Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
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excesso, e uma opinião tão desencorajadora quanto a sua teria necessidade, para ser<br />
adotada, de ser uma verdade evidente. Não há, de resto, nenhum meio humano de<br />
provar essa reforma completa: como demonstrar com números a pureza da alma, a<br />
delicadeza dos sentimentos e a inocência das intenções? A sociedade, impotente para<br />
operar essa regeneração radical, também não tem poder para constatá-la quando ela<br />
existe. É em um e em outro caso uma questão de foro interior: no primeiro caso, só<br />
Deus pode agir; no segundo, só Deus pode julgar. No entanto, aquele que, na terra, é o<br />
ministro de Deus, tem algumas vezes também o privilégio de ler na consciência; e é<br />
assim que os dois eclesiásticos dos quais falávamos há pouco crêem conhecer a<br />
moralidade dos prisioneiros e o que se passa no fundo de suas almas. Eles estão sem<br />
dúvida em melhores condições que os outros para obter a confiança desses desgraçados,<br />
e estamos persuadidos que muitas vezes eles ouvem confissões desinteressadas e<br />
arrependimentos sinceros. Mas eles também correm o risco de serem enganados com<br />
protestos hipócritas! O condenado, qualquer que seja seu crime, espera sempre ser<br />
agraciado. Essa esperança existe <strong>sobre</strong>tudo nas prisões dos Estados Unidos, onde<br />
durante muito tempo abusou-se da concessão da graça 1 . O crimi<strong>nos</strong>o, portanto, tem<br />
interesse em mostrar ao capelão, o único que mantém com ele comunicações morais,<br />
um profundo remorso pelo seu crime e um vivo desejo de voltar à virtude. Mesmo não<br />
sendo esses sentimentos sinceros, ele não os exprime me<strong>nos</strong>. Por outro lado, o homem<br />
de bem que consagra toda sua existência à busca de um fim honorável está, ele mesmo,<br />
sob a influência de uma paixão que deve engendrar erros. Como ele deseja com ardor a<br />
reforma dos crimi<strong>nos</strong>os, ele crê nisso facilmente. É preciso acusar sua credulidade?<br />
Não, pois os sucesso <strong>nos</strong> quais ele tem confiança o encorajam a tentar outros; as ilusões<br />
dessa natureza apenas seriam de se lamentar se, a partir da fé em semelhantes<br />
regenerações, fossem multiplicadas as concessões de indultos. Pois isso seria encorajar<br />
a hipocrisia, e logo se veriam crimi<strong>nos</strong>os reformarem-se calculadamente 2 . Devemos<br />
dizer que em geral esse perigo parece ter sido vivamente sentido, e que os indultos<br />
tornam-se cada vez mais raros: se o desejo da opinião pública fosse completamente<br />
satisfeito, os governadores somente fariam valer seu direito de agraciar em favor dos<br />
condenados cuja culpabilidade tornou-se duvidosa com a seqüência das circunstâncias<br />
posteriores ao julgamento. No entanto, devemos acrescentar também que o<br />
inconveniente de um número excessivo de indultos concedidos aos condenados não está<br />
inteiramente evitado; e em Auburn, do número total de indultos, um terço é concedido a<br />
partir da presunção da reforma.<br />
Resumindo este ponto, e o diremos nitidamente: se o <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong> não<br />
pudesse propor-se outro fim que a reforma radical da qual acabamos de falar, o<br />
legislador deveria talvez abandonar esse <strong>sistema</strong>; não que tal fim não seja admirável,<br />
mas ele é raramente é atingido. A reforma moral de um único indivíduo, que é uma<br />
grande coisa para um homem religioso, é pouco para o homem político; ou, para dizer<br />
melhor, uma instituição somente é política se ela é feita para a massa; ela perde esse<br />
caráter se serve apenas a um pequeno número de homens.<br />
Mas se é verdade que a reforma radical do depravado é só um acidente do<br />
<strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong>, ao invés de ser uma conseqüência racional dele, é igualmente<br />
certo que há uma reforma de outro gênero, me<strong>nos</strong> profunda que a primeira, mas útil<br />
para a sociedade, e que o <strong>sistema</strong> do qual se trata parece dever produzir naturalmente.<br />
1<br />
Ver Notas estatísticas, nº 16. Explicamos aí as causas diversas que, <strong>nos</strong> Estados Unidos, levaram ao<br />
abuso de direito à graça.<br />
2<br />
O próprio senhor Smith <strong>nos</strong> dizia que ele se punha em guarda contra as demonstrações exteriores de<br />
arrependimento: acrescentava que para ele a melhor prova de sinceridade de um detento era que ele<br />
desejasse não deixar a prisão.<br />
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