relação a essa nova instituição,<br />
da qual a filantropia, em <strong>nos</strong>so país, parece ter tomado conta?<br />
E, por outro lado, se o clero francês se mostrasse zeloso da reforma moral dos<br />
crimi<strong>nos</strong>os, a opinião pública o veria favoravelmente encarregado dessa missão?<br />
Há, em <strong>nos</strong>so país, em um grande número de pessoas, contra a religião e seus<br />
ministros, paixões que não existem <strong>nos</strong> Estados Unidos, e <strong>nos</strong>so clero tem impressões<br />
desconhecidas nas seitas religiosas da América.<br />
Na França, onde durante muito tempo o altar lutou em concerto com o trono para<br />
defender o poder real, os homens não se habituaram ainda a separar a religião da<br />
autoridade, e as paixões das quais esta última é objeto acabam por atingir a primeira.<br />
1 Ver <strong>nos</strong>sa conversação com o senhor Elam Lynds no fim do volume.<br />
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