Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
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Outros, engajados em via completamente oposta, pensam que a condição dos<br />
detentos em uma prisão é tão desgraçada que se deve temer agravá-la; e quando são<br />
informados de um <strong>sistema</strong> onde o isolamento e o silêncio formam a base, eles dizem<br />
que a sociedade não tem o direito de tratar os homens com tanto rigor.<br />
Enfim, há uma terceira classe de pessoas que, sem se pronunciar <strong>sobre</strong> as<br />
vantagens ou inconvenientes do <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong>, o consideram como uma utopia<br />
saída do cérebro dos filósofos e destinada a aumentar o número das aberrações<br />
humanas. O sentimento desses últimos foi, é preciso confessá-lo, fortalecido algumas<br />
vezes pelos escritos dos publicistas mais distintos, cujos erros nessa matéria foram<br />
acolhidos como as mais sãs opiniões.<br />
Assim, Bentham quer que, na sua prisão pan-óptica, haja sempre uma música com<br />
a ajuda da qual se atenuassem as paixões dos crimi<strong>nos</strong>os. O senhor Livingston cobra,<br />
para os jovens detentos, e para os próprios condenados, um <strong>sistema</strong> de instrução quase<br />
tão completo quanto o estabelecido nas academias livres, e o senhor Charles Lucas<br />
indica, como modo de executar a pena de encarceramento, um <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong> que<br />
se conciliaria dificilmente com os princípios essenciais em matéria criminal. 1<br />
É justo acusar a severidade ou o regime brando demais das prisões<br />
penitenciárias? É preciso condenar esse <strong>sistema</strong> a partir dos exageros cometidos pelos<br />
escritores que, preocupados demais com as doutrinas filosóficas, não se precaveram<br />
contra os perigos de uma teoria levada às últimas conseqüências?<br />
O novo <strong>sistema</strong> <strong>nos</strong> parece ao contrário ter sido concebido pelo desejo de evitar<br />
os excessos que lhe são repreendidos: livre dos rigores que não são necessários para seu<br />
sucesso; isento das branduras que são reclamadas apenas por uma filantropia<br />
equivocada.<br />
Enfim, sua execução se apresenta a <strong>nos</strong>sos olhos com todas as vantagens de uma<br />
extrema simplicidade prática.<br />
Pensa-se que dois seres perversos reunidos <strong>nos</strong> mesmo lugar devem se<br />
corromper mutuamente: que sejam, então, separados. A voz de suas paixões, ou o<br />
turbilhão do mundo lhes tinha atordoado e desviado: são isolados e, assim, levados à<br />
reflexão. A comunicação destes com malfeitores lhes tinha pervertido: são condenados<br />
ao silêncio. A ociosidade os tornou depravados: são postos para trabalhar. A miséria<br />
lhes tinha conduzido ao crime: uma profissão lhes é ensinada. Violaram as leis do país:<br />
é-lhes infligida uma pena. Suas vidas são protegidas, seus corpos são e salvos; mas nada<br />
1 Ver Du système penal et répressif. O senhor Lucas viu toda legislação penal no <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong>.<br />
Ele disse “Trata-se apenas de reformar o malfeitor; uma vez essa reforma operada, o crimi<strong>nos</strong>o deve<br />
voltar para a sociedade.” Há algo de verdadeiro nesse <strong>sistema</strong>, mas ele é incompleto. O primeiro objetivo<br />
da pena não é reformar o condenado, mas dar à sociedade um exemplo útil e moral. Chega-se a isso<br />
infligindo ao culpado um castigo proporcional ao seu crime. Toda pena que não está em harmonia com o<br />
delito choca a equidade pública, e é imoral seja pelo seu rigor, seja pela sua indulgência.<br />
Mas importa também para a sociedade que aquele que ela pune para servir de exemplo se corrija na<br />
prisão: eis o segundo objetivo da pena, de menor importância que o primeiro porque tem me<strong>nos</strong><br />
conseqüências. O <strong>sistema</strong> do senhor Charles Lucas é vicioso já que considera somente o segundo ponto,<br />
negligenciando completamente o primeiro. Ele toma sempre as penas como meio de reforma do culpado,<br />
e não como meio de exemplo para a sociedade. É por isso que ele quer que o crimi<strong>nos</strong>o seja posto em<br />
liberdade a partir do momento em que haja presunção de sua regeneração. Não vendo no encarceramento<br />
senão um tempo de provação durante o qual o condenado se mostra arrependido e corrigido mais ou<br />
me<strong>nos</strong> rapidamente, ele faz a duração da sentença depender de sua conduta na prisão. No entanto, a<br />
conduta na prisão não prova absolutamente nada: reconhecemos mesmo que ela é um indício mais<br />
contrário que favorável. (Ver capítulo II, seção II, §7.) Aliás, quem será juiz da conversão dos<br />
condenados? Pode-se julgar um fato; mas quem entrará na consciência do detento, para ver nela seu<br />
arrependimento? – E, ademais, onde estará a reparação devida à sociedade? E como provar para a<br />
sociedade que o crimi<strong>nos</strong>o tornou-se um homem honesto, e que essa mudança vale uma expiação?<br />
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