Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Apresentação<br />
A sociedade de <strong>nos</strong>so tempo sente um mal-estar que <strong>nos</strong> parece remeter a duas causas:<br />
Uma, inteiramente moral; há nas inteligências uma atividade que não sabe onde<br />
ser empregada, <strong>nos</strong> espíritos uma energia para a qual falta alimento, e que devora a<br />
sociedade na falta de outra presa.<br />
A outra, inteiramente material; é o incômodo da população operária que não tem<br />
trabalho e pão, e cuja corrupção, começando na angústia, vai acabar na prisão.<br />
O primeiro mal diz respeito à riqueza intelectual da população; a segunda, à<br />
miséria das classes pobres.<br />
Como fechar a primeira dessas feridas? Seu remédio parece depender mais das<br />
circunstâncias que dos homens. Com relação à segunda, mais de um esforço foi feito<br />
para tratá-la; mas não se sabe ainda se o sucesso foi possível.<br />
Tal é a insuficiência das instituições humanas, que se vejam funestas<br />
conseqüências decorrerem dos estabelecimentos cuja teoria não promete senão felizes<br />
efeitos.<br />
Na Inglaterra, acreditou-se poder estancar a fonte do crime e da miséria dando, a<br />
todos os desgraçados, trabalho ou dinheiro; e vê-se aumentar todos os dias nesse país o<br />
número de pobres e de crimi<strong>nos</strong>os.<br />
Não existe uma instituição filantrópica cujo abuso não se torne algo quase<br />
costumeiro.<br />
A esmola dada com a melhor boa vontade cria falsas misérias, e todo socorro<br />
prestado a uma criança desamparada leva outras ao abandono. Quanto mais se<br />
contempla esse triste espetáculo oferecido pela benfeitoria pública que combate sem<br />
sucesso os sofrimentos huma<strong>nos</strong>, mais se reconhece que há males contra os quais é<br />
mostra de generosidade lutar, mas que <strong>nos</strong>sas velhas sociedades parecem impotentes<br />
para curar.<br />
No entanto, a chaga existe visível a todos os olhos. Há na França dois milhões de<br />
pobres e quarenta mil condenados libertados, saídos das colônias de trabalhos forçados<br />
e outras prisões 1 .<br />
Aterrorizada por um mal tão ameaçador, a opinião pública reclama o remédio ao<br />
governo, que não o debela talvez porque o julgue incurável.<br />
No entanto, se é verdade que esse vício social não pode ser extirpado, parece<br />
igualmente certo que existem circunstâncias que contribuem para agravá-lo, e<br />
instituições cuja influência torna-o me<strong>nos</strong> funesto.<br />
Diversas vozes se elevam nesse momento para indicar ao governo o caminho que<br />
ele deve seguir.<br />
Uns reclamam o estabelecimento de colônias agrícolas nas partes mais incultas do<br />
solo francês <strong>nos</strong> quais se utilizariam os braços dos condenados e dos pobres.<br />
Esse <strong>sistema</strong>, que obtém um grande sucesso na Holanda, é digno de fixar a<br />
atenção dos homens políticos. 2<br />
Há outros que, preocupados como o perigo que oferecem para a sociedade os<br />
homens libertos, cuja corrupção se exacerbou na prisão, pensam que se remediaria uma<br />
grande parte do mal caso, durante a detenção dos crimi<strong>nos</strong>os, estes fossem submetidos a<br />
um regime <strong>penitenciário</strong> que, ao invés de depravá-los, os tornasse melhores.<br />
Persuadidos de que a reforma moral do crimi<strong>nos</strong>o é impossível, e que sua<br />
presença na sociedade é um perigo sempre iminente, alguns escritores, dos quais um<br />
1 Ver Des colonies agricoles de M. Huerne de Pommeuse, quadro estatístico no fim do volume<br />
2 Veja-se a obra indicada na nota precedente.<br />
27