Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
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controvérsia; os jornais, cujo número é imenso nesse país 1 , os reproduzem fielmente.<br />
Dessa forma, não há um habitante dos Estados Unidos que não saiba como são<br />
governadas as prisões de seu país, e que não possa, seja através de suas opiniões, seja<br />
através de sua fortuna, concorrer para melhorá-las. O interesse geral sendo assim<br />
excitado, formam-se em cada cidade sociedades particulares para o progresso do regime<br />
das prisões: todos os estabelecimentos públicos são examinados com cuidado; todos os<br />
abusos são reconhecidos e assinalados. Sé for preciso construir novas prisões, os<br />
particulares somam seus fundos aos do Estado para fazer frente às despesas. Essa<br />
atenção geral, fonte de uma vigilância perpétua, é considerada pelos empregados da<br />
prisão com um zelo extraordinário e uma circunspecção extrema, que eles não teriam<br />
caso tivessem sidos colocados na obscuridade. Essa vigilância da opinião pública, que<br />
lhes causa dificuldades, lhe traz também compensações, pois é ela que torna suas<br />
funções elevadas e honoráveis, que antes eram baixas e obscuras.<br />
Acabamos de ver os elementos dos quais uma prisão é composta. Examinemos<br />
agora como ela age na esfera de sua organização. Com a chegada do condenado à<br />
prisão, um médico constata o estado de sua saúde. Ele é obrigado a tomar um banho,<br />
seus cabelos são cortados, e lhe é dada uma nova vestimenta, segundo o modelo do<br />
uniforme da prisão. Na Filadélfia, conduzem-no a sua cela solitária de onde não sai<br />
jamais: é lá que ele trabalha, come e repousa; e a construção dessa célula é tão<br />
completa, que não há jamais necessidade para ele de sair dela 2 .<br />
Em Auburn, em Wethersfield e nas outras prisões de mesma natureza, o<br />
prisioneiro é posto, de início, no mesmo isolamento, mas apenas por alguns dias, depois<br />
dos quais fazem-no sair de sua célula para ocupá-lo <strong>nos</strong> ateliês 3 . Já na aurora, os<br />
prisioneiros são acordados pelo som de um sino, sinal para levantar-se: os carcereiros<br />
abrem as portas. Os prisioneiros se formam em linha, sob a condução de seus guardas<br />
respectivos, e vão primeiro ao pátio onde fazem uma pausa para lavar mãos e rostos, e<br />
de lá vão aos ateliês onde se põem imediatamente a trabalhar. O trabalho somente é<br />
interrompido para a alimentação. Não há um só momento consagrado à recreação 4 .<br />
Em Auburn, quando chega a hora do almoço e do jantar, os trabalhos são<br />
suspensos e todos os detentos se reúnem em um largo refeitório. Em Singsing e em<br />
todas as outras penitenciárias, eles vão para suas células e comem cada um<br />
separadamente. Esta última regra <strong>nos</strong> parece preferível à de Auburn. Não é sem<br />
inconvenientes e mesmo sem perigo juntar em um mesmo local um tão grande número<br />
de crimi<strong>nos</strong>os, cuja reunião torna muito mais difícil a manutenção da disciplina.<br />
À tarde, quando cai o dia, os trabalhos cessam, e todos os condenados saem dos<br />
ateliês para retornar às suas células. O levantar-se, o dormir, o alimentar-se, o sair das<br />
células, a entrada <strong>nos</strong> ateliês, tudo, durante o dia, se passa sob um silêncio profundo, e<br />
não se escuta na prisão senão o ruído dos que caminham e o movimento dos operários<br />
que trabalham. Mas, quando o dia acaba, e os detentos retornam às suas células<br />
solitárias, o silêncio que se faz no interior dessas vastas muralhas, onde tantos<br />
crimi<strong>nos</strong>os são presos, é um silêncio de morte. Atravessamos várias vezes durante a<br />
1 Havia, em 1830, somente no estado de Nova Iorque, 239 jornais; e esse número deve ter crescido ainda<br />
mais passados dois a<strong>nos</strong>. (Ver William’s Register, 1831, p. 36).<br />
2 Cada célula é arejada por um ventilador e contém uma fossa para as necessidades fisiológicas que sua<br />
construção torna perfeitamente inodora. É preciso ter visto todas as células da prisão da Filadélfia e ter<br />
passado lá jornadas inteiras para se formar uma idéia exata de sua limpeza e da pureza do ar que se<br />
respira.<br />
3 As células de Auburn são bem menores que as da prisão da Filadélfia; têm sete pés de comprimento e<br />
três e meio de largura. Um ar salubre é mantido por um ventilador.<br />
4 Conseqüentemente, toda espécie de jogo de azar é proibido; os regulamentos são uniformes nesse ponto<br />
e fielmente executados.<br />
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