Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
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Seção III<br />
Meios disciplinares<br />
Necessidade de distinguir o <strong>sistema</strong> da Filadélfia do <strong>sistema</strong> de Auburn. O primeiro,<br />
mais fácil de ser colocado em vigor e de ser mantido. O de Auburn tem por meios<br />
auxiliares os castigos corporais. – Disciplina branda de Wethersfield. – Poder<br />
discricionário dos superintendentes. – Questão dos castigos corporais. – Qual é sua<br />
influência no estado de saúde do prisioneiro.<br />
Examinemos agora por que meios disciplinares a ordem das coisas que acabamos de<br />
expor se estabelece e se sustenta. Como o silêncio é rigorosamente mantido entre os<br />
crimi<strong>nos</strong>os reunidos? Como se obtém deles um trabalho sem interesse?<br />
É preciso ainda distinguir aqui a disciplina de Auburn e da disciplina da prisão<br />
da Filadélfia.<br />
Na Filadélfia, a disciplina é tão simples quanto o próprio <strong>sistema</strong>. O único<br />
momento crítico é o da entrada na prisão. A célula solitária do crimi<strong>nos</strong>o é, durante<br />
alguns dias, cheia de fantasmas horríveis. Agitado por mil temores, presa de mil<br />
tormentos, ele acusa a sociedade de injustiça e crueldade, e, em uma tal disposição de<br />
espírito, acontece-lhe algumas vezes de desafiar as ordens que lhes são dadas e de<br />
rejeitar as consolações que lhes são ofertadas. O único castigo que o regulamento da<br />
prisão permite que lhe seja infligido é o encarceramento em uma célula tenebrosa com<br />
redução de comida. É raro que sejam necessários mais de dois dias de tal regime para<br />
submeter o detento mais rebelde à disciplina. Quando o crimi<strong>nos</strong>o combateu as<br />
primeiras impressões da solidão, a partir do momento em que ele triunfou <strong>sobre</strong> os<br />
terrores que o levavam à loucura ou ao desespero; quando, depois de ter se debatido em<br />
sua célula solitária, em meio aos remorsos de sua consciência e às agitações de sua<br />
alma, ele tombou de opressão e procurou no trabalho algo que o distraia de seu males,<br />
desde este momento ei-lo domado e submetido para sempre às regras da prisão. Que<br />
infraçao à ordem pode-se cometer na solidão? A disciplina inteira se encontra no fato do<br />
isolamento e na impossibilidade mesma, sentida pelos prisioneiros, de violar a regra<br />
estabelecida. Nas outras prisões, os castigos disciplinares são infligidos aos detentos que<br />
não respeitam a lei do silêncio, ou que se recusam a trabalhar. Mas o silêncio é fácil<br />
para quem está só, e o trabalho não é recusado se ele é a única consolação 1 .<br />
Assinalamos o inconveniente do isolamento absoluto, cujo vício é arrancar da<br />
submissão do detento sua moralidade; mas devemos, ao mesmo tempo, reconhecer as<br />
1 O condenado estaria bastante inclinado a trabalhar o suficiente para desentediar-se e exercer seu corpo, e<br />
permanecer ocioso quando ele se sente fatigado. Mas não se admite absolutamente, e com razão,<br />
semelhante estado de coisas; é preciso que ele trabalhe sempre ou de forma alguma. Se ele recusa um<br />
trabalho contínuo, é posto em uma masmorra tenebrosa. Ele é, portanto, obrigado a escolher entre uma<br />
ociosidade permanente na obscuridade e um trabalho ininterrupto em sua célula. Sua escolha não tarda<br />
muito tempo a ser feita, e ele prefere sempre o trabalho. (Ver o Relatório <strong>sobre</strong> a Filadélfia, 1831).<br />
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