09.05.2013 Views

Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos

Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos

Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos

SHOW MORE
SHOW LESS

Create successful ePaper yourself

Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.

dados por eles levantados, atualiza esses problemas mostrando o quanto eles estão<br />

presentes e continuam a fazer parte dos males de qualquer sociedade capitalista. 1<br />

Civilização e Criminalidade<br />

“O mundo caminha evidentemente em direção a esse ponto onde todas<br />

as nações serão igualmente civilizadas ou, em outros termos, bastante<br />

semelhantes umas às outras para poder fabricar no seu seio o maior<br />

número de objetos que lhes são agradáveis e necessários... Esses povos,<br />

empresários da indústria humana, reúnem facilmente imensas riquezas,<br />

mas eles são constantemente ameaçados de horríveis perigos.” 2<br />

Na apresentação do texto publicado neste volume, os autores referem-se a um<br />

sentimento de “mal-estar da sociedade” daquela época e apontam dois focos como<br />

principais causas: um de natureza “moral” e o outro relativo à “miséria das classes<br />

pobres”. A existência deste “mal-estar” não era privilégio da França, encontrava-se por<br />

toda Europa. Em suas análises, o que os preocupa é o caráter social e político, e não<br />

propriamente o individual. Por isso, procuram falar de <strong>sistema</strong>s que dizem respeito à<br />

organização da sociedade, às leis, às instituições, aos costumes, à moral e às relações de<br />

poder.<br />

Os dois autores, ao considerarem a existência de um <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong> <strong>nos</strong><br />

Estados Unidos e em outros países, sabiam que precisavam levar em conta as diferenças<br />

sociais, econômicas e políticas vigentes entre os países analisados. Reconhecem a<br />

dificuldade em compará-los, <strong>sobre</strong>tudo porque suas pesquisas em outros países visavam<br />

apenas buscar inspirações para reformar o <strong>sistema</strong> francês. Por isso, ao verificar essa<br />

“situação de mal-estar,” de mal interior que ocorria em toda a Europa em um momento<br />

em que “o processo civilizatório parecia ter atingido um alto nível e só deveria trazer<br />

bonanças,” eles procuravam compreender quais seriam as causas dessa imensa<br />

contradição. Pior, ainda, era a constatação do aumento da criminalidade. Como explicar<br />

o crescimento de uma população crimi<strong>nos</strong>a nessa sociedade européia contemporânea<br />

que aparecia como rica, próspera e “civilizada,” mas deixava visível a céu aberto uma<br />

população de pobres e miseráveis? Esta população funcionava como um exército de<br />

reserva, não apenas de mão de obra para a industrialização crescente, mas também<br />

como estoque de futuros crimi<strong>nos</strong>os. Como pensar em aplicar as consideradas boas<br />

teorias para renovar um <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong> e para construir novas prisões em tal<br />

sociedade?<br />

Aparentemente, havia um consenso por parte das elites intelectuais européias de<br />

que habitavam um continente que abrigava essa terrível contradição. Essa sociedade era<br />

muito diferente da sociedade americana. Para <strong>Tocqueville</strong>, na América, um fator<br />

igualitário parecia se desenvolver, partindo dos hábitos e costumes do seu povo,<br />

transformava aos poucos a sociedade e dessa forma ia-se construindo a democracia. Ao<br />

contrário, na Europa, a nova e crescente miséria face à nova riqueza, parecia contradizer<br />

esse caminhar democrático. A nova grande vilã era, sem dúvida, a produção industrial.<br />

Isto é, chocava a todos a existência de uma classe operária, onde trabalhadores muito<br />

pobres viviam na mais completa miséria, em oposição à outra, de ricos, bem nascidos,<br />

1 Ver, <strong>sobre</strong>tudo, a excelente entrevista realizada pelo Magazine Littéraire com Foucault que se encontra<br />

publicada em: Microfísica do poder e seu famoso: Vigiar e punir, no qual o relatório <strong>sobre</strong> o <strong>sistema</strong><br />

<strong>penitenciário</strong> <strong>nos</strong> Estados Unidos de <strong>Beaumont</strong> e <strong>Tocqueville</strong> é bastante citado.<br />

2 Deuxième article sur le paupérisme in <strong>Tocqueville</strong>, Oeuvres, I, Bibliothèque de la Plêiade,<br />

Ed.Gallimard, 1991. p.1186.<br />

18

Hooray! Your file is uploaded and ready to be published.

Saved successfully!

Ooh no, something went wrong!