09.05.2013 Views

Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos

Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos

Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

Para <strong>Tocqueville</strong> essa sociedade intensificava as diferenças culturais e separava<br />

as classes sociais como se fossem dois mundos impenetráveis. A industrialização era<br />

considerada a grande vilã responsável pela falta de trabalho e pela miséria. O seu<br />

caminho para explicar esse embate entre as classes, embora partisse da industrialização,<br />

não encontrava solução nem no progresso nem na revolução, isto é, nas revoluções<br />

francesas que, segundo ele, era sempre a mesma que se repetia. Não acreditava em lei<br />

dos pobres nem em ajuda governamental, mas pensava que a universalização de uma<br />

boa educação, o que significava conhecimento e atividade política, seria fundamental<br />

para o desenvolvimento da democracia.<br />

É por isso que <strong>Beaumont</strong> e <strong>Tocqueville</strong>, nesse relatório dedicado às prisões,<br />

acentuam a situação de miséria como a causa principal do aumento da criminalidade.<br />

Mas, por isso também, estão convencidos de que a reforma do <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong><br />

francês é absolutamente necessária para impedir que os cárceres continuem sendo o<br />

lugar de onde os prisioneiros saem piores do que entram. Preocupados com a sociedade<br />

como um todo, quando se referem à tão falada necessidade de reforma do <strong>sistema</strong><br />

<strong>penitenciário</strong>, que envolve mais do que apenas prisões, <strong>Tocqueville</strong> e <strong>Beaumont</strong><br />

insistem na idéia de que “a reforma moral de um só indivíduo, que é uma grande coisa<br />

para o homem religioso, é pouco para o homem político; porque uma instituição só é<br />

política se ela é feita no interesse da massa; ela perde este caráter se ela for profícua<br />

apenas para um pequeno número.” 1<br />

Sheldon Wolin, em sua obra já citada, <strong>sobre</strong> <strong>Tocqueville</strong>, 2 em capítulo que<br />

denomina A tentação penitenciária, aponta as contradições teóricas, não apenas de<br />

<strong>Tocqueville</strong>, mas dos liberais, quando se referem às reformas das prisões: “A reforma<br />

de prisões torna-se, assim, uma via pela qual os liberais encontram seu caminho de<br />

volta para o Estado. Isso significa a emergência da administração como modo de ação<br />

para resolver problemas sociais, institucionalizando-os, estabelecendo estruturas que<br />

servem para ampliar, não o problema original, mas suas soluções. Esse é também o<br />

modo de reconciliação do liberalismo com o Antigo Regime, adotando e adaptando sua<br />

estrutura de poder e sua ideologia de paternalismo e benevolência. Quando dirigida ao<br />

comportamento crimi<strong>nos</strong>o, a administração do Estado pode ser representada como<br />

desinteressada, como a exceção que transcende a invenção do liberalismo e a<br />

fragmentada política de interesses.” 3<br />

Esta quebra de oposição entre o chamado “mundo liberal normal” que clama por<br />

uma descentralização administrativa e a necessidade de pregar uma centralização<br />

política, governamental para manter a unidade da nação, só pode ser bem compreendida<br />

quando leva em conta tanto o conhecimento como a própria atividade da política, a<br />

ciência da política.<br />

Não se pode esquecer que o texto <strong>sobre</strong> o <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong> <strong>nos</strong> Estados<br />

Unidos, embora saído da mesma fonte, é anterior à obra Da democracia na América e a<br />

todos os demais textos de análise política de <strong>Tocqueville</strong>. Na verdade, portanto, não<br />

seria uma volta ao Estado, mas sim uma compreensão da necessidade de se construir um<br />

único <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong> que fosse nacional.<br />

Seria interessante acrescentar que essa “volta ao Estado” por parte de um liberal,<br />

pode parecer uma contradição. Ela o é para <strong>Tocqueville</strong> e muitos outros velhos e novos<br />

liberais. Porém, para <strong>Tocqueville</strong>, que gostava de se apresentar como “um liberal de<br />

uma nova espécie,” essa não seria a única volta, nem talvez a mais importante na<br />

construção da sua teoria política liberal democrática. Em outras situações, procura<br />

1 Alexis de <strong>Tocqueville</strong>, O.C., T. IV, v.1. p. 205.<br />

2 Wolin, Sheldon. Op. cit..<br />

3 Idem, Ib. p.386-7.<br />

23

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!