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Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos

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ou a humanidade que se queixa. A pena de morte e as pancadas (a punição<br />

física), eis o código penal dos escravos”. Acrescentam ainda em nota as<br />

bárbaras considerações que lhes são expostas pelos seus entrevistados: “não<br />

há prisão para prender os escravos: mantê-los aprisionados custa muito<br />

caro! A morte, as chicotadas, o exílio não custam nada! Além disso, para<br />

exilá-los, basta vendê-los, o que é lucrativo.” 1<br />

Em vários momentos de suas obras, <strong>Tocqueville</strong> demonstra o horror que sentia<br />

pela existência da escravidão. Nos Estados Unidos ela era agravada pelo fato de que a<br />

legislação local da maioria dos estados proibia o escravo de receber instrução além da<br />

necessária para realizar o seu trabalho. Em muitas situações, o simples fato de<br />

alfabetizá-los poderia ser considerado um crime. Dentre as suas famosas previsões, ao<br />

negar que nesse país viriam a ocorrer grandes revoltas, <strong>Tocqueville</strong> afirma que, no<br />

futuro, apenas a abolição da escravatura poderia provocar a única grande revolução.<br />

Além disso, a abolição não iria terminar com o maior problema que a democracia<br />

americana teria ainda que enfrentar. Para ele, por muito tempo mesmo depois da<br />

abolição, os america<strong>nos</strong> continuariam a discriminar o negro, pois pela sua diferença de<br />

cor seria sempre visto como ex-escravo. Não é, portanto, de estranhar as críticas que faz<br />

à não-inclusão do escravo em um <strong>sistema</strong> penal de um país considerado democrático e<br />

livre, pois isso significava haver parte da população que, não sendo estrangeira, também<br />

não era contada como cidadã. 2<br />

Os dois relatores sabiam muito bem que qualquer reforma penitenciária<br />

envolveria a reforma da legislação. Primeiramente, era preciso conhecer as leis que<br />

definiam o que deveria ser considerado como crime e, só posteriormente, definir quais<br />

seriam as punições.<br />

O que se discutia, portanto, ultrapassava muito a questão da necessidade de um<br />

<strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong> que atendesse ao aumento da criminalidade em uma nova<br />

sociedade. Em primeiro lugar, era necessário saber como e que tipo de crimi<strong>nos</strong>os<br />

devia-se vigiar, punir e matar. Mas era necessário também educar, transformar o<br />

crimi<strong>nos</strong>o num homem bom. A prisão precisaria ser um lugar de salvação, para que o<br />

prisioneiro pudesse voltar “curado” à sociedade. Como evitar que ele saísse da prisão<br />

pior do que entrou? A prisão como lugar de recuperação moral era o ideal. Mas a<br />

sociedade também não estava bem. Como pode o ex-detento voltar “são” a uma<br />

sociedade que não está “sã”? O que <strong>Tocqueville</strong> e <strong>Beaumont</strong> definiam como teoria, ou<br />

filosofia prisional, abordava todas essas questões.<br />

Alguns desses temas parecem muito atuais. Foucault reviveu esse debate na<br />

segunda metade do século passado, reintroduzindo o mesmo problema. Em suas críticas<br />

a qualquer tipo de encarceramento, ele mostra a relação direta que as prisões possuem<br />

com os males da própria sociedade. Ao discorrer <strong>sobre</strong> tortura, violências corporais,<br />

prisões e pena de morte, ele discute o poder, o domínio do corpo e da mente do outro,<br />

enfim, a sociedade e a política. Foucault, ao retomar algumas das teorias discutidas <strong>nos</strong><br />

estudos <strong>penitenciário</strong>s de <strong>Beaumont</strong> e <strong>Tocqueville</strong>, inclusive utilizando muitos dos<br />

1 O. C., T. IV, vol. 1, pp.168, 170. <strong>Tocqueville</strong> e <strong>Beaumont</strong> anotam à página 209, que havia prisões para<br />

os negros libertos e que normalmente eles, juntamente com os estrangeiros brancos, mesmo em prisões<br />

diferentes, eram proporcionalmente em maior número que os habitantes brancos já assentados no país.<br />

2 Em Da Democracia na América <strong>Tocqueville</strong> tem uma longa análise da escravidão <strong>nos</strong> Estados Unidos e<br />

procura mostrar como ela era nefasta também para o senhor e para toda a sociedade. São suas palavras:<br />

“a escravidão desonra o trabalho; introduz a ociosidade na sociedade e, com ela, a ignorância e o orgulho,<br />

a pobreza e o luxo. Ela abate as forças da inteligência e adormece a atividade humana.” O.C.,T.I, vol. 1,<br />

p.30.<br />

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