Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
Tocqueville e Beaumont - sobre o sistema penitenciário nos
Create successful ePaper yourself
Turn your PDF publications into a flip-book with our unique Google optimized e-Paper software.
“ao estudar o <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong>, nós veremos a América, ao visitar<br />
as prisões, nós visitaremos seus habitantes, suas cidades, suas<br />
instituições, seus republica<strong>nos</strong>... Este governo não é conhecido na<br />
Europa, fala-se muito, fazendo-se falsas comparações com países que em<br />
nada se assemelham a ele; não seria um bom livro aquele que desse uma<br />
idéia exata do povo americano, que expusesse amplamente sua história,<br />
pintasse com grandes traços seu caráter, analisasse seu estado social e<br />
retificasse tantas opiniões errôneas <strong>sobre</strong> este ponto?”<br />
Ainda <strong>Beaumont</strong>, em carta de 18 de junho de1831, escrita já de Nova York ao seu<br />
irmão Achille:<br />
“ Nós continuamos a recolher material para a <strong>nos</strong>sa grande obra. Nós<br />
continuamos questionando sempre aqueles que encontramos; nós<br />
pressionamos qualquer um que <strong>nos</strong> caia sob as mãos e todas as noites<br />
nós escrevemos tudo que escutamos durante o dia,” ou para a sua irmã<br />
em 14 de julho de 1831: “ ...eu faço muitas observações <strong>sobre</strong> as<br />
instituições que você lerá um dia em <strong>nos</strong>sa grande obra.” 1<br />
Mas, ao que parece, salvo para o relatório <strong>sobre</strong> o <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong>, logo a<br />
parceria literária seria desfeita. É verdade que a amizade e a política os mantiveram<br />
unidos por toda a vida. Em 2 de janeiro de 1832, <strong>Tocqueville</strong> escreve a Chabrol: “Eu<br />
não abandonei a idéia de publicar alguma coisa <strong>sobre</strong> os Estados Unidos” 2 deixando já<br />
claro que a grande obra seria apenas de sua autoria. Mesmo neste relatório que muitos<br />
comentadores afirmam ter sido redigido apenas por <strong>Beaumont</strong>, o estilo é marcado pela<br />
maneira tocquevilliana de apresentar os problemas. Entre outras semelhanças, estão a<br />
forma de apresentar as contradições, a maneira de discutir as vantagens e desvantagens<br />
de cada situação descrita, as críticas sempre expressas às soluções sugeridas e a<br />
indicação dos futuros problemas que pudessem surgir.<br />
A ambição de <strong>Tocqueville</strong> parecia ainda ser maior, pois, ao estudar os Estados<br />
Unidos, queria entender e explicar aos franceses o que era a democracia, pois esta<br />
parecia para ele como o futuro, não apenas da França, mas de todos os povos.<br />
A construção do relatório<br />
Ao voltar, eles tinham a obrigação de prestar contas do resultado da pesquisa realizada,<br />
fruto do afastamento solicitado, afinal ambos eram funcionários públicos, trabalhando<br />
para o Rei e, no caso específico, para o <strong>sistema</strong> judiciário do Estado. A justificativa do<br />
projeto de pesquisa apresentada ao ministro fundamentava-se em três pontos:<br />
1º. O aumento progressivo de crimes e delitos: a falta de um bom regime <strong>penitenciário</strong><br />
era a principal causa desse aumento. Por isso, pretendiam expor o estado atual das<br />
prisões na França para mostrar a inexistência de um bom regime <strong>penitenciário</strong>, pois ao<br />
invés de corrigir elas corrompiam;<br />
2º. A necessidade de uma mudança do <strong>sistema</strong> e da adoção de outro regime<br />
<strong>penitenciário</strong>;<br />
3º. Qual país poderia conter observações úteis <strong>sobre</strong> o <strong>sistema</strong> <strong>penitenciário</strong> e <strong>sobre</strong> sua<br />
execução?<br />
Os dois explicavam em sua petição que apenas <strong>nos</strong> Estados Unidos poderiam<br />
realizar esse estudo, pois não teriam nada a aprender <strong>nos</strong> Países-Baixos, na Suíça, ou na<br />
Inglaterra. “Lá é possível pesquisar <strong>sobre</strong> os princípios teóricos e práticos desse<br />
1 Cit. por André Jardin em Correspondence d’Alexis de <strong>Tocqueville</strong> et Gustave de <strong>Beaumont</strong>. O.C., T.<br />
VIII, v.1, 1967, pp. 18-19.<br />
2 Idem, ib.<br />
10