Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
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igualmente funesto para a ordem da prisão. O empresário, vendo no detento apenas uma<br />
máquina de trabalho, pensa somente, servindo-se dele, no lucro que daí pode provir;<br />
tudo lhe parece bom para excitar seu zelo, e ele se inquieta pouco se os gastos do<br />
condenado são feitos em detrimento da ordem. A extensão de suas atribuições lhe dá,<br />
aliás, na prisão uma importância que ele não deve absolutamente ter; há, portanto,<br />
interesse em lhe afastar da penitenciária tanto quanto for possível, e em combater sua<br />
influência, quando não se pode neutralizá-la.<br />
Pareceu-<strong>nos</strong> que o mal que assinalamos nesse momento foi geralmente evitado<br />
<strong>nos</strong> Estados Unidos nas novas penitenciárias que visitamos. Nesses estabelecimentos,<br />
não se adotou exclusivamente o <strong>sistema</strong> de gestão pública, nem o <strong>sistema</strong> empresarial.<br />
O uniforme e as roupas de cama dos detentos são ordinariamente fornecidos pelo<br />
superintendente, que faz, ele mesmo, todos os contratos relativos a esses objetos; ele<br />
evita comprar muito, fazendo com que sejam manufaturadas e confeccionadas na prisão,<br />
pelos próprios detentos, as matérias necessárias à vestimenta. Em Auburn, em Singsing,<br />
em Boston, os detentos são alimentados por intermédio de uma empresa, seguindo-se<br />
um contrato que não deve durar mais que um ano. Em Wethersfield, é a prisão que<br />
assume essa despesa. O empresário, que em Auburn está encarregado de alimentar os<br />
prisioneiros, não é o mesmo que lhes faz trabalhar.<br />
Existe também para cada espécie de indústria um empresário diferente; os<br />
contratos sendo assim multiplicados, o mesmo empresário somente pode ter, na prisão,<br />
uma influência circunscrita e passageira. Em Wethersfield, não somente a administração<br />
da prisão alimenta e mantém os detentos sem recorrer a uma empresa, como, ainda, é<br />
ela própria que faz valer a maior parte do trabalho 1 .<br />
Em todos esses estabelecimentos, o empresário não pode, sem nenhum pretexto,<br />
se imiscuir na disciplina interior da prisão, nem pensar em infringir suas regras. Ele não<br />
deve ter nenhum tipo de conversação com os detentos fora do ensinamento da profissão<br />
que ele é obrigado a ensinar; ainda mais, ele somente pode falar com os detentos em<br />
presença e com o consentimento de um dos guardas 2 .<br />
Apesar dessas sábias precauções, a presença nas prisões de empresários ou de<br />
seus agentes não é de forma alguma isenta de inconvenientes. Outrora, a prisão de<br />
Auburn tinha uma gestão pública 3 ; e quando o <strong>sistema</strong> empresarial foi admitido nesse<br />
lugar, o senhor Elam Lynds, que era então o superintendente, não permitia ao<br />
empresário chegar até o detento. O empresário se comprometia a pagar o preço acertado<br />
pelos objetos manufaturados provindos do trabalho dos prisioneiros, e esses objetos lhe<br />
eram entregues sem que eles vigiassem a execução. A disciplina ganhava muito com<br />
essa ordem de coisas; se é vantajoso restringir as relações que se estabelecem entre o<br />
empresário e os detentos, é melhor ainda fazê-las cessar inteiramente. No entanto, um<br />
<strong>sistema</strong> semelhante de administração era difícil e caro.<br />
Os empresários, sendo privados do direito de inspecionar os trabalhos,<br />
impuseram à prisão condições desvantajosas; por outro lado, sua exclusão dos ateliês<br />
tornava necessária a presença, neles, de guardas capazes de ensinarem aos detentos o<br />
que estes deviam aprender para sua profissão, e de homens dotados de conhecimentos<br />
técnicos necessários para tal fim não eram fáceis de serem encontrados. Enfim, a venda<br />
de objetos manufaturados era me<strong>nos</strong> fácil e me<strong>nos</strong> produtivo para o superintendente que<br />
para os empresários, ocupados exclusivamente com operações comerciais. Chegou-se,<br />
portanto, ao <strong>sistema</strong> empresarial tal como nós expusemos; esse <strong>sistema</strong>, rodeado das<br />
garantias que o acompanham, possui vantagens que parecem bem superiores aos<br />
1 Ver art. 4 da seção 1ª do Regulamento da prisão de Connecticut, peça nº 13.<br />
2 Ver o Relatório de G. Powers, 1828, p. 42. – Sobre Boston, ver Regulações, 1º de janeiro, 1831.<br />
3 Ver o Relatório de Gersh. Powers, p. 41, 1828.<br />
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