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Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos

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Assim como as prisões não tinham necessariamente de seguir as diretrizes de<br />

uma administração pública estatal, me<strong>nos</strong> ainda federal, e como elas podiam ser<br />

privadas, seus diretores e funcionários teriam plena liberdade de aplicar a punição que<br />

quisessem, quando e como achassem necessário.<br />

Essa arbitrariedade era extremamente complexa para os dois amigos, pois<br />

<strong>Tocqueville</strong>, que só via vantagens na descentralização administrativa dos Estados<br />

Unidos, percebia a gravidade do problema como uma contradição. Toda punição, nesses<br />

casos, estaria sendo subjetiva. A arbitrariedade existente negava completamente os<br />

direitos do cidadão, a igualdade da democracia e a independência da justiça e da lei.<br />

Estes eram princípios, defendidos pelo próprio <strong>Tocqueville</strong>, como fundamentais para o<br />

desenvolvimento de qualquer democracia. A liberdade, nesse tipo de encarceramento,<br />

transformava-se em anarquia; o livre arbítrio ultrapassava os seus limites e se<br />

transformava na pior das desigualdades. Além disso, com essa variedade de opções, não<br />

poderia haver apenas um único <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong> para todo o país. O <strong>Tocqueville</strong> da<br />

Democracia na América volta-se para o Estado. Não consegue ver naquilo que poderia<br />

ser um <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong> tão aberto nenhuma vantagem que pudesse ser exemplar<br />

para a França.<br />

Na sua obra Da democracia na América, <strong>Tocqueville</strong> analisa a sociedade<br />

americana louvando a sua descentralização administrativa, para o bem das liberdades<br />

fundamentais e mostrando a necessidade de uma nação ser centralizada politicamente,<br />

em nome de sua própria existência. Para ele, as leis de caráter universal têm que ser<br />

igualmente respeitadas em todo o país e a União precisa ser poderosa. Nas análises que<br />

<strong>Tocqueville</strong> realiza para expor o <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong> americano, a descentralização<br />

administrativa das prisões é um fator negativo aos próprios princípios da democracia. O<br />

Sistema Penitenciário dos Estados Unidos aparece como uma contradição em relação à<br />

democracia americana. Como muito bem analisou Sheldon Wolin : “O <strong>sistema</strong><br />

<strong>penitenciário</strong> foi uma viagem de descoberta, uma theoria, feita para os Estados<br />

Unidos, mas não para o mesmo país como o (analisado em sua obra) Da Democracia<br />

na América.” 1<br />

Ao lado de filosofias que viam um caminho mais suave para a recuperação do<br />

crimi<strong>nos</strong>o, mantinham-se ainda outras, com as penas de punição corpórea e a pena de<br />

morte.<br />

Além disso, havia as punições que as teorias pareciam não atingir, lugares ou<br />

situações onde a tortura e a morte eram decididas fora das concepções gerais de crime,<br />

de prisões e da legislação, quando não da própria constituição. Estes eram os casos dos<br />

militares e dos escravos. Os primeiros possuíam legislação interna própria à corporação.<br />

A chibata, a tortura e a pena de morte ainda estavam em uso.<br />

Para os segundos, os escravos, em muitos lugares <strong>nos</strong> Estados Unidos, não havia<br />

nenhum tipo de legislação. As decisões de punição eram totalmente arbitrárias e<br />

dependiam exclusivamente do senhor de escravos e diziam respeito predominantemente<br />

à moral e aos costumes, portanto mais próximas da moral religiosa da comunidade onde<br />

habitavam, do que das leis do país. Era onde as religiões tinham maior domínio.<br />

Mostrando como os escravos estavam inteiramente fora de qualquer <strong>sistema</strong><br />

<strong>penitenciário</strong>, ao visitarem os estados do sul dos Estados Unidos, onde a escravidão<br />

ainda se encontrava em pleno vigor, os dois autores comentam horrorizados:<br />

“essa vergonha de um povo livre [...] por toda parte onde uma metade da<br />

sociedade é cruelmente oprimida pela outra, deve-se esperar encontrar na<br />

lei do opressor uma arma sempre pronta a atacar a natureza que se revolta<br />

1 Wolin, Sheldon S. <strong>Tocqueville</strong> between two worlds (the making of a Political and Theoretical Life.<br />

Princeton University Press. 2001. p.387.<br />

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