Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
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guerra dos Estados Unidos com a Inglaterra; essa guerra, tendo acabado, fez com<br />
fossem trazidos de volta para suas casas uma multidão de militares que a paz tinha<br />
privado da profissão.<br />
Existe outra dificuldade: na medida mesma em que se está de acordo a respeito da<br />
causa dos crimes, não se sabe absolutamente a causa de seu aumento.<br />
Como se conhece o número de crimes cometidos? Pelo número das condenações;<br />
ora, várias causas podem tornar as condenações mais freqüentes, sem que o número de<br />
crimes tenha crescido.<br />
Por exemplo, se a polícia judiciária investiga os crimes com mais zelo e atividade,<br />
algo que acontece ordinariamente quando a atenção pública se volta para esse tema, o<br />
número de crimes cometidos não aumenta, há somente mais crimes constatados. A<br />
mesma coisa quando a repressão dos tribunais criminais é mais severa: ela se torna<br />
assim quando a lei penal é abrandada. Então o número de absolvições diminui, há mais<br />
condenações, embora o número de crimes não tenha variado. O próprio <strong>sistema</strong><br />
<strong>penitenciário</strong>, que deve diminuir o número de crimes, tem por primeiro resultado, desde<br />
sua origem, aumentar o número de condenações. Com efeito, da mesma forma que aos<br />
magistrados repugna muitas vezes condenar culpados já que conhecem a influência<br />
corruptora da prisão em que serão encarcerados, da mesma forma também eles se<br />
mostram muito mais inclinados a proferir uma condenação quando eles sabem que a<br />
prisão, longe de ser uma escola de crime, é um lugar de penitência e de reforma.<br />
Seja como for, claramente resulta do que precede que o aumento de crimes ou sua<br />
diminuição são produzidos por causa sejam gerais, sejam acidentais, mas que não têm<br />
nenhuma relação direta com o <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong>.<br />
Se se quer refletir <strong>sobre</strong> o objeto do <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong> e seu alcance natural,<br />
ver-se-á que ele não poderia ter a influência geral que lhe é atribuída, e que a questão é<br />
mal colocada quando se exige que ele dê conta, em termos absolutos, da progressão dos<br />
crimes: o bom ou mau regime de uma prisão só poderia exercer uma influência <strong>sobre</strong><br />
aqueles que nela foram encarcerados. As prisões podem ser muito boas em um país<br />
onde há muitos crimes, e muito ruins em outro onde os crimes são bem raros. De tal<br />
maneira que em Massachussetts, onde há me<strong>nos</strong> condenados, as prisões são viciosas;<br />
por outro lado, são boas no estado de Nova Iorque, onde os crimes são mais<br />
numerosos 1 . Uma prisão ruim não pode depravar os que não foram expostos à sua<br />
influência corruptora, da mesma forma que uma boa penitenciária não pode reformar os<br />
indivíduos que desconhecem seu regime benéfico.<br />
As instituições, os costumes 2 , as circunstâncias políticas, eis o que influi <strong>sobre</strong> a<br />
moralidade dos homens em sociedade; as prisões agem somente <strong>sobre</strong> a moralidade dos<br />
homens aprisionados 3 .<br />
O <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong> não tem, portanto, a extensão de ação que algumas vezes<br />
lhe é atribuída. Reduzida, como ela deve ser, à população das prisões, sua influência<br />
direta é importante o suficiente para que não se busque lhe atribuir uma que ele não tem:<br />
e, com efeito, se essa parte do corpo social <strong>sobre</strong> a qual se exerce o regime <strong>penitenciário</strong><br />
é pequena, ela é, no entanto, a mais gangrenada, tendo uma ferida que é, ao mesmo<br />
tempo, a mais contagiosa e a que mais importa curar.<br />
1 Dizemos que, em Massachussetts, onde há me<strong>nos</strong> condenados, as prisões são viciosas: elas eram<br />
viciosas, e não são mais; somo obrigados a falar no passado, porque se trata de apreciar seus efeitos.<br />
2 São feitos grandes esforços <strong>nos</strong> Estados Unidos para corrigir um vício que lá é bastante comum: a<br />
intemperança. (Ver a Nota <strong>sobre</strong> as sociedades de temperança, peça nº 6).<br />
3 O senhor Livingston mais de uma vez proclamou essa verdade, que se encontra energicamente expressa<br />
em sua carta a Roberts Vaux, p. 14 e 15, 1828.<br />
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