Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
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escutam se modelem como ele, e se impregnem em pouco tempo de seus vícios e de sua<br />
imoralidade.<br />
Nada sem dúvida é mais funesto à sociedade que esse ensinamento mútuo nas<br />
prisões; certamente, em <strong>nos</strong>so país, deve-se, a esse perigoso contágio, uma população<br />
especial de malfeitores que se torna cada dia mais numerosa e ameaçadora. É um mal<br />
que o <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong> dos Estados Unidos remedia completamente.<br />
Constata-se que todo contágio moral entre os detentos é impossível, <strong>sobre</strong>tudo<br />
na Filadélfia, onde espessas muralhas separam os prisioneiros dia e noite. Esse primeiro<br />
resultado é sério, e é preciso guardar-se de não reconhecer sua importância. As teorias<br />
<strong>sobre</strong> a reforma dos detentos são vagas e incertas 1 . Não se sabe ainda até que ponto o<br />
malfeitor pode ser regenerado, e por quais meios essa regeneração pode ser obtida: mas<br />
se se ignora a eficácia da prisão para tornar melhores os detentos, conhece-se, por outro<br />
lado, porque a experiência <strong>nos</strong> fez sabê-lo, seu potencial para torná-los piores. As novas<br />
penitenciárias nas quais essa influência contagiosa é evitada obtiveram, portanto, uma<br />
vantagem capital; enquanto não se tiver encontrado uma prisão cuja disciplina seja<br />
evidentemente regeneradora, talvez seja permitido dizer que a melhor prisão é aquela<br />
que não corrompe.<br />
Concebe-se, no entanto, que esse resultado, grave que ele seja, não satisfaz os<br />
autores do <strong>sistema</strong>; e é natural que depois de ter preservado os detentos da corrupção<br />
que lhes ameaçava, eles aspirem ainda a torná-los melhores. Vejamos por que meios ele<br />
tentam chegar a esse fim. Examinaremos depois quais são os bons resultados de seus<br />
esforços.<br />
A instrução moral e religiosa forma, a esse respeito, toda a base do <strong>sistema</strong>. Em<br />
todos os estabelecimentos <strong>penitenciário</strong>s, os detentos que não sabem são ensinados a<br />
ler. Essas escolas são voluntárias. Embora nenhum condenado seja coagido a freqüentálas,<br />
cada um considera um favor se admitido nelas; e quando há a impossibilidade de<br />
receber todos os que se apresentam, são escolhidos os detentos para os quais o benefício<br />
da instrução é mais necessário 2 . A liberdade dada aos prisioneiros de não ir à escola<br />
torna muito mais zelosos e dóceis os que vão voluntariamente: as aulas acontecem todos<br />
os domingos. Elas precedem o ofício religioso matinal: quase sempre, o ministro que<br />
celebra esse ofício o faz ser acompanhado de um sermão no qual ele se abstém de<br />
qualquer discussão <strong>sobre</strong> o dogma, para tratar apenas de pontos da moral religiosa;<br />
dessa maneira, a instrução do pastor convém tanto ao católico quanto ao protestante,<br />
tanto ao unitário quanto ao presbiteriano. As refeições dos prisioneiros são sempre<br />
precedidas de uma prece, feita pelo capelão ligado ao estabelecimento; cada um dos<br />
detentos tem em sua célula uma bíblia que o Estado lhe dá, e que ele pode ler durante<br />
todo o tempo que ele não consagra ao trabalho.<br />
Essa ordem de coisas existe em todas as penitenciárias; mas cairia em engano<br />
quem acreditasse que há, nesse ponto, uniformidade nessas mesmas prisões. Umas dão à<br />
instrução religiosa muito mais importância que as outras. Estas negligenciam a reforma<br />
moral dos detentos, enquanto as primeiras a tratam como um objetivo digno de um<br />
cuidado todo particular. Em Singsing, por exemplo, onde a natureza das coisas exige o<br />
desenvolvimento de uma disciplina tão rigorosa, a direção do estabelecimento parece ter<br />
em vista apenas a manutenção da ordem exterior e a obediência passiva dos<br />
condenados. Nesse lugar, as influências morais são desdenhadas; ocupa-se um pouco<br />
1 “... But from a closer and more intimate view of the subject, I have rather abandoned a hope I once<br />
entertained, of the general reformation of offenders, through the penitentiary system. I now think its chief<br />
good is in the prevention of crime, by the confinement of criminals” (Senhor Niles, ex-comissário da<br />
penitenciária de Maryland, 22 de dezembro de 1820)<br />
2 Em Boston, são admitidos todos os que se apresentam. (Ver Relatório do senhor Gray, p. 10 e 11.)<br />
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