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Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos

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poderosos e intelectualmente privilegiados. <strong>Beaumont</strong> e <strong>Tocqueville</strong> viam nessa<br />

oposição de classes a causa do aumento da criminalidade. Ambos sabiam muito bem<br />

que a miséria de muitos é que fazia a riqueza e o bem estar de alguns poucos.<br />

A literatura da época denunciava bastante essa situação social. Paris e Londres,<br />

nesse momento, exibiam claramente a vida dos miseráveis em oposição à dos ricos. Aos<br />

escritores bastava o olhar, para inspirar e denunciar, por vezes, num tom mais<br />

romântico, por outras, apenas descrevendo o que existia. Victor Hugo, Charles Dickens,<br />

Eugène Sue, entre os mais conhecidos, escancararam o problema.<br />

O socialismo utópico apresentava soluções, imaginando e criando novas<br />

sociedades onde os trabalhadores pudessem ser “felizes” e seus filhos pudessem obter<br />

uma educação exemplar. Charles Fourier e Robert Owen chegaram a construir enclaves<br />

sociais, onde a “felicidade” também existiria para os pobres. Fourier propunha a criação<br />

de falanstérios, isto é, lugares habitados por peque<strong>nos</strong> grupos de trabalhadores<br />

associados, como se fossem uma cooperativa por ações, com o fito de conduzir à<br />

harmonia universal. Owen, após realizar seus projetos na Escócia para melhorar a<br />

situação dos operários nas suas próprias empresas, levou suas idéias para os Estados<br />

Unidos, onde manteve por algum tempo agrupamentos de trabalhadores, <strong>nos</strong> quais suas<br />

famílias tinham acesso a uma educação cuidadosa. Essas experiências, embora tivessem<br />

seguidores, não duraram muito e acabaram por se perder no pouco sucesso das lutas<br />

revolucionárias e no avanço brutal do capitalismo. Enquanto Proudhon proclamava que<br />

a propriedade era um roubo, <strong>Tocqueville</strong> propunha que todos deveriam ser<br />

proprietários.<br />

Algumas seitas religiosas reforçaram suas crenças de salvação na vida<br />

comunitária. Nos Estados Unidos, no interior da grande sociedade capitalista, até hoje<br />

existem grupos que seguem suas próprias leis, criando um ambiente de trabalho que<br />

nega qualquer envolvimento com o mundo industrial. Os Amish (seita menonita) são um<br />

exemplo bastante real e muito forte da manutenção de suas crenças e hábitos ancestrais.<br />

A abordagem dos dois autores <strong>sobre</strong> esses problemas da época é muito mais que<br />

uma simples descrição crítica do <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong> americano e francês, estando<br />

muito próxima das análises sociais e culturais caras a <strong>Tocqueville</strong>. Eles não apenas<br />

condenavam a péssima situação dos cárceres de alguns países europeus considerados<br />

“civilizados,” mas também apontavam para os grandes problemas sociais, surgidos da<br />

própria maneira pela qual essa civilização se desenvolvia, como as principais causas da<br />

criminalidade. Entre as causas mais evidentes, destacavam a falta de trabalho e as<br />

horríveis condições de existência do operariado industrial. Para os dois amigos, sem<br />

dúvida, a industrialização era a causa principal da nova miséria. Essas considerações<br />

apareciam em muitos outros escritos e discursos políticos de <strong>Tocqueville</strong>, antes mesmo<br />

da publicação de Da democracia na América.<br />

Como parte dessa opinião esclarecida francesa e inglesa, <strong>Tocqueville</strong> escreve<br />

<strong>sobre</strong> o pauperismo, preocupado com os levantes e movimentos populares que se<br />

seguiram logo após os primeiros a<strong>nos</strong> da revolução de 1830. <strong>Tocqueville</strong> assim inicia<br />

seu texto redigido em 1835:<br />

“Quando percorremos as diversas regiões da Europa, impressionamo-<strong>nos</strong> com<br />

um espetáculo extraordinário e em aparência inexplicável. Os países que<br />

parecem ser os mais miseráveis são aqueles que, em realidade, possuem me<strong>nos</strong><br />

indigentes e entre os povos <strong>nos</strong> quais admiramos a opulência, uma parte da<br />

população é obrigada, para viver, a obter recursos graças aos donativos de<br />

outrem.” 1<br />

1 Mémoire sur le pauperisme, in <strong>Tocqueville</strong>, Oeuvres, I, Bibliothèque de la Plêiade. Éd. Gallimard, 1991.<br />

p. 1156.<br />

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