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Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos

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ociosidade, e que, lhe infligindo o suplício da solidão e do isolamento, faz com que<br />

encontre um charme extremo na conversa com homens piedosos, que outrora ele viu<br />

com indiferença e ouviu sem prazer?<br />

A impressão que exerce <strong>sobre</strong> o crimi<strong>nos</strong>o tal <strong>sistema</strong> é certamente profunda;<br />

somente a experiência mostrará se essa impressão é durável.<br />

Dissemos que sua entrada na penitenciária era um momento crítico; o momento<br />

da saída é ainda mais. Ele passa repentinamente da solidão absoluta ao estado ordinário<br />

da sociedade: não é de se temer que, com a expiração de sua pena, ele procure com<br />

avidez os prazeres sociais dos quais ele foi completamente privado? Ele estava morto<br />

para o mundo, e depois de um hiato de vários a<strong>nos</strong> ele reaparece na sociedade, para<br />

onde leva, é verdade, boas resoluções, mas talvez também paixões mais vivas, e tanto<br />

mais tempestuosas na medida em foram por muito tempo contidas.<br />

Esse é, talvez, com relação à reforma, o mais grave inconveniente do isolamento<br />

absoluto. Esse <strong>sistema</strong> possui, no entanto, uma vantagem que não deve passar em<br />

silêncio, qual seja, os detentos submetidos a esse regime não se conhecem entre si 1 .<br />

Esse fato evita graves inconvenientes e provoca boas conseqüências. Existe sempre uma<br />

ligação mais ou me<strong>nos</strong> estreita entre crimi<strong>nos</strong>os que se conheceram na prisão comum; e<br />

quando, depois de terem cumprido sua pena, se reencontram na sociedade, eles estão<br />

numa relação de dependência mútua. Comprometidos um com o outro, se este quer<br />

cometer um delito, o outro é quase forçado a lhe prestar assistência; seria necessário que<br />

este último tivesse se tornado virtuoso para não voltar a ser crimi<strong>nos</strong>o. Esse problema,<br />

tão funesto para os condenados postos em liberdade, é, na verdade, evitado pela metade<br />

na prisão de Auburn, onde os detentos, vendo-se sem se conhecerem, não estabelecem<br />

mutuamente nenhum contato íntimo. No entanto, é mais seguro escapar desse perigo na<br />

prisão da Filadélfia, onde os condenados não se vêem jamais.<br />

Aquele que, uma vez expirada sua pena, sai dessa prisão pra entrar de novo na<br />

sociedade, não encontra entre outros crimi<strong>nos</strong>os libertados, a quem não conhece,<br />

nenhuma ajuda para fazer o mal; e se ele quer entrar em um bom caminho, não encontra<br />

ninguém que o desvie dele. Se desejar cometer novos atentados, estará entregue a si<br />

mesmo; e, nesse caso, ele ainda está isolado do mundo como o estava na prisão; se, ao<br />

contrário, ele quer começar uma nova vida, tem a plenitude de sua liberdade.<br />

Esse <strong>sistema</strong> de reforma é segura e completamente uma concepção que pertence<br />

à mais alta filosofia: em geral, é simples e fácil pô-lo em prática; ele apresenta, no<br />

entanto, uma dificuldade bastante séria na sua execução. Sendo a primeira regra do<br />

<strong>sistema</strong> a que dita que os detentos não podem se comunicar entre si, nem mesmo se<br />

verem uns aos outros, resulta disso que não pode haver, nesse caso, nem instrução<br />

religiosa, nem escola em comum; de maneira que o professor e o capelão só podem<br />

instruir ou exortar uma pessoa por vez, o que ocasiona uma imensa perda de tempo 2 . Se<br />

os detentos pudessem ser reunidos e participar da mesma aula, a instrução moral e<br />

religiosa seria bem mais fácil de ser propagada; mas os princípios do <strong>sistema</strong> se opõem<br />

a isso.<br />

Nas prisões de Auburn, de Wethersfield, de Singsing e de Boston, o <strong>sistema</strong> de<br />

reforma não repousa <strong>sobre</strong> uma teoria tão filosófica quanto o da Filadélfia 3 . Nesta<br />

1 Ver o 2º Relatório <strong>sobre</strong> a penitenciária da Filadélfia, 1831.<br />

2 Na Filadélfia, participam do mesmo sermão todos os detentos que estão no mesmo prédio; mas como a<br />

penitenciária terá sete partes bem distintas, será necessário todos os domingos sete instruções religiosas<br />

feitas uma depois da outra pelo mesmo eclesiástico, ou sete ministros de culto ocupados simultaneamente<br />

com a mesma coisa.<br />

3 Os adversários de Auburn dizem e escrevem que, nessa prisão, o <strong>sistema</strong> de reforma obteve tão pouco<br />

sucesso que foi inteiramente abandonado. – Pode-se sustentar que os esforços que são feitos para<br />

regenerar os crimi<strong>nos</strong>os não são felizes sempre; mas seria inexato dizer que em Auburn não se visa mais à<br />

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