Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
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isso como filantropia pública e como intromissão e engrandecimento do poder do<br />
Estado. Com argumentação semelhante, <strong>Tocqueville</strong> também não irá apoiar, durante a<br />
revolução de 1848, as propostas dos socialistas do direito ao trabalho e da formação dos<br />
Ateliers Nationaux, implementadas pelo Governo Provisório, para regular e diminuir o<br />
desemprego.<br />
Em seus escritos <strong>sobre</strong> o pauperismo, <strong>Tocqueville</strong> tenta explicar historicamente<br />
como esse processo do crescimento da nova miséria ainda não havia encontrado uma<br />
solução. Para horror dos seus pares da nobreza, da burguesia francesa e de seus<br />
conterrâneos políticos, ele propõe a divisão ou a doação de terras, além da participação<br />
dos operários <strong>nos</strong> lucros das indústrias. Após considerar todos os males que os<br />
miseráveis podem trazer para a sociedade, indaga quem são eles e como tirá-los dessa<br />
situação. A resposta ele escreve em 1835, no seu segundo artigo <strong>sobre</strong> o pauperismo:<br />
“eles são os proletários, aqueles que não têm, sob o sol, nenhuma<br />
propriedade a não ser a dos seus braços. À medida que estes mesmos homens<br />
viessem a possuir um pedaço qualquer de terra, por menor que fosse, suas<br />
idéias se modificariam e seus hábitos mudariam? [...] Assim, não é a pobreza<br />
que torna o agricultor imprevidente e desordenado [...] É a falta total de<br />
qualquer propriedade, é a dependência absoluta do acaso [...] Penso que<br />
todo problema se resolve desta forma: encontrar um meio de dar ao operário<br />
industrial, como ao pequeno agricultor, o espírito e os hábitos da<br />
propriedade.”<br />
Para <strong>Tocqueville</strong>, dessas duas soluções propostas, a primeira resolveria o<br />
problema no campo, enquanto que a segunda, que consiste em dar ao operário uma<br />
participação na renda da fábrica, seria a mais eficaz nas grandes cidades industriais.<br />
“Esta medida produziria, para a classe industrial, efeitos semelhantes aos que dizem<br />
respeito à divisão da propriedade rural na classe agrícola.” 1<br />
Como bem explica Françoise Melonio: “Ao contrário dos economistas liberais,<br />
tais como Jean Baptiste Say ou Frédéric Bastiat, <strong>Tocqueville</strong> não acreditava na<br />
harmonia espontânea dos interesses nem na extinção do pauperismo pelo progresso da<br />
indústria: a mão invisível do mercado não reabsorve a miséria. Seria então necessário<br />
substituir a caridade privada tornada ineficaz, por uma assistência pública e um direito<br />
a esta assistência?” 2 Ou, segundo a sua própria proposta, tornar os miseráveis<br />
proprietários. Ao verificar que as soluções apresentadas não eram, evidentemente, bem<br />
recebidas, acaba por desistir de resolver um problema tão complexo. Melonio<br />
acrescenta que sua investida em tentar solucionar problemas econômicos se esgota<br />
rapidamente e <strong>Tocqueville</strong> pouco toca no assunto em Da Democracia na América.<br />
Os textos <strong>sobre</strong> as reformas penitenciárias e pauperismo indicam claramente<br />
uma preocupação de <strong>Tocqueville</strong> com a situação econômica e social européia já<br />
bastante grave e visível tanto nas grandes cidades como no campo. <strong>Tocqueville</strong> parece<br />
chegar ao âmago da questão quando aponta para a produção industrial, para o <strong>sistema</strong><br />
capitalista como fonte de todos os males. Mas, apesar de tentar enfrentar o problema,<br />
mesmo ao custo do seu liberalismo e de se voltar para o Estado, não consegue nem a<br />
adesão dos seus pares sociais, nem as de seus pares políticos. É verdade que a solução<br />
inglesa que já apontava para o nascimento de um welfare state também não lhe<br />
agradava, pois, para ele, sempre seria uma filantropia. Embora seja apenas com as<br />
análises de Marx <strong>sobre</strong> o <strong>sistema</strong> capitalista de produção que surgiriam soluções não<br />
mantinha uma vasta correspondência com Nassau Sênior que o informava <strong>sobre</strong> a política e a economia<br />
inglesa.<br />
1 Deuxième article sur le pauperisme. In <strong>Tocqueville</strong>, Oeuvres. v.I, Op. cit., pp.1183, 1187.<br />
2 Françoise Mélonio, em <strong>Tocqueville</strong>. Oeuvres. Op. cit., p. 1627.<br />
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