Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
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um bom regime <strong>penitenciário</strong> onde se pudesse ter prisão perpétua para os piores<br />
crimes. 1<br />
É verdade que a discussão <strong>sobre</strong> os vários tipos de aprisionamento é ainda mais<br />
complexa e talvez mais contraditória para um liberal como <strong>Tocqueville</strong>, <strong>sobre</strong>tudo<br />
quando teve que enfrentar a questão das prisões políticas em 1841 e 1843, já como<br />
deputado. Em carta a <strong>Beaumont</strong> de 15 de novembro de 1841, ele parece mais<br />
preocupado em defender suas posições favoráveis às prisões solitárias do que em<br />
condenar a horrível situação dos prisioneiros políticos encarcerados nas masmorras do<br />
Monte São Michel. “Todas as histórias do Monte São Michel <strong>nos</strong> trarão à próxima<br />
sessão <strong>nos</strong>so tema <strong>penitenciário</strong> bastante espinhoso. Além disso, eu mesmo estabeleci<br />
que a prisão solitária era uma pena e só por lei poderia se tornar a base de<br />
aprisionamento”. 2<br />
Muitas das críticas dos dois amigos se opunham a um tratamento mais humano<br />
aos condenados. Viam como excesso de zelo caridoso algumas das sugestões que<br />
facilitavam por demais o bem-estar do prisioneiro. Por isso, às vezes acusavam a<br />
religião, tanto a católica, por insistir em catequizar, obrigando os presos a assistirem<br />
missa, e assim facilitando um maior contato entre eles, como a protestante, na qual<br />
presbiteria<strong>nos</strong> e quakers, <strong>nos</strong> Estados Unidos, forneciam Bíblias para serem lidas, e<br />
incentivavam a continuação dos estudos na prisão.<br />
Para os dois, embora a idéia de recuperação moral fosse necessária, era<br />
importante também ter em vista que a prisão era uma punição, pois, afinal, os<br />
encarcerados tinham cometido crimes. Por isso, condenavam como um absurdo as<br />
propostas de Bentham de levar música às prisões, ou de permitir que os prisioneiros<br />
conversassem durante o trabalho. Preferiam que ficassem isolados em suas celas ou<br />
trabalhassem em absoluto silêncio durante o dia e dormissem em solitárias à noite.<br />
Impedia-se, assim, qualquer contato com outros prisioneiros, e eles não poderiam sair<br />
da prisão pior do que entraram, uma vez que as prisões eram vistas como fábricas de<br />
crimi<strong>nos</strong>os.<br />
Mas, por outras vezes, elogiavam bastante algumas medidas relativas à<br />
organização de certas penitenciárias mais abertas, <strong>nos</strong> Estados Unidos. Também<br />
reconheciam que as reformas realizadas em determinados lugares, apesar de serem<br />
concebidas por seitas religiosas, eram avançadas e de caráter iluminista e liberal. Não<br />
deixavam, por isso, de elogiar o fato de “o primeiro pensamento de reforma das prisões<br />
da América ter partido dos quakers, pois haviam conseguido, aos poucos (vinham<br />
lutando para isso desde 1786), extirpar da legislação da Pensilvânia a pena de morte, a<br />
mutilação e as chibatadas”. “Os castigos corporais foram substituídos pela pena de<br />
prisão e a lei autoriza os tribunais a infligir aos culpados de crimes capitais o<br />
aprisionamento solitário em célula, durante dia e noite”. 3<br />
A discussão <strong>sobre</strong> as vantagens e desvantagens da prisão celular, aliada à idéia<br />
de solidão, desenvolvia-se considerando os aspectos benéficos e maléficos, do ponto de<br />
vista da recuperação individual. Nesses casos, a maior crítica vinha daqueles que viam<br />
1 A pena de morte até hoje existe <strong>nos</strong> Estados Unidos e é uma decisão dos estados da federação e não da<br />
União. Só a Suprema Corte tem poderes para abolir a pena de morte em todo o país..<br />
2 As condições nesta prisão eram consideradas das mais brutais. Prisão comum e política, lá se<br />
encontravam encarcerados, entre outros prisioneiros políticos, desde o levante de maio de 1839, Barbès,<br />
Auguste Blanqui e Martin Bernard. <strong>Tocqueville</strong> termina este assunto indo visitar essa prisão em<br />
dezembro de 1843 e verificando pessoalmente o seu absoluto horror. No ano seguinte ela deixa de ser<br />
prisão política. Ver O.C., T. VIII, v. 1. pp. 453-4, 516-17-18. Nas considerações de <strong>Tocqueville</strong> nessa<br />
correspondência com <strong>Beaumont</strong> fica claro que a discussão encetada por eles na Câmara e <strong>nos</strong> jornais era<br />
apenas no sentido de defender suas posições em relação às penas em prisões solitárias.<br />
3 O.C., T. IV, v.1, ps. 155-156.<br />
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