Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
Após o retorno dos Estados Unidos, <strong>Tocqueville</strong> empreende várias viagens à<br />
Inglaterra, tendo como fito principal tentar compreender se as raízes originais da<br />
democracia americana poderiam ser encontradas na cultura, na sociedade e na<br />
organização política inglesa. Busca, também, ao pesquisar a Inglaterra, entender as<br />
diferenças fundamentais entre a sociedade inglesa e a francesa, apesar de suas histórias<br />
estarem sempre mutuamente envolvidas, terem muitas semelhanças e serem tão<br />
próximas. Ele está preocupado em explicar a França, quer compreendê-la, comparando<br />
os fundamentos culturais de seu país, não apenas com a longínqua democracia, mas,<br />
também, com a mais próxima, rica e sólida monarquia e grande nação européia, tantas<br />
vezes inimiga.<br />
São por demais conhecidas e citadas as descrições que <strong>Tocqueville</strong> fez em seus<br />
escritos <strong>sobre</strong> uma viagem à Inglaterra, em julho de 1835, ao visitar uma fábrica em<br />
Manchester. Ele apresenta com minúcia esse complexo industrial inglês e a situação da<br />
classe operária nesse país. Compara a riqueza do capital com a miséria do trabalhador.<br />
O local da fábrica é mostrado como se fosse um imenso “palácio,” em contraste com a<br />
morada dos operários que descreve como “o último asilo que pode ocupar o homem<br />
entre a miséria e a morte”. Compara o riacho de águas fétidas que “serpenteia por entre<br />
essas moradas,” com o “Styx deste novo inferno,” onde “escuta-se o barulho dos<br />
for<strong>nos</strong>, os apitos do vapor”.<br />
“Esses vastos prédios (as fábricas) impedem o ar e a luz de penetrar nas<br />
moradas humanas que eles encobrem; eles as envolvem com um perpétuo<br />
nevoeiro; aqui está o escravo, lá o senhor; lá, as riquezas de alguns poucos;<br />
aqui, a miséria do maior número; lá, as forças organizadas de uma multidão<br />
produzem, para o lucro de um só, aquilo que a sociedade não tinha ainda<br />
sabido fornecer; aqui, a fraqueza individual se mostra mais débil e ainda mais<br />
desprovida que no meio dos desertos; aqui os efeitos, lá as causas”... “É no<br />
meio dessa cloaca infecta que o maior rio da indústria humana tem a sua fonte<br />
e vai fecundar o universo. Deste esgoto imundo o ouro puro se escoa. É lá que<br />
o espírito humano se aperfeiçoa e se abrutalha; que a civilização produz suas<br />
maravilhas e que o homem civilizado volta a ser selvagem.” 1<br />
Embora fosse um admirador da sociedade inglesa, esta descrição crítica do<br />
capitalismo mostra como <strong>Tocqueville</strong> temia pelo o que acontecia em seu país, ao<br />
perceber a semelhança das condições do desenvolvimento da industrialização na França.<br />
À época, pensava-se que leis semelhantes à poor law inglesa poderiam<br />
apresentar uma solução para a miséria francesa. <strong>Tocqueville</strong> condenava esta idéia, pois<br />
não via nessa lei dos pobres uma solução para a miséria francesa. Na Inglaterra, nesse<br />
momento, havia grandes manifestações de trabalhadores exigindo reformas políticas e<br />
sociais. Em 1834, a nova lei dos pobres vinha substituir a antiga lei elizabetana,<br />
tornando a sua execução muito mais centralizada. <strong>Tocqueville</strong> via nessa nova versão da<br />
lei inglesa apenas uma modificação do controle dos que deveriam financiar a filantropia<br />
que, ao invés da comunidade, passaria para o governo central. Em Apendices au Sistème<br />
pénitenciaire aux Étas Unis, ao tratar do pauperismo na América, ele afirma que “os<br />
america<strong>nos</strong> emprestaram dos ingleses a maioria de suas instituições relativas aos<br />
pobres. A caridade tornou-se uma instituição política.” 2 <strong>Tocqueville</strong> considerava tudo<br />
1 Voyages en Angleterre, O.C., T. V, v.2. Ed. Gallimard.1958. pp. 81-82.<br />
2 O.C., T. IV, v.1. p.319: “Os pobres são socorridos de duas maneiras: em cada grande cidade, assim<br />
como na maioria dos condados são colocados estabelecimentos as alms-houses, casas de caridade, ou<br />
poor-houses, casas dos pobres. Estes estabelecimentos podiam ser considerados igualmente como lugar<br />
de asilo e como prisão.” A lei de 1834 na Inglaterra, havia saído da pena de Nassau Sênior. <strong>Tocqueville</strong><br />
20